Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Retrato incompleto da mulher brasileira

Preguiça, falta de agilidade ou descaso pela situação da mulher? Uma dessas deve ser a explicação para o fato de a imprensa ter falado tanto e dito tão pouco sobre a situação da mulher brasileira divulgada pela Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD) de 2006.

Por intermédio da imprensa escrita ficamos sabendo que:

** Quanto menor a renda da região metropolitana investigada, maior o número de lares chefiados por mulheres. No Rio de Janeiro, dos lares chefiados por mulheres, em 17,7% elas eram casadas, em 2006. Em Fortaleza, chegava a 30,5%. Em Belém e Salvador, 29,8% e 29,3%, respectivamente. Em São Paulo, 24,8% das mulheres que eram referência familiar tinham marido (Folha de S. Paulo, 29/09/2007).

** No ano passado, 392 mil adolescentes de 15 a 17 anos tiveram pelo menos um filho. No período de dez anos, a proporção de adolescentes com filhos aumentou de 6,9% para 7,6%. Foi a única faixa etária que registrou crescimento da natalidade. A quantidade de filhos é maior nas famílias mais pobres. A queda da taxa de fecundidade no país (dois filhos por mulher em 2006) ocorreu principalmente entre aquelas que vivem em família com melhores condições financeiras (O Estado de S. Paulo, 29/09/2007)

Ficamos sabendo também que as famílias estão menores, que cresceram as segundas uniões e o número de divórcios consensuais.

A dupla jornada

Nesses tempos em que qualquer leitor tem acesso à mesma fonte de dados que os jornalistas (como o site do IBGE, que divulgou o resultado da PNAD), a mídia impressa deveria ir além da simples e tediosa transcrição dos trechos do estudo que considera mais relevantes, já que a simples leitura do site sugere não uma, mas várias matérias. E levanta dúvidas: a situação das mulheres está melhor ou pior do que no último PNAD? Entre as mulheres, quais as que estão em melhor ou pior situação?

O fato de mais mulheres serem chefes de família não representa avanço ou conquista porque, embora o número de famílias chefiadas por mulheres tenha aumentado, a situação dessas famílias é pior do que as que têm homens na chefia – 31% vivem com um rendimento mensal de até meio salário mínimo per capita, contra 28% das famílias chefiadas por homens. O percentual de filhos trabalhando também é maior – 44,1,% contra 40,3% – nas famílias chefiadas por mulheres.

A maioria das chefes de família está entre mulheres (mães solteiras ou separadas ) com idades entre 25 e 39 anos. Mas tanto as pobres como as mulheres de classe média enfrentam o mesmo tipo de problema: a dupla jornada de trabalho. As mulheres trabalham em casa 24,8 horas por semana: o dobro do tempo gasto pelos homens em atividades no lar.

Leitura menos preconceituosa

Ao tentar mostrar a evolução da situação da mulher nos últimos anos, a imprensa concentrou-se nas mulheres que fazem parte do mercado de trabalho e esqueceu – ou preferiu ignorar – as menos privilegiadas: as mulheres de áreas rurais e as mulheres negras, os grupos que enfrentam as maiores dificuldades.

As mulheres negras – além da pobreza, da dupla jornada e da falta de instrução – ainda têm que lutar contra uma histórica discriminação social e econômica refletida nos números divulgados pelo PNAD:

** Entre os 14,4 milhões de analfabetos brasileiros, mais de 10 milhões são negros e pardos.

** Em 2006, entre os 8% de brasileiros com nível de escolaridade superior, 78% eram brancos, 16,5% pardos e 3,3% negros. Enquanto mais de 12% dos brancos haviam concluído o terceiro grau, a participação dos negros e pardos não chegava a 4%.

** Brancos ganham em média 40% mais do que negros ou pardos com a mesma escolaridade. Os negros e pardos somam 73% entre os brasileiros mais pobres.

** Os brancos vivem mais que os negros: 11,7% dos brancos ultrapassaram os 60 anos (em 2006) contra 7,6% dos negros e pardos.

Se os negros e pobres são excluídos, sem dúvida a situação das mulheres negras pobres é ainda pior. Uma situação tão ruim que nem mereceu um registro da mídia, embora os dados estejam lá, no site do IBGE, à disposição de quem resolver fazer uma leitura mais atenta ou menos preconceituosa.

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Jornalista