Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Preço do silêncio da imprensa é um mensalinho de até R$ 60 mil

Documentos de dentro da Secom revelam o escândalo da propina de até R$ 60 mil a donos de veículos, políticos, jornalistas e radialistas do Amapá. Na relação estão sete dos 24 deputados que recebem o jabaculê.

A Folha obteve, com exclusividade, documentos de dentro da Secretaria de Estado da Comunicação (Secom) que revelam a relação promíscua entre o Governo do Estado do Amapá (GEA) e grande parte da imprensa amapaense, e finalmente torna público um boato que sempre correu, mas nunca havia sido confirmado: a famosa lista do jabaculê a jornalistas, oficializada no governo de Waldez Góes (PDT). O preço do silêncio e a garantia da bajulação são um mensalinho que contempla praticamente todos os radialistas de programas jornalísticos de FM, a maioria dos donos dos veículos de comunicação – que detêm concessões públicas de emissoras de rádios e/ou televisões – e sete dos 24 deputados estaduais. Tudo indica que são salários mensais, cujo valor varia de R$ 300 a R$ 60 mil, com critérios de remuneração para cada pessoa.

Recortes das listas, carimbadas pela Secom, até então escondidas a sete chaves

Os documentos timbrados pelo GEA e Secom, carimbados e assinados pela chefe da Divisão de Editoração da Secretaria de Comunicação, Alice Evangelista Barroso, são dos meses de outubro e novembro de 2003, seis meses de 2004 – janeiro a junho —, além dos meses de setembro e outubro do mesmo ano, aos radialistas e deputados que utilizam os horários nos veículos, alguns comprados – prática considerada crime pela Agência Nacional de Telecomunições (Anatel) –, para manipular e tentar persuadir a opinião pública com notícias favoráveis e defesa severa do Governo do Estado, bem como silenciar e não abrir espaço para a oposição. A prova maior desse esquema de troca e favorecimentos são os programas nas rádios apresentados pelas pessoas contempladas na famosa Relação dos Comunicadores, os jornais impressos e os telejornais.

O pagamento do mensalinho aos jornalistas – cerca de 18 radialistas, seis concessionários de emissoras de televisão, concessionários de emissoras de rádios comunitárias e FM, repórteres e donos de jornais impressos – é feito pela agência de publicidade e propaganda Amazoom Sistema de Comunicação, que ganhou em uma duvidosa licitação, em 2003, as contas publicitárias do GEA. Ela seria apenas intermediária entre a Secom e os profissionais, uma vez que o pagamento é considerado ilegal, pois o jornalista não pode usar o espaço e nem a informação como mercadoria.

Fontes seguras que conhecem o esquema revelam que tudo começou a funcionar a partir de uma lista organizada e apresentada pelo então secretário de Comunicação Olimpio Guarany, onde constavam nomes de jornalistas conhecidos dele, que de alguma forma prestaram serviços ou deram apoio na campanha de Waldez Góes em 2002, e como forma de compensação começariam a receber o salário através da Amazoom. Esse pagamento seria parte de um plano de estratégias da Secom apresentado por Guarany em reuniões que aconteceram no chamado Comando, localizado na Avenida Nações Unidas, com a presença de Gutembergue Jácome e Sebastião Rocha (Bala), para que o governo tivesse do lado uma imprensa comprometida e nada jornalística.

Para não deixar vestígio

A lista de nomes não é permanente, a ordem de pagamento, inclusão e exclusão, vêm de dentro da Secom. Quem pisar na bola tem o nome retirado do pagamento, que acontece no próprio prédio da Amazoon, localizado na Rua Hildemar Maia, Bairro Santa Rita, na boca do caixa, sem recibo ou documento que possam deixar provas. No início, os que recebiam ficavam na frente do prédio da agência esperando o pagamento, hoje em dia um funcionário de lá liga e avisa que a pessoa pode ir pegar o dinheiro.

Ainda segundo essas fontes, que preferem não se identificar, a maior quantia é paga mensalmente a um empresário, dono de um jornal diário e radialista, que recebe R$ 60 mil, fora as faturas dos veículos que tem concessão. Depois dele, também um outro empresário, que antes do governo Waldez não trabalhava na área de comunicação e agora tem uma concessão de TV e é proprietário de um jornal impresso, recebe mensalmente cerca de R$ 50 mil. Quanto aos radialistas, os que recebem mais, de acordo com a lista, são: Carlos Lobato, dono de um programa matinal na 101 FM, cujo mensalinho é R$ 8 mil; J. Ney, R$ 6 mil (Antena 1 FM); Carlos Bezerra, R$ 4 mil (Antena 1 FM); e Hélio Nogueira (Transamérica), R$ 5 mil. Dos deputados, quem leva a maior bolada é Edinho Duarte (sócio e apresentador da Antena 1 FM), com R$ 70 mil em 2004.

Outra informação que vazou é que os próprios assessores do governo recebiam pela agência e o pagamento dos deputados é apenas uma ajuda de custo para a próxima campanha.

