A partir da Constituição Federal 1988 é garantido às comunidades remanescentes de quilombos o direito à terra por elas ocupadas. A disposição está presente no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias em seu artigo 68: ‘Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos’.
Mesmo com a garantia constitucional, a regulamentação definitiva veio somente em 2003 com o Decreto 4887, que em seu artigo 2º define o conceito de remanescente: ‘Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida’.
O procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos é regulamentado pela Instrução Normativa nº 20 de 2003 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo Rafael Sânzio, do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica (CIGA) da Universidade de Brasília, o número de comunidades mapeadas é de 2.842 (Jornal do Brasil, 8/8/2006). Este número pode ser muito maior, visto que, a cada dia, aumenta o número de comunidades que requer seu reconhecimento na Fundação Cultural Palmares.
A maior parte das comunidades quilombolas enfrenta sérios conflitos e estes, em sua grande maioria, não têm qualquer repercussão nos grandes meios de comunicação. Tomemos por exemplo três destas comunidades. A primeira delas, a comunidade da Ilha da Marambaia, no município de Mangaratiba, no Estado do Rio. A comunidade de Marambaia é formada por 161 famílias. As terras ocupadas há mais de um século e reivindicadas por estas famílias são objeto de disputa com a Marinha do Brasil, que mantém na Ilha, desde o início da década de 1970, um centro de treinamento.
Invasão da Aracruz
Desde a instalação do Centro, a comunidade tem seus direitos violentados, como ir e vir, educação e transporte. O relatório técnico de identificação da comunidade produzido pelo Incra em parceria com a organização não-governamental Koinonia foi publicado no dia 14 de agosto no Diário Oficial e ‘despublicado’ no dia 15 por ordem da Casa Civil (Agência Carta Maior,18/8/2006), emperrando o processo de titulação das terras.
Outro caso paradigmático do desrespeito às comunidades quilombolas é o Centro de Lançamento de Alcântara no Maranhão. Este centro da Aeronáutica está localizado dentro da área secularmente ocupada pelas comunidades quilombolas, sendo que estas comunidades, além de terem suas terras invadidas, vêm sofrendo com a ação da Aeronáutica em suas terras, identificadas como de remanescentes em laudo antropológico do professor Alfredo Wagner, do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O terceiro caso exemplar de descaso com as comunidades remanescentes é a situação enfrentada pelos quilombolas da região conhecida como Sapê do Norte, no norte do Espírito Santo. Estas comunidades ocupam a área desde o século 19 e a partir da década de 70 tiveram suas terras ocupadas, em sua grande maioria de maneira irregular, principalmente pela empresa transnacional Aracruz Celulose S.A.
Sugestão de pauta
Além de ocupar as terras da comunidade, poluir as terras e rios utilizados para subsistência, estas empresas têm agido no sentido de intimidar as comunidades, para isso contam com o apoio de empresas particulares de segurança. Parte do território de Sapê do Norte já foi identificado como sendo de remanescentes por meio de laudos realizados pelo Incra em parceria como a Universidade Federal do Espírito Santo.
As arbitrariedades, esboçadas de maneira breve e superficial neste pequeno texto, constitui a rotina da maioria das comunidades de remanescentes. Estes desrespeitos não têm a atenção devida dos meios de comunicação. Em muitos dos casos, os agressores são grandes anunciantes e muitos veículos não publicam coisas que desagradem a seus financiadores.
Ressaltamos, no entanto a existência de honrosas exceções. Para aqueles que se interessarem pelo tema aqui discutido, recomendo o seguintes endereços eletrônicos: www.cedefes.org.br, www.kiononia.org.br/oq e www.seculodiario.com.br. Para quem se interessar pela parte jurídica da questão aqui tratada, recomendo, como forma de introdução, o artigo ‘O direito de propriedade das terras ocupadas pelas comunidades descendentes de quilombos‘, de Alcides Moreira da Gama.
Estou convencido de que estes atentados contra direitos elementares destas comunidades deveriam constituir pautas constantes para jornais e emissoras de TV. Então é isto: uma sugestão de pauta.
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Antropólogo, 23 anos, ativista do EnegreSer (Coletivo Negro no Distrito Federal e Entorno), estágiário da 6ª Câmara do Ministério Público Federal (Índios e minoria)
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