Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Quando a mídia fala dos negros

Uma vez por ano, em 20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra –, a mídia brasileira abre espaço para a questão do racismo. Fala-se das solenidades comemorativas – em geral com a presença do presidente da República, governadores de estados e prefeitos (a maioria de brancos, aliás). Os líderes de ONGs que discutem os direitos da minorias ganham espaço para protestar. Se houver, estudos sobre o assunto são divulgados. E, como prova de que não somos um país racista, até algumas lojas aproveitam para fazer anúncios usando modelos negros, que só merecem capa na Raça Negra, a primeira revista dirigida aos 47% dos brasileiros que se declararam negros ou pardos no Censo de 2000. Nos outros 364 dias do ano, a mídia se reserva o direito de mostrar que não tem preconceitos, falando constantemente das grandes figuras da comunidade de afro-descendentes: os jogadores de futebol, os cantores e os artistas de TV.

Cada vez que um Ronaldinho marca um gol, faz um casamento principesco na França ou renova um contrato de milhões com seu patrocinador, a imprensa e a TV divulgam o assunto em grandes manchetes, como se estivesse deixando claro que o sucesso só depende de talento.

Um mito

Claro que deve dar mais ibope e mais leitura falar de casos de sucesso. Prova disso é que, mesmo na semana em que o assunto deveria ser a Consciência Negra, apenas um jornal (Folha de S.Paulo) e uma revista (IstoÉ) reservaram espaço para a triste realidade mostrada no relatório da ONU.

O relatório conclui que a democracia racial no Brasil é um mito, ao mostrar que:

** 2,5% dos negros estão no ensino superior, ante 11,7% dos brancos

** A mortalidade infantil, em cada mil nascidos vivos, é de 30,75 entre os negros e de 22,93 entre os brancos.

** A porcentagem de homens negros com curso superior completo em 2000 era menor do que a dos homens brancos em 1960.

** A esperança de vida dos negros, também em 2000, era semelhante à que os brancos já tinham em 1991.

** Entre as 500 maiores empresas do país, 23,4% dos profissionais nos cargos mais baixos são negros. Já nos postos mais altos, de executivos, o índice cai para 1,8%.

** A proporção de negros que vivem em favelas e palafitas é quase o dobro da dos brancos.

** A taxa de homicídios para negros, em metade dos Estados pesquisados, é mais que o dobro da verificada para os brancos. Em alguns locais, chega a ser seis vezes maior.

** Ao longo das duas últimas décadas do século 20, a renda per capita dos negros representou apenas 40% da dos brancos. Os brancos em 1980 já tinham uma renda 110% maior do que a dos negros viriam a ter em 2000.’ (IstoÉ, 20/11)

A omissão da mídia, que deixa passar a chance de discutir a fundo a questão do negro no Brasil, nos leva a questionar se é um caso de preconceito ou apenas mais um caso de falta de sensibilidade. Ou pauteiros e editores acreditam que basta falar de casos folclóricos para cumprir sua missão de formar e informar? Se é isso, devem acreditar que a notícia sobre Ouro Preto – divulgada em todos os jornais e emissoras de TV – é suficiente: ‘Considerada racista e motivo de constrangimento para os moradores, a bandeira da cidade histórica de Ouro Preto (89 km ao sul de Belo Horizonte) ganhou ontem um novo texto. A frase em latim ‘proetiosum tamen nigrum’ (precioso ainda que negro), referência ao ouro coberto por óxido de ferro encontrado na região, foi substituída por ‘proetiosum aurum nigrum’ (precioso ouro negro). (Folha de S.Paulo, 18/11)

Nem as mulheres

O que a mídia não diz é que o fato de mudar uma bandeira pode até ter um belo significado, mas fica nisso. Em vez de se preocupar com o uso de termos politicamente corretos como afro-descendentes, seria melhor dar espaço para discutir a dimensão social do problema que, como diz José Carlos Libânio, do Pnud, um dos principais colaboradores do relatório: ‘Se for mantida a velocidade em que está hoje, demorará 500 anos para haver um equilíbrio’. (Folha, 18/11)

Na conclusão de seu relatório, José Carlos Libânio diz mais: ‘Para atingir a igualdade, é preciso tratar desigualmente quem está em situação desigual.’

Esse tratamento deveria começar na imprensa, em que pobres e negros só ganham destaque quando cometem um crime, morrem na fila do SUS ou ganham na loteria. Nem as mulheres – tema habitual destes artigos – são tão desprezadas pela mídia.

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Jornalista