Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Reportagens constatam despreparo das redes de ensino

A cobertura educacional na última semana de fevereiro (22 a 28) foi marcada por notícias que registram dificuldades encontradas por estudantes e professores para iniciar o ano letivo. A Notícia (SC, 25 e 26/2) e A Gazeta (MT, 26/2) destacaram a precariedade das condições físicas de prédios, que obrigaram a improvisos inusitados, como aulas em corredores, embaixo de árvores ou o adiamento do retorno por tempo indeterminado.

Outro tema preocupante é a falta de vagas para atender estudantes do ensino fundamental, conforme noticiaram a Gazeta do Povo (PR, 23/2) e o Diário de Natal (RN, 23/2). Vale destacar que no ano passado o Ação na Mídia identificou conjunto de reportagens similar, o que indica uma tendência que contradiz as informações oficiais, atualmente senso comum, sobre a universalização do acesso à educação na faixa dos 7 aos 14 anos.

A situação, identificada por alguns jornais, merece investigação em todos os municípios. Os conselhos tutelares são importantes fontes de informação para a produção de reportagens sobre o tema, assim como é preciso perguntar aos gestores das diferentes redes de ensino sobre a orientação para o registro de demanda (quando mães e pais procuram a escola para matricular as crianças e não há vagas, onde e como é registrada a solicitação?), e conferir se a versão oficial se confirma nas unidades escolares. As razões para a falta de vagas também não foram abordadas nas reportagens – escolas foram fechadas? Número de turnos reduzidos sem a ampliação do número de salas? São algumas das perguntas que os gestores têm a obrigação de responder.

Quais as medidas cabíveis

A falta de preparo das redes de ensino de São Paulo – estadual e da capital – para receber as crianças de seis anos no ensino fundamental pautou a Folha de S.Paulo em (26/2). O jornal acerta em visitar escolas e mostrar as dificuldades cotidianas, enfrentadas por estudantes e professoras, assim como em estimular os gestores a explicarem as medidas para superar a situação e trazer reflexões de pesquisadores sobre o direito da infância e as opções pedagógicas. Mas se equivoca ao explicar o contexto.

Embora a lei que estabelece a matrícula aos 6 anos seja de 2005, esta apenas cumpre determinação do Plano Nacional de Educação, de 2000, e está no contexto da ampliação do ensino fundamental de 8 para 9 anos, determinado no PNE. Também é equivocada a abordagem que a medida, atribuída ao MEC, se destina a colocar as crianças pobres na escola. Não é nem uma coisa, nem outra. O MEC apenas cumpriu o estabelecido no PNE – nada além de sua obrigação –, e trata-se de uma política universal – não é uma ação afirmativa, ou compensatória, ou ainda um programa de inclusão social. Aliás, seria interessante verificar se e como as redes privadas de ensino estão cumprindo a lei.

As três situações registradas pelos jornais evidenciam falhas na gestão da educação e seria muito importante que as reportagens tomassem o sistema de justiça como fonte para informar quais as medidas cabíveis para a responsabilização administrativa e judicial dos governantes. Afinal, ninguém pode alegar surpresa ou falta de tempo para planejar o início de um ano letivo.

Audiência no STF discute cotas

Folha de S.Paulo (26/2) e O Globo (27/2) noticiaram os resultados do desempenho dos estudantes paulistas no exame criado pela Secretaria Estadual de Educação. A Folha acertou em repercutir os resultados, interpretados pelos gestores como validação de sua política de remuneração por bônus e adoção de apostilas, com pesquisadores do campo. A informação sobre a mudança na metodologia para computar os resultados, agora considerando suficiente o que era insuficiente no ano passado, ajudou a entender os resultados. A lamentar que outros veículos tenham simplesmente reproduzido as informações produzidas pela assessoria de imprensa da SEE/SP.

A audiência pública promovida pelo STF nos dias 3, 4 e 5 de março para ouvir argumentos contrários e favoráveis à adoção de cotas para o ingresso de pessoas negras nas universidades teve pouco destaque nos jornais. Correio Braziliense (26/2), O Globo (26 e 27/2) e Jornal de Brasília (28/2) trataram do tema em pequenas notas. Também, editorial de O Globo, comentando o evento em tom alarmista, argumentou que o ingresso de estudantes por meio de cotas coloca em risco a qualidade das instituições de ensino, quando pesquisas que provam justamente o contrário são bastante conhecidas.

No total, 38 pessoas foram chamadas a se pronunciar no STF para instruir seus membros, que devem julgar a ação de inconstitucionalidade proposta pelo DEM. Divulgar os diferentes argumentos apresentados na audiência é uma importante pauta para a próxima semana para estimular a sociedade em geral a se envolver com a temática. Leia mais sobre a audiência pública do STF em www.acaoeducativa.org.

Tolerância zero

‘Professores de castigo’ foi o título da polêmica reportagem publicada pela revista Época (22/2) abordando medidas adotadas pela prefeitura de Nova York para afastar das salas de aula professores que não correspondem às expectativas das direções. A reportagem conta em detalhes, e com entusiasmo, que os professores afastados, sem direito à defesa inicial, aguardam a decisão sobre sua permanência na carreira ‘de castigo’: ‘passam os dias de trabalho confinados em salas vazias, dentro de complexos chamados de Centro de Recolocação Temporária’, onde são vigiados por seguranças; não podem ler, falar ao telefone ou usar computador.

A repórter Camila Guimarães poderia ter apresentado pelo menos uma fonte qualificada para comentar a medida, inclusive do ponto de vista ético, ao invés de se ocupar tanto com os custos da ação.

O texto tenta justificar a ação do prefeito com frases de pesquisadoras de instituições privadas brasileiras que afirmam haver conflito entre os direitos da carreira docente e o direito de aprender das crianças e que os professores não admitem precisar de ajuda. As fontes e as frases são as mesmas utilizadas nas reportagens que defendem a remuneração por bônus, implementada pela SEE/SP e citada na matéria como uma versão ‘mais suave’ que as salas de castigo, pois ao invés de punir os maus, premia os bons. Bastante infeliz a comparação; ainda que não existam dados que comprovem a eficácia da política de bônus adotada em São Paulo, felizmente ela não tem nada em comum com uma ação que se aproxima do campo da segurança pública, uma quase medida de privação de liberdade.

A produção de reportagens pautadas em experiências internacionais exige, além de bom senso, consulta a fontes que possam contribuir com informações e análises baseadas em pesquisas e dados consistentes. Confira aqui o Banco de Fontes sobre ofício docente.

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Da equipe do Observatório da Educação da Ação Educativa