Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Revista do Brasil, apreensão indevida

Ao apurar a matéria sobre a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que retirou de circulação a última edição da Revista do Brasil, o Observatório do Direito à Comunicação entrou em contato com o jornalista Marcelo Soares para ouvir sua opinião acerca do caso.

Marcelo Soares escreve no blog E Você Com Isso?, da MTV, sobre a política nacional. Gaúcho, iniciou a carreira no Correio do Povo de Porto Alegre, se tornou redator e repórter de política na Folha de S.Paulo, escreveu como freelancer para publicações brasileiras e estrangeiras (CartaCapital, Expressão, Los Angeles Times), auxiliou na fundação da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e foi coordenador dos projetos ‘Deu no Jornal’ e ‘Excelências’, da Transparência Brasil.

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O TSE pediu a suspensão da distribuição da Revista do Brasil alegando que a revista faz promoção de um candidato à presidência da República. Você entende o ato como censura?

Marcelo Soares – Proibir a circulação de publicações é um ato que tem orelha de censura, nariz de censura e cauda de censura, seja qual for o nome que o Judiciário dê ao bicho. Se algo que foi publicado faz calúnia, injúria ou difamação, a razoabilidade sugere que se julgue depois de publicado. Como escreveu o ministro Carlos Ayres Britto no voto que derrubou a censura aos comediantes, período eleitoral não é estado de sítio.

Existe uma confusão importante que a legislação eleitoral incentiva no Brasil. O que precisa ser coibido é o uso da máquina nas campanhas. Ou seja: governos e suas bases botando dinheiro do contribuinte de alguma forma para favorecer esta ou aquela candidatura. Isso desequilibra a competição eleitoral. Mas também é algo muito difícil de apurar.

Tem aí uma zona cinzenta também. Como a revista é ligada a sindicatos, que fazem parte da base do governo, pode existir uma dúvida razoável sobre se há uso da máquina em favor de candidatura ou não. Como também haveria uma dúvida razoável a respeito se o Estadão, que apoiou abertamente o outro candidato, fosse mantido exclusivamente com anúncios do governo do Estado de São Paulo. De qualquer forma, caberia ao Judiciário apurar se há uso da máquina, não recolher publicação. Só que a lei como é interpretada hoje permite esse tipo de censura.

Com o intuito de coibir o desequilíbrio material da competição, a legislação eleitoral acaba cerceando os espaços de conversa sobre política. Da maneira como é hoje, a lei protege mais à classe política do que ao leitor-eleitor. Porque coloca a conversa sobre política dentro de um cercadinho tão apertado que acaba reduzindo o debate ao gre-nal que se vê entre ‘os que matam criancinhas’ e ‘os que querem vender o Brasil a troco de cachaça’.

Em 2008, eu colaborava com o Centro Knight para o Jornalismo nas Américas e mapeei todos os casos que detectei de decisões que proibiam meios de comunicação de publicar. Era uma coisa absolutamente democrática