Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Quando a Justiça é rápida

Ela tem 24 anos, está grávida e foi condenada a quatro anos de prisão, em regime semi-aberto, depois de ter cumprido 53 dias de prisão em 2008. Tinha sido presa em flagrante. O crime de Caroline Pivetta, mais conhecida como Caroline Susto, ou melhor, como ‘a pichadora da Bienal’, foi fazer parte de uma invasão (eram quarenta pessoas) ao prédio da Bienal e rabiscar as paredes nuas do segundo andar do prédio. Além dela, só mais um integrante da ‘quadrilha’ ficou alguns dias preso – exatamente oito. Foi reconhecido ao levar os documentos da amiga na delegacia. Entre o crime e a condenação, um recorde da justiça: o processo todo levou menos de um ano.

A notícia estava na Folha de S.Paulo (26/09/2009):

‘Caroline Pivetta, que participou, no ano passado, de uma invasão do pavilhão da Bienal, no parque Ibirapuera, e pichou paredes e vidros no primeiro dia de visitação da 28ª Bienal de São Paulo, foi condenada ontem a quatro anos de prisão, em regime semi-aberto, por formação de quadrilha e destruição de bem protegido por lei. O advogado Augusto de Arruda Botelho, que defende Caroline, afirma que vai recorrer. `Com todo o respeito que temos pela Justiça, a sentença tem defeitos técnicos e fáticos´, disse ele. A jovem não vai ficar presa, já que a Justiça permitiu que recorresse em liberdade. Botelho diz que a jovem sempre admitiu que pichou os espaços da Bienal e que a pena para esse crime é de até seis meses de prisão. No entanto, ela foi condenada a dois anos por destruição de bem, sendo que nenhum bem foi destruído, sustenta o advogado. Os outros dois anos da condenação se referem ao crime de formação de quadrilha. Mas a acusação era contra ela e outro colega. E não existe quadrilha de duas pessoas.’

Grafite e pichação

Ainda segundo a Folha, ‘a detenção causou polêmica. Várias personalidades se manifestaram contrariamente à medida, como o diretor teatral José Celso Martinez Correa e o ator Ivam Cabral, dizendo que ela era um atentado à liberdade de expressão. Os ministros Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, e Juca Ferreira, da Cultura, deram declarações defendendo a libertação da jovem. Vannuchi comparou o caso da pichadora com o do banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, que, na opinião dele, `ficou preso muito menos tempo e por irregularidades muito maiores [Dantas, condenado por tentar subornar uma autoridade policial, passou um dia na prisão].´ Juca Ferreira chegou a pedir a intervenção do governador José Serra (PSDB-SP) no caso’.

A condenação da pichadora tem sido tratada corretamente pela imprensa, que falou com a moça, entrevistou sua mãe, ouviu autoridades e reproduziu novas pichações, dos colegas de Caroline, protestando contra a prisão. Mas a imprensa está perdendo uma grande oportunidade. Os leitores merecem saber por que essa moça – se eram quarenta pichadores – foi a única presa, a única condenada e ainda por cima a uma pena de quatro anos.

O tema poderia ser explorado sob vários ângulos, em pequenas ou grandes matérias: qual a diferença, do ponto de vista da arte, do grafite e da pichação? O pichador é apenas um grafiteiro sem talento? A mensagem do pichador é mais política do que artística? A resposta poderia vir de artistas, autoridades e dos próprios autores.

Um primeiro passo

O que leva os jovens a se unirem em grupos e sair por aí rabiscando tudo que vêem pela frente? Psicólogos e educadores poderiam tentar explicar que impulso é esse, se esses jovens, que andam pelas ruas em bandos, representam algum perigo à sociedade além de deixarem o visual das cidades poluído e feio.

O que faz com que a Justiça, em geral lenta e burocrática, vá da prisão em flagrante ao julgamento em menos de um ano, quando processos por crimes realmente dignos desse nome (estupros, assassinatos de mulheres, desvio de dinheiro público etc.) levam anos em disputas judiciais e seus autores se valem de hábeas corpus que os livram da cadeia, mesmo depois de condenados?

Se a opção for por uma matéria de curiosidades e números, os jornais poderiam dizer aos leitores quem, no Brasil, foi condenado a quatro anos de prisão e cumpriu a pena.

Noticiar a condenação da menina foi o primeiro passo. Vamos esperar que os jornais não deixem o assunto morrer. Com toda a certeza, os blogs, Facebook e twitters de pichadores e jovens em geral vão continuar discutindo o caso Caroline. Se essas ‘tribos’ não são exatamente o público dos jornais, estes podem, ao menos, se inspirar nelas para ver o que fascina os leitores. E com isso enriquecer sua pauta diária.

******

Jornalista