Código de Ética condena prática

No meio jornalístico esse tipo de relação sórdida é conhecido como jabá – prática de pagar para que a pessoa deixe de se portar eticamente com seus deveres profissionais – e condenada pelo Código de Ética dos Jornalistas, que vigora desde 1987. O Artigo 13 diz que o profissional deve evitar a divulgação dos fatos com interesse pessoal ou vantagens econômicas; também está no Artigo 9º, que profere do dever deste profissional em combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação.

De acordo com o presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amapá, Volney Oliveira, há informações e conversas sobre o jabá na imprensa amapaense, no entanto não há o ônus da provas e nem denúncia formal, o que dificulta o trabalho da Comissão de Ética. Quanto às punições, se comprovada a denúncia da conduta irregular e reprovável do profissional, ele pode ser expulso do quadro da entidade, se for filiado, e a punição mais severa seria o pedido de cassação do registro profissional deste jornalista, que ficaria impedido de continuar no mercado de trabalho:

– Se não tiver o registro profissional é pior ainda, pois o exercício ilegal da profissão é crime, porque o jabá também seria um suborno. Aí poderíamos oficializar uma denúncia à Polícia Federal, por suborno e chantagem. O profissional pode ter uma relação com os políticos, desde que essa relação não seja em troca de interesses – explica Volney Oliveira.

O secretário de Comunicação, Marcelo Roza, foi procurado pela reportagem, mas ele não foi localizado na Secom e não atendeu seu telefone celular ou retornou a ligação.

A lista do jabá

Nos documentos da Secom para relação de pagamentos do mês existe a descrição dos serviços, que são de mídia, dos veículos e dos comunicadores. No ano de 2003, mês de novembro, o total é de mais de R$ 1,2 milhão, apesar de ter campanhas que não foram veiculadas, somando quase R$ 178 mil, mas que foram pagas. Já em 2004, é de quase R$ 692 mil em seis meses, mais R$ 434 mil no mês de outubro. Na listagem dos meios de comunicação aparecem 20 veículos com respectivos valores a receber, entre eles: J. Alcolumbre (na época com concessão do SBT, Record, Band e Rádio Marco Zero), cota de R$ 50 mil – veiculado R$ 22.600, não veiculado R$ 27.321; Borges (rádio 102 FM, rádio Santana FM e TV Tucuju), R$ 50 mil – sendo veiculado R$ 11.902, não veiculado R$ 38.080; Eraldo Trindade, R$ 20 mil – veiculado R$ 800, não veiculado R$ 19.200; Jornal do Dia, R$ 20 mil – veiculado R$ 6.004, não veiculado R$ 13.995; Jornal Diário do Amapá, R$ 30 mil – veiculado R$ 2.706, não veiculado R$ 27.293; Jornal A Gazeta (na época estava começando), R$ 10 mil – não veiculado; Jornal dos Municípios, R$ 8 mil – não veiculado; O Amapá, R$ 5 mil – não veiculado; Transamérica, R$ 5 mil – não veiculado; Revista Leia, R$ 3 mil – não veiculado; Rádio 104 FM, R$ 3 mil – não veiculado; Rádio Vale do Jari, R$ 3 mil – não veiculado; Rádio Vitória FM, R$ 3 mil – não veiculado; Rádio Base FM, R$ 3 mil – não veiculado; e Jornal da Tarde, R$ 2 mil – não veiculado.

Na relação de pagamento dos comunicadores, ainda no ano de 2003, a soma é de mais de R$ 43 mil e estão na lista: Luis Santos, R$ 8 mil; J. Ney, R$ 6 mil; Carlos Lobato, R$ 4 mil; Carlos Bezerra, R$ 4 mil; Leonai Garcia, R$ 3 mil; Bonfim Salgado, R$ 2 mil e Hélio Nogueira (TV Tucuju), R$ 5 mil.

Quanto à relação nomeada Outros, em outubro de 2003, a soma é R$ 54 mil, onde aparecem nomes e programas dos deputados estaduais Edinho Duarte (PMDB), Eider Pena (PDT), Jorge Amanajás (PSDB), Dalto Martins (PMDB), Paulo José (PL), Kaká Barbosa (PT do B) e Roberto Góes (PDT).

Já no ano de 2004, os mesmos deputados receberam uma quantia da Secom que soma R$ 316 mil em apenas nove meses, de acordo com os documentos:

– Edinho Duarte: R$ 70 mil;

– Dalto Martins: R$ 61 mil;

– Roberto Góes: R$ 37 mil;

– Kaká Barbosa: R$ 46 mil;

– Paulo José: R$ 25 mil;

– Jorge Amanajás: R$ 40 mil;

– Eider Pena: R$ 37 mil.

Disparidade

O orçamento do Governo do Estado para a comunicação nos últimos três anos de gestão do governador Waldez Góes foi quase sempre maior do que o da segurança pública, por exemplo. Para este ano, de pleito eleitoral, o orçamento aprovado pela Assembléia Legislativa repassa para a Secom R$ 8,3 milhões, enquanto que para a Polícia Militar são R$ 4,2 milhões. Em 2005 o repasse foi de R$ 6,2 milhões à Secretaria de Comunicação e R$ 4,1 milhões para a PM. Foi somente no ano de 2004 que a Polícia Militar teve o repasse um pouco maior, R$ 5,5 milhões, enquanto a Secom recebeu R$ 4,5 milhões.