10 de dezembro é o dia mundial dos Direitos Humanos. Entretanto, nós, brasileiros(as), temos pouco o que festejar, pois ainda vivemos uma triste realidade em relação aos direitos civis mais básicos – dentre todas as violações, o direito à vida é o que mais se sobressai. Nossa sociedade é marcada pelas desigualdades e por atos violentos e racistas. Particularmente chamo atenção para as reportagens exibidas pela Rede Itapoan, afiliada da Record, que constantemente legitimam a violação desses direitos pelas forças de segurança do Estado da Bahia. Em reportagem que abordava a operação no centro da cidade de Salvador, exibida na quarta-feira (8/12) no programa Se Liga Bocão, policiais do 18ª batalhão da Polícia Militar invadiram uma residência, após uma suposta denúncia de o local ter sido invadido por três homens armados.
No interior da residência, três homens e uma mulher foram acusados de tráficos de drogas, sendo obrigados a se deitarem no chão com as mãos na cabeça; alguns chegaram a ser pisados pelos policiais. É imperativo direcionar especial atenção à forma que os policiais e os repórteres violam a segurança, a intimidade, a honra e a imagem das pessoas, submetendo-as a constrangimentos e a tratamentos desumanos, mesmo depois de afirmarem morar no local e que eram apenas usuários. Alguns pediram ‘por favor’ para não terem seus rostos filmados. No entanto, o desrespeito falava mais alto.
Ainda que sutil e implícito, ou em menor grau, o que quero destacar é a existência do preconceito étnico nessa ‘batida’ policial. Fica claro o abuso de poder e a falta de planejamento e veracidade nas informações apresentadas para justificar a busca no interior da residência. É sempre bom lembrar que estabelecer exceções, invariavelmente, nos conduz ao abuso, particularmente quando o Estado é o único – e o exclusivo – protagonista no campo da segurança.
Denúncia não procedia
Diariamente, o programa Se Liga Bocão nos bombardeia com imagens de cadáveres, sentenciamento ilegal, exposição de crianças e adolescentes em situações constrangedoras, em especial no interior das delegacias e hospitais. Jovens negros, do sexo masculino, são as principais vítimas de tratamento desrespeitoso e inadequado ofertados pelos jornalistas e pelo apresentador, que encarnam personagens construídos para prender atenção dos telespectadores. A polícia, que deveria garantir a integridade física das pessoas, acaba por propagar o medo e a desconfiança dos moradores de bairros populares de Salvador. O que se pode concluir dessas imagens é que a seletividade da suspeita é uma combinação explosiva de estereótipos, violência simbólica, às vezes violência física, e racismo, que só faz aumentar o abismo entre polícia e sociedade.
Para a lei, a casa é o lugar que a pessoa mora, incluindo a laje, a varanda etc., sendo asilo inviolável. Ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia, com autorização do (a) morador (a), ou com o mandado de busca e apreensão. Este documento é emitido pelo juiz, e deve ser mostrado pelos(as) policiais antes de entrarem na casa e só é válido se estiver completo. Assim, os(as) policiais podem revistar a casa a qualquer momento, desde que com a presença de um morador. Em hipótese alguma o(a) policial pode intimidar para conseguir a autorização.
Neste caso em particular, a denúncia da invasão dos bandidos armados não procedia, não havia armas no local, a quantidade de drogas encontrada não dava para qualificar o local como ponto de tráfico e as provas coletadas não eram suficientes para condenação dos acusados. No entanto, todos foram presos.
Uso ilegal e arbitrário do poder
Na teoria, todos nascem livres e iguais em direitos e dignidade. No senso comum e em espaços formadores de opinião – em especial, a televisão –, prevalece a concepção do Brasil ser um Estado democrático de direito. A Constituição Federal de 1988 assegura, dentre outras garantias, que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante (artigo 5º, inciso III).
Entretanto, verifica-se que o Estado ainda não aplica e não dá mostra de querer aplicar, efetivamente, os princípios fundamentais e garantias, notadamente os direitos dos presos que são torturados, frequentemente, pelos policiais no momento da prisão, durante e depois para obter informação ou confissão dos crimes. O caso dos garotos que foram torturados dentro da delegacia de Sidrolândia, em Mato Grosso do Sul, e dos presos da cadeia pública do Complexo Penitenciário de Salvador, em Mata Escura, vêm demonstrar exatamente isso.
Logo, conclui-se que, a segurança pública não é a segurança de todos. Em muitos países na América Latina, as relações entre governos e sociedade têm sido caracterizadas pelo uso ilegal e arbitrário do poder. Pensar na segurança pública é pensá-la na ótica do penal; isso significa infligir um sofrimento a determinados grupos da sociedade que serão punidos com toda eficácia.
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Jornalista e aluno especial do curso de Mestrado pelo Programa Multidisciplinar em Estudos Afro e Orientais da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Salvador, BA