Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Retrocesso no Código Florestal

 

De onde nada se espera é que nada sai, mesmo. Espanta, mas não surpreende, a notícia publicada na edição de quinta-feira (1/3) do Estado de S. Paulo informando que o relator do texto da reforma do Código Florestal na Câmara, deputado Paulo Piau (PMDB-MG) faz retroagir o longo processo de negociação da nova lei. Espanta porque se convenciona, entre negociadores sérios, que os acordos devem ser cumpridos. Mas não surpreende, quando se trata do comportamento de um representante do que há de mais reacionário entre o empresariado brasileiro.

Faltando cinco dias para a última rodada de votações, após o longo processo de conversações que marcaram a passagem do projeto pelo Senado Federal, o relator reviu cuidadosamente o texto que resultou dos acertos entre o governo, representantes do movimento ambientalista e da comunidade científica e a bancada ruralista, e deu sua opinião. E sua opinião é exatamente um passo atrás, ou seja, o verdadeiro escárnio sobre o bom senso que havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, como resultado de uma proposta do antigo relator, o então deputado federal Aldo Rebelo.

A atitude do deputado Paulo Piau é um exemplo típico da ação das representações parlamentares hiperdimensionadas pelo poder econômico e pelo controle de meios de comunicação no interior do país.

Obrigação da imprensa

O polêmico texto produzido por Rebelo havia sido modificado após essa ampla discussão no Senado, da qual, se não brotou nenhuma maravilha em termos de regulação, pelo menos manteve alguma esperança de que o interesse nacional fosse levado em conta no embate com os interesses específicos de uma parte dos produtores rurais.

O novo relator pretende, por exemplo, eliminar o trecho que define o corte de crédito para os proprietários que não regularizarem suas terras em um prazo de cinco anos. Ou seja, pretende que as instituições financeiras oficiais continuem a fomentar a destruição do patrimônio ambiental em nome do lucro privado. Por outro lado, ele propõe retirar do texto as normas de defesa dos manguezais e a referência ao embargo obrigatório da produção em áreas desmatadas ilegalmente.

Ao imaginar que haverá uma lei na qual seus pares sejam liberados de prestar contas de ações contra o patrimônio comum, o parlamentar verbaliza o entendimento que é a base ideológica do coronelismo que atrasa o país.

Por que é importante que a imprensa denuncie tais manobras? Porque, teoricamente, ainda que alinhada aos setores mais conservadores da sociedade, a imprensa tem por obrigação contemplar aquilo que representa o interesse difuso da maioria.

De volta à barbárie

Nas controvérsias, é de praxe que a imprensa exponha todas as interpretações que honrem esse interesse difuso, para que a própria sociedade, diretamente ou através de suas instituições, possa fazer escolhas sensatas.

Esses paradigmas devem ser definidos, sempre que possível, pelo conhecimento científico mais avançado. E o conhecimento científico disponível nesta segunda década do século 21 afirma que há um desafio paradoxal no futuro próximo: o de prover alimentos para a humanidade e o de preservar as condições ambientais que possibilitam a preservação da vida humana.

No quadro publicado pelo Estadão, ilustrando a reportagem sobre a manobra da bancada ruralista, fica transparente a intenção do legislador de eliminar os mínimos controles estabelecidos durante os debates no Senado Federal. Na sua visão, que reproduz o que há de mais retrógrado na mentalidade predominante entre os ruralistas, é preciso apressar a votação de sua proposta para evitar polêmicas às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que deve ocorrer em junho.

Ou seja, o deputado pretende que o Brasil se apresente como anfitrião no mais importante evento internacional sobre a questão ambiental no papel de país predador.

Sua proposta é tão impertinente que chega a contrariar a opinião de uma parte importante do agronegócio – aquele formado por grandes empresas que são submetidas aos critérios do mercado global de alimentos e insumos de origem agrícola.

A reportagem do Estado de S. Paulo é um desses trabalhos que devem deixar a sociedade de orelha em pé.

Se o relatório do deputado licenciado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) foi considerado uma agressão aos mais básicos pressupostos do desenvolvimento sustentável, o texto do deputado Paulo Piau representa o retorno à barbárie em termos ambientais.