Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Razões obscuras para o fim do programa

O Portal Imprensa, em 30/7/2008, às 18h46, estampava: ‘O jornalismo deve ajudar a construir o público da TV Brasil’. A chamada arrematava com ‘diz Aziz Filho, gerente de jornalismo [recém-empossado no cargo] da EBC [Empresa Brasileira de Comunicação]’. Até aí, nada a registrar. Uns saem; outros entram. A questão, porém, estava no fato de que a matéria prenunciava algo que, no dia seguinte, o telespectador (aquele que garimpa, na televisão brasileira, o que não lhe seja enfadonho ou insuportável) ficaria ciente: a eliminação do programa Espaço Público da grade de programação da TV Brasil. Fiquei pasmo. Como? Em nome de quê?

Um dos raros momentos nos quais a marca era o compromisso com a crítica, com a análise, independentemente de concordância ou discordância com certas avaliações, pode, simplesmente, ser varrido da programação? O que, exatamente, interessava no programa era a possibilidade de o receptor envolver-se com o jogo da reflexão, contra ou a favor. Pois esse formato de programa, entre tantos outros inúteis, transmitidos pela emissora, foi o escolhido para o banimento. Estranho, não é?

Um primor de falácia

Aqui, neste Observatório, em ocasiões anteriores, já havia mencionado o dado ‘esquisito’ no tocante ao horário no qual o Espaço Público entrava no ar – início da madrugada. Agora, então, que dizer? Mas ainda estupefato, como telespectador assíduo do programa, e, modestamente, no âmbito acadêmico, atuante no campo da Comunicação, tentei encontrar razões para o fato. Nada me ocorreu. Contudo, mais estarrecido fiquei ao ler no portal da própria emissora: ‘TV Brasil reformula sua programação’. Nesta, o texto iniciava assim:

‘A última edição do Espaço Público vai ao ar no dia 31 de julho. De acordo com a Diretoria de Jornalismo da TV Brasil, o fim do programa se deve à estratégia da emissora de buscar uma perspectiva nacional nas atrações de debate e reflexão [grifo nosso]. Criado pela antiga TVE Brasil, o Espaço Público discute questões relevantes do país a partir do Rio de Janeiro. A busca por maior diversidade nacional também orientou a decisão de extinguir o Diálogo Brasil, exibido às 22h de quarta-feira e com debatedores em Brasília.’

Confesso que, ao haver lido, reli. Custava-me a crer que um profissional de comunicação houvesse exposto tal razão para a extinção de um programa com o perfil do Espaço Público. No entanto, a frase estava lá: ‘(…), o Espaço Público discute questões relevantes do país a partir do Rio de Janeiro’. O argumento é um primor de falácia.

Reflexão e debate

Desde a época em que o nome do programa era outro, posso assegurar que os temas selecionados eram justamente aqueles de ressonância nacional, afora inúmeros assuntos de repercussão internacional. Por questões operacionais (programa diário) e de custos, os participantes eram do Rio de Janeiro, a exemplo do que ocorre com outro programa da mesma emissora, Sem Censura, ou mesmo o programa Comentário Geral, do qual, em algumas ocasiões, a convite da produção, participei – como também, na antiga TVE, estive no programa Cadernos de Cinema.

Os temas debatidos no programa Espaço Público eram rigorosamente de interesse nacional. Não há como negar a evidência do que está registrado ao longo de mais de mil programas. Não quero supor que a extinção tenha motivações políticas. Contudo, acredito que aí resida a razão maior. Havia, sem dúvida, no programa extinto, uma predileção por temas políticos, ou seja, o que era a grande virtude de algo cujo título era Espaço Público. O que não compreendo é por que um programa que trata de novo CD, cura de dor de cabeça, eliminação de calos e outras ‘importantes’ orientações deva ostentar o título de Sem Censura.

Ora, com pautas como as mencionadas, nem durante a ditadura haveria o que censurar. O que dizer, portanto, em plena democracia? No entanto, para a emissora, por conta da audiência, é um grande programa, conforme atesta o texto oficial:

‘O segmento de reflexão e debate continua sendo prioridade da TV Brasil, que tem uma de suas maiores audiências no programa Sem Censura, apresentado por Leda Nagle nas tardes de segunda a sexta-feira.’

Opção pelo silêncio

Não se trata, aqui, de execrar o programa Sem Censura. Agora, querer justificar o término de um e enaltecer o que permanece é fazer pouco caso da inteligência alheia. Quem conhece os dois programas sabe quanto um se distancia de outro. O que mais resta é o reconhecimento do que, na história da televisão brasileira, se mostra recorrente, seja na rede comercial, seja na rede pública: programação de TV não é para cérebro, e sim para tronco e membros. Trata-se, pois, de uma lamentável decisão, tanto quanto suspeita. À fartura, na TV brasileira há uma grande plantação de abobrinhas, agora com o tempero especial: qualidade digital. Sirvam-se da salada todos que dela se nutrem.

Por fim, até o término do presente artigo (noite de domingo, 3/8), não encontrei nada em jornais, mesmo em colunas de televisão, que abordasse a decisão da emissora. Ao contrário, na internet, abundaram protestos, dentre os quais este endereço. Na última vez em que o acessei constavam 1.173 assinaturas, afora comunidades no Orkut. A grande imprensa, porém, optou pelo silêncio. Por que será?

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Ensaísta, articulista, doutor em Teoria Literária pela UFRJ, professor titular de Linguagem Impressa e Audiovisual da FACHA (RJ)