A Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Osasco revogou a licença que permitia a participação da pequena Maísa Silva, com recém-completos sete anos, no quadro ‘Pergunte pra Maísa’, do Programa Silvio Santos. Há dois domingos consecutivos, Maísa gritou e chorou ao vivo durante o quadro do programa. No primeiro domingo, enquanto Silvio Santos driblava o choro da menina como se nada estivesse acontecendo, a platéia apenas repetia em coro o que o amestrador mandava.
Assim, em uníssono, gritavam ‘Medrosa! Medrosa!’, devido à reação da menina ao ver um garotinho de cara pintada presente no palco. E riam, mas como riam. Um riso desesperado, descontrolado, de uma realidade desbotada pela piada maldosa e barata encenada por Silvio Santos e legitimada pela platéia. Não bastasse o ocorrido nesse dia, no domingo seguinte o apresentador classificou como vexame a atitude de Maísa e atribuiu seu ‘mau’ comportamento a uma criancinha de um mês de idade. Ora, mesmo que não tenha um mês de idade, Maísa, ainda assim, é uma criança. E de apenas sete anos. Resultado: a menina sai chorando, bate a cabeça em uma das câmeras do programa, grita pela mãe e é, ainda, mandada de volta ao palco por duas vezes com o incentivo da própria mãe.
Fantasia e realidade
Não vou me estender sobre o comportamento dos pais da garota, sobretudo da mãe, que estava presente nas duas ocasiões. Tampouco sobre a demora da Justiça brasileira em reagir às constantes – pois não são de agora – explorações a que a menina estava exposta. Isso porque Maísa não tem idade suficiente para saber o que toda essa exposição significa, nem ao menos, as conseqüências dos diálogos, aparentemente engraçadinhos e inocentes, que travava ao vivo com o ícone midiático Silvio Santos.
O que me interessa nesse fato é tentar desvendar e compreender em que medida a comunicação, entendida enquanto um processo informacional, se constitui em ambiente fértil para o desenvolvimento e consolidação da chamada midiatização. Por midiatização, entende-se a articulação das tradicionais instituições e das relações humanas com a mídia, em velocidade ascendente devido às novas tecnologias de comunicação, pautada na valorização da forma em detrimento ao conteúdo. As múltiplas formas de visibilidade que temos hoje, com a ampliação das tecnologias de comunicação, como YouTube, Orkut, Twitter ou Facebook, permitem que o próprio indivíduo se torne realidade midiática. Tais ferramentas operam no sentido de valorizar a performance imagética: o que importa é aparecer, pois a imagem pública e a aparência são os elementos que atribuem valor ao indivíduo. A turma do CQC evidenciou bem a questão, em tom de humor, ao chamar Maísa de menina-robô, isto é, alguém com funcionamento programado e artificial.
Maísa é parte de uma geração que vem se formando de maneira muito familiarizada com o excesso de visibilidade. Hoje, vida privada e pública misturam-se sem grandes constrangimentos, o presente liga-se ao novo e à novidade, como se tudo que não é ‘aqui e agora’ perdesse a importância. No jogo complexo do tornar-se visível, travestido de novas formas de comunicação, ganham as indústrias do entretenimento e transforma-se a relação do indivíduo com referências concretas, ou seja, com o conceito de realidade propriamente dito. Diante desse quadro que se desenha, nos resta saber como impor limites no momento em que a brincadeira perde a graça.
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Jornalista, Bauru, SP