Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Privacidade agora é mercadoria

À medida que o monitoramento secreto de usuários da internet se torna mais agressivo e abrangente, pequenas empresas iniciantes e gigantes da tecnologia começaram a oferecer um novo produto: privacidade.


Companhias como a Microsoft Corp., a McAfee Inc. – e até mesmo algumas das próprias empresas de monitoramento – passaram a oferecer novas maneiras de proteger as pessoas da bisbilhotagem on-line. Algumas estão até indo além e começando a pagar às pessoas uma comissão toda vez que seus detalhes pessoais são usados por empresas de marketing.


‘Os dados se tornaram um novo tipo de moeda’, diz Shane Green, diretor-presidente da empresa iniciante Personal Inc., sediada em Washington, que captou recentemente US$ 7,6 milhões para criar uma firma voltada a ajudar as pessoas a lucrar com o fornecimento de seus dados pessoais para anunciantes on-line.


A série de reportagens do Wall Street Journal chamada ‘O que eles sabem’, sobre o monitoramento na internet, expôs uma rede em rápido crescimento de centenas de empresas que coletam dados altamente pessoais sobre as pessoas na internet – suas atividades on-line, opiniões políticas, preocupações com a saúde, hábitos de compras, situação financeira e, em alguns caos, até seus nomes – para alimentar a indústria americana de propaganda on-line, avaliada em US$ 26 bilhões.


Sites de relacionamento


Nos primeiros nove meses do ano passado, os gastos com propaganda na internet subiram quase 14%, enquanto a indústria publicitária geral cresceu apenas 6%, segundo dados da PriceWaterhouseCoopers LLP e da Kantar Media, subsidiária da WPP PLC.


O investidor imobiliário londrino Giles Sequeira é uma das pessoas que estão testando esse novo mercado: ele começou recentemente a vender seus dados pessoais. ‘Não tenho paranoia com privacidade’, diz ele. Mas à medida que aprendeu mais sobre o assunto, diz, ficou mais preocupado com a maneira como seus dados estavam sendo usados.


As pessoas ‘não têm ideia de onde isso vai parar’, diz ele.


Assim, em dezembro, Sequeira se tornou um dos primeiros clientes da novata Allow Ltd., sediada em Londres, que se oferece para vender os dados pessoais dos usuários com autorização deles e lhes dá 70% da receita. Sequeira diz que já recebeu um pagamento de 5,56 libras esterlinas (R$ 14,87) por permitir que a Allow informe a uma administradora de cartão de crédito que ele está buscando um novo cartão.


‘Eu não emprestaria meu carro a um estranho’ de graça, diz Sequeira, ‘então por que faria isso com meus dados pessoais?’


No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em janeiro, executivos e acadêmicos se reuniram para discutir como tornar dados pessoais uma ‘classe de ativos’, dando às pessoas o direito de solicitar que terceiros os administrem ou os vendam.


‘Estamos tentando transferir o foco da pura privacidade para o que chamamos de direitos de propriedade’, diz Michele Luzi, diretor da consultoria Bain & Co., que comandou a discussão em Davos.


A Allow, a empresa que pagou Sequeira, é apenas uma entre dezenas de novas firmas que almejam lucrar com o nascente mercado de dados privados. Várias prometem pagar às pessoas uma comissão com a venda de seus dados. Outras oferecem produtos gratuitos que bloqueiam o acompanhamento on-line, na esperança de depois vender aos usuários outros serviços – como endereços de e-mail ou números de telefone descartáveis, que dificultam o monitoramento pessoal. Ainda há as que vendem serviços como o de remoção do seu nome de bancos de dados de marketing.


‘Os empreendedores sentem que há uma oportunidade’, diz Satya Patel, investidor de capital de risco da Battery Ventures, que liderou um grupo de investidores que aplicou US$ 8 milhões em junho numa empresa iniciante chamada SafetyWeb, que ajuda os pais a monitorar as atividades dos filhos em sites de relacionamento social, e está lançando também um novo serviço de proteção da privacidade para adultos chamado myID.com.


Novas iniciativas


No setor de monitoramento on-line, pouco regulamentado, um grande teste da sobrevivência do novo mercado de dados pessoais é se ele vai conseguir calar o coro crescente de críticos que exigem mais fiscalização governamental. Políticos americanos apresentaram este mês no Congresso dois projetos de lei defendendo a privacidade e, em dezembro, o governo do presidente Barack Obama sugeriu a criação de uma ‘carta de direitos’ de privacidade on-line. A FTC, agência americana de defesa do consumidor, quer criar uma lista de bloqueio do monitoramento inspirada no mesmo mecanismo que já bloqueia chamadas de telemarketing.


O setor está se movimentando em várias frentes para reagir às sugestões de maior regulamentação. A Microsoft apoiou semana passada o sistema de bloqueio do monitoramento. A gigante americana do software também pretende incluir uma ferramenta poderosa de proteção contra o monitoramento na próxima versão de seu navegador da internet, o Internet Explorer 9, revertendo decisão anterior de retirar tal recurso.


A própria indústria de publicidade on-line está lançando novos serviços de proteção da privacidade, na esperança de impedir a regulamentação. A maioria permite que os usuários bloqueiem os anúncios personalizados, embora geralmente não impeçam o monitoramento.


O mercado de privacidade já passou por turbulências antes, durante a bolha das empresas pontocom, em 2000, quando o monitoramento on-line estava nascendo. Na época surgiu uma série de empresas de internet voltadas a proteger as pessoas do monitoramento na internet, mas poucas sobreviveram devido à falta de interesse das pessoas.


Até 2008, era tão difícil vender esse tipo de proteção que o empreendedor Rob Shavell diz que evitava usar a palavra quando tentava atrair investidores para sua empresa, a Abine Inc., que bloqueia o monitoramento on-line. Hoje em dia, diz ele, a Abine voltou a citar ‘privacidade’ e já recebeu mais de 30 demonstrações espontâneas de interesse dos investidores nos últimos seis meses.


Em junho, outra empresa, a TRUSTe, captou US$ 12 milhões de capital de risco para expandir seus serviços de proteção da privacidade na internet. Ao mesmo tempo, a Reputation.com Inc. captou US$ 15 milhões e triplicou seus investimentos em novas iniciativas de privacidade, como um serviço que retira o nome das pessoas de banco de dados on-line e uma ferramenta que permite criptografar atualizações do Facebook.


***


Monitoramento on-line atrai capital de risco


Scott Thurm, do The Wall Street Journal # reproduzido do Valor Econômico, 1/3/2011


Os investidores de capital de risco estão despejando dinheiro em empresas de publicidade e de monitoramento on-line, apesar das preocupações do público com violações da privacidade e possíveis restrições governamentais.


Só nos últimos três meses, as firmas de monitoramento Lotame Solutions Inc. e Media6Degrees Inc., bem como a eXelate Media Ltd., a [x + 1] Inc. e a Turn Inc. receberam novos investimentos de firmas de capital de risco proeminentes. Em vários dias em janeiro a Millenial Media e a Tapjoy Inc., que distribuem propaganda para smartphones, informaram ter captado mais de US$ 20 milhões cada.


‘É um mercado gigantesco e está crescendo’, diz Chris Fralic, um sócio-gerente da First Round Capital, considerada uma das firmas de capital de risco que mais investiu em monitoramento de pessoas na internet. ‘Percebemos muita coisa se solidificando nesses espaços.’


A First Round, uma empresa fundada há seis anos que investe principalmente em firmas recém-criadas, já aplicou na 33Across Inc., que analisa perfis em redes de relacionamento social, e na Demdex Inc., que se gaba de contar com um ‘banco de dados comportamentais’ de perfis de usuários.


Empresas iniciantes


Desde 2007, as firmas de capital de risco investiram juntas US$ 4,7 bilhões em 356 empresas de publicidade on-line, segundo a Dow Jones VentureSource, uma firma de pesquisa de mercado da News Corp., dona do Wall Street Journal. O total de aplicações como essas aumentou 29% ano passado, para mais de US$ 1,1 bilhão, embora tenham continuado abaixo do recorde de outros anos. Só a First Round já fez 30 investimentos desde 2007, segundo a VentureSource.


O clima para investimento em firmas de propaganda on-line está ‘superaquecido’, diz Terence Kawaja, banqueiro de investimentos da Luma Partners LLC. O diagrama produzido por ele sobre o setor, que classifica cerca de 250 firmas em 23 nichos, se tornou um guia para investidores. É inevitável que o setor passe por uma sacudida, diz Kawaja. ‘Quando a música para, nem todo mundo tem cadeira.’


O entusiasmo dos investidores de capital de risco ocorre ao mesmo tempo em que crescem as preocupações com a privacidade das pessoas e o governo americano adota os primeiros passos para regulamentar a propaganda na internet.


Os capitalistas de risco dizem que não se sentem desmotivados. ‘Isso não está prejudicando nossa vontade de investir ativamente’ na publicidade on-line, diz Randall Glein, diretor-gerente da DFJ Growth Fund, parte da rede de empresas da Draper Fisher Jurvetson. Os fundos da DFJ já realizaram 29 investimentos em empresas iniciantes de propaganda on-line, menos apenas que a First Round, segundo dados da VentureSource.


Os investidores se dizem atraídos pelo mercado de publicidade na internet, calculado em US$ 26 bilhões por ano, e suas perspectivas de crescimento. Os americanos gastam com a internet hoje em dia 28% do tempo dedicado a meios de comunicação, mas a internet recebe apenas 13% dos gastos com publicidade, segundo Mary Meeker, ex-analista do Morgan Stanley que agora é sócia da firma de capital de risco Kleiner Perkins Caufield & Byers.


Outro fator: as empresas iniciantes de publicidade on-line não demandam muitos recursos, disse Kawaja. ‘Dá para investir US$ 5 milhões e ver se o negócio funciona’, diz ele. ‘Se ela der certo, [a empresa] pode receber mais recursos.’


Fórmulas matemáticas


A maioria das novas empresas que atraem investimentos almeja ligar os operadores de sites a anunciantes que querem faturar com a capacidade da internet de oferecer anúncios personalizados ao usuário. As empresas de publicidade on-line estão concorrendo para encontrar maneiras melhores de identificar usuários de internet com mais probabilidade de reagir a um anúncio.


‘Eles estão tentando encontrar fatias cada vez melhores de dados sobre as pessoas’, disse Nick Sturiale, sócio da Jafco Ventures, que tem evitado o setor. ‘Os anunciantes querem comprar pessoas, (…) não páginas [da web].’


Isso impulsionou uma disputa ferrenha entre as empresas iniciantes por matemáticos que saibam organizar os dados sobre o comportamento on-line das pessoas e usar isso para gerar mais receita. Alguns desses matemáticos trocaram Wall Street pelo mundo da propaganda.


Ari Buchalter, diretor operacional da firma de propaganda digital MediaMath Inc., tem doutorado em astrofísica e já comandou um fundo de hedge que baseava suas aplicações em fórmulas matemáticas. O diretor-presidente da empresa, Joe Zawadzki, já foi banqueiro de investimentos.

******

Do The Wall Street Journal