Continua com toda a força a temporada de criminalização do governo da Venezuela. Os parlamentares agrupados em torno do ex-PFL lançaram uma nota criticando Lula por ter dado apoio a Chávez no episódio em que o rei da Espanha mandou o presidente da Venezuela se calar. Os Democratas, na palavra de Rodrigo Maia, consideraram a declaração de Lula em apoio a Chávez como ‘a mais grave ameaça à democracia brasileira’.
Na área do PSDB, um obscuro senador, de nome Flexa Ribeiro, pediu a aprovação de uma moção de aplauso pela atitude do rei Juan Carlos na Cúpula Ibero-Americana. O senador Heráclito Fortes, Democratas-PI, presidente da Comissão de Relações Exteriores daquela Casa, pretende colocar a moção em votação imediatamente. Ele apóia a moção apresentada pelo senador do Pará, o Estado onde durante o governo de Almir Gabriel, do PSDB, os trabalhadores rurais sofreram o diabo com a repressão desencadeada sob responsabilidade do tucano, a exemplo do episódio do massacre de Eldorado dos Carajás.
Já os parlamentares que não entraram na onda ou fizeram declarações exatamente contrárias ao que disseram os setores conservadores não tiveram espaço para serem editados. Neste caso, a absoluta maioria dos jornais, canais de televisão e rádios brasileiras preferiu não dar vez ao contraditório.
Questões omitidas
Na mídia, a prioridade é oferecer todo o espaço aos políticos que não raramente baseiam seus comentários em leituras de analistas que também embarcaram na temporada de linchamento do presidente Hugo Chávez. Na verdade, forma-se um ciclo vicioso. Os analistas criticam um dos quase 60 pontos da Reforma Constitucional que vai ser votada em plebiscito no próximo dia 2 de dezembro, exatamente o que prevê a reeleição do presidente por tempo indeterminado, para em seguida o parlamentar fazer a crítica.
Estes analistas se esquecem de dizer que nos países considerados democráticos, como a França, por exemplo, o presidente pode se eleger indefinidamente. Nicolas Sarkozy, se quiser e se continuar ganhando a confiança dos franceses, poderá se candidatar quantas vezes quiser. Mas, para estes analistas e os parlamentares seus seguidores, com Chávez o negócio é outro. Partem do princípio que ele será presidente ad infinitum, esquecendo também que terá de ser submetido à consulta popular, da mesma forma que Sarkozy. Omitem também a informação que a Constituição da Venezuela prevê que se for conseguido um número determinado de assinatura de cidadãos, pode ser realizado um referendo para que o povo diga se deseja ou não a continuidade do eleito, inclusive o presidente da República, como aconteceu em agosto de 2004. Na ocasião, a oposição obteve a firma de mais de um milhão de cidadãos, alcançando então o número necessário para a realização da consulta popular. Chávez obteve a aprovação de mais de 60% dos eleitores, numa eleição fiscalizada por observadores internacionais, inclusive o ex-presidente Jimmy Carter, que atestou a total lisura do pleito.
Outras questões da Reforma Constitucional, como a da não-autonomia do Banco Central, a jornada de trabalho de 36 horas semanais, a proibição legal do latifúndio, por exemplo, são praticamente omitidas dos comentários, seja dos políticos ou dos analistas da grande mídia.
Ditadura do pensamento único
A mídia conservadora, como afirma Ignacio Ramonet, editor do Monde Diplomatique, na prática se transformou em ‘aparelho ideológico da globalização’. Segundo Ramonet, qualquer outro modelo que coloque em questão as supostas benesses do mundo globalizado é automaticamente contestado, quando não silenciado, não encontrando espaço na mídia – a crítica é acusada de se opor à liberdade de imprensa.
Os políticos descobriram o filão para ocupar alguns minutos de fama e a mídia incentiva: demonizar Chávez e alertar para o ‘perigo bolivariano’. Muitos parlamentares passariam quatro ou oito anos em um total obscurantismo, não fosse o antichavismo jornalístico militante, que lhes garante espaço.
Querem outros exemplos de como funciona o mecanismo? Um membro da família Picciani, acusado de manter trabalho escravo em suas propriedades, o deputado Leonardo Picciani, apareceu nestes espaços, exatamente por desancar Chávez. E, das cinzas, tal qual um fênix, surge Paulo Maluf, por ter se tornado o relator, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, do parecer daquela Casa sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Aproveitando o embalo, independente do que venha a apresentar em seu relatório, talvez favorável ao ingresso, mas com ressalvas, Maluf também deu seu pitaco contra Chávez e ganhou espaço favorável na mídia. Não será de estranhar se durante muito tempo deixar de aparecer como bandido político, como vinha acontecendo até bem pouco tempo nas maiores mídias nacionais. O senador José Sarney, que controla a mídia do Maranhão, apesar de representar o estado do Amapá, não ficou atrás nas críticas a Chávez, tendo até, por coincidência ou não, recebido a visita em seu gabinete do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Clifford M. Sobel.
Em suma, Paulo Maluf, Leonardo Picianni, José Sarney, Roberto Freire, Raul Jungmann, Heráclito Fortes, Flexa Ribeiro, Rodrigo Maia, Paulo Bornhausen e uma quantidade ainda maior de parlamentares descobriram a fórmula para aparecer. Até o próximo dia 2 de dezembro, e ainda depois de conhecidos os resultados do plebiscito venezuelano, a onda anti-Chávez tende a crescer como uma bola de neve. Quem viver verá.
A cobertura midiática dos acontecimentos na Venezuela serve de exemplo democrático ou de ditadura do pensamento único?
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Jornalista