Códigos de ética são importantes. Se eles são eficientes ou não, esta é uma outra questão. O fato é que esses documentos, além de sinalizarem condutas adequadas, são manifestações públicas dos valores que regem certas atividades humanas. Neste sentido, quando um grupo profissional elabora um conjunto de regras para orientar as condutas de seus membros, não há ali tão somente um esforço para normatizar atitudes, mas também mostrar à sociedade que aquela categoria cultiva e se apóia em alguns valores. Que se preocupa com isso e que torna público esse cuidado.
Entre os jornalistas, o código de ética profissional está em sua terceira edição. A primeira surgiu em 1949, provocado e conduzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), criada três anos antes. Documento longo e com texto prolixo, o primeiro código vigorou até 1968, quando uma segunda versão veio à tona. Redigido em tempos turbulentos, o código absorveu muita da atmosfera local, transferindo para os artigos a mesma efervescência política das ruas e redações.
A terceira versão do Código de Ética do Jornalista Brasileiro foi aprovada pela categoria em 1986, e de lá pra cá, tanto o jornalismo quanto os jornalistas e a própria sociedade se transformaram. Assim, a rotina produtiva tornou-se mais intensa e massacrante, os meios de comunicação de massa ocuparam um lugar decisivo na vida cotidiana, a tecnologia ampliou a atuação dos jornalistas, e o próprio público reconfigurou a imagem que tinha da mídia e dos profissionais do ramo.
Diante desse cenário movimentado, nada mais justo do que permitir que as regras deontológicas também acompanhem a dinâmica social. Um novo código de ética é preciso porque uma nova ética é necessária. Uma ética que considere o público não mais uma massa amorfa no processo de comunicação; que reafirme valores que são essenciais ao exercício do jornalismo; que recorde à mídia suas funções informativa, cidadã e educativa; que possibilite à sociedade um debate mais amplo e verdadeiro sobre o processo de comunicação.
Produtivo e positivo
Após duas décadas de vigência, o Código de Ética do Jornalismo Brasileiro deve mudar. Em julho, o 32º Congresso Nacional da categoria irá discutir as propostas apresentadas para uma nova redação do documento. Essas sugestões foram reunidas no 1º Seminário Nacional de Ética em Jornalismo, em março e abril deste ano, em Londrina (PR). Na ocasião, não foi possível um debate sobre as teses até porque muitas delas foram justamente apresentadas em cima da hora. A reflexão e o calor das discussões ficam para Ouro Preto, onde acontecerá o congresso.
Se eu pudesse participar desse evento, defenderia a redação de um documento mais enxuto que o atual; mais voltado ao reforço dos valores específicos da ética jornalística; mais claro e afirmativo; e menos explicativo do funcionamento das comissões de ética, afinal seu regime interno dá conta desses detalhes.
A proposta que apresentei ao Seminário de Londrina segue essas orientações, na tentativa de oferecer contribuições ao debate. Que o Congresso Nacional dos Jornalistas se constitua num encontro efetivo, produtivo e positivo. Que os jornalistas possam discutir e elaborar um novo código de ética e que, no horizonte de suas expectativas, esteja um jornalismo mais ético e responsável, voltado para as necessidades e aspirações da sociedade.
A seguir, uma contribuição.
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Código de Ética do Jornalista Brasileiro: uma proposta
I – Do Jornalismo
Art. 1º – O Jornalismo é uma atividade de finalidade pública, independente da natureza do controle da empresa jornalística.
Art. 2º – A verdade e a fidelidade aos fatos são valores essenciais ao Jornalismo.
Art. 3º – A liberdade de imprensa é condição de base para o exercício do Jornalismo e esta deve ter como contrapartida a responsabilidade social inerente à profissão.
II – Do Jornalista
Art. 4º – O jornalista é um agente social e deve pautar sua condição para o amplo desenvolvimento da sociedade, para a justiça social e para a ética em todos os níveis.
Art. 5º – O jornalista deve respeitar suas fontes de informação, seu público e os colegas profissionais.
Art. 6º – O jornalista não deve:
a) Distorcer os fatos em seus relatos;
b) Usar sua condição para obter vantagens financeiras ou quaisquer outras;
c) Fazer do Jornalismo uma prática que incite à violência, à intolerância, ao arbítrio e ao crime;
d) Apresentar relatos tendenciosos ou que sobre-valorizem uma versão em detrimento de outras;
e) Contribuir para a censura e a opressão de vozes, corpos e consciências;
f) Frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre debate;
g) Concordar com a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais ou de sexo;
h) Acumular as funções de jornalista e assessor de imprensa em situações onde haja conflito de interesses;
i) Contribuir para o aviltamento salarial e a precarização das condições de trabalho.
Art. 7º – O jornalista pode resguardar a origem e a identidade de suas fontes de informação para preservar a sanidade e integridade de seus relatos, das fontes ou mesmo do próprio profissional.
III – Do Exercício Profissional
Art. 8º – O exercício do Jornalismo deve contribuir para a informação, orientação e educação dos cidadãos em geral.
Art. 9º – Os relatos jornalísticos devem buscar o equilíbrio de versões, a pluralidade e diversidade de vozes, e a não-parcialidade, sempre fazendo prevalecer no profissional e no seu trabalho o senso de utilidade pública.
Art. 10 – A opinião manifesta em meios de informação deve ser exercida com responsabilidade e plena consciência das conseqüências que pode provocar.
Art. 11 – O jornalista é responsável por toda a informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros.
IV – Da Ética Jornalística
Art. 12 – O exercício pleno do Jornalismo se equilibra sobre rigor técnico, apuro estético e atitudes éticas.
Art. 13 – A consciência ética do jornalista deve levar em consideração os critérios técnicos da profissão, os valores morais da atividade jornalística e os contextos sócio-históricos vigentes.
Art. 14 – O jornalista deve observar o direito à privacidade do cidadão.
Art. 15 – O jornalista deve levar em consideração que o interesse público suplanta os direitos individuais, desde que não se incorra em delito ou crime.
Art. 16 – O jornalista deve combater e denunciar todas as formas de corrupção, principalmente quando exercida com o objetivo de controlar a informação.
Art. 17 – O erro é inerente à natureza humana, mas o profissional deve se esforçar para evitá-lo. Quando identificada falha, igual esforço deve ser despendido para as retificações necessárias e a ampla difusão da versão mais precisa e correta.
V – Das sanções aos deslizes éticos
Art. 18 – As transgressões a este Código de Ética serão apuradas e apreciadas pelas Comissões de Ética do Sindicato (primeira instância) ou da Fenaj (segunda instância de julgamento), eleitas em Assembléia Geral da categoria.
Art. 19 – A Comissão de Ética receberá denúncia por escrito e identificada de qualquer cidadão que observar deslize ético de jornalista.
Art. 20 – Recebida a denúncia, a Comissão de Ética decidirá sua aceitação fundamentada ou, se notadamente incabível, determinará seu arquivamento, tornando pública a decisão, se necessário. A notória intenção de prejudicar algum profissional, em caso de representação sem fundamentos, será objeto de censura pública contra o seu autor.
Art. 21 – A Comissão de Ética ouvirá denunciantes e denunciados, dando amplo direito para manifestarem suas posições, inclusive promovendo acareações. Caso alguma das partes não participe dessas audiências, o processo tramitará à revelia.
Art. 22 – A Comissão de Ética terá 30 dias para concluir o processo ético, a contar do protocolo da apresentação da denúncia.
Art. 23 – Os jornalistas que incorrerem em deslizes éticos no exercício profissional estão sujeitos às seguintes sanções:
a) Advertência em Caráter Privado da Comissão de Ética, em caso de falha considerada leve;
b) Reprimenda Pública da Comissão de Ética, em caso de falha grave;
c) Repreensão Pública do Sindicato e da Fenaj, em caso de falha gravíssima.
Art. 24 – Os jornalistas condenados por falhas graves podem recorrer à Comissão de Ética da Fenaj no prazo máximo de cinco dias de sua comunicação; os condenados por falhas gravíssimas podem recorrer à Assembléia Geral da categoria no prazo máximo de dez dias.
Art. 25 – Qualquer modificação neste Código de Ética só pode ocorrer em Congressos Nacionais de Jornalistas, mediante proposição subscrita por 10 delegações representantes de Sindicato de Jornalistas, no mínimo.
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Professor do curso de Comunicação Social – Jornalismo e do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí; responsável pelo projeto Monitor de Mídia e integrante da Rede Nacional dos Observatórios de Imprensa (Renoi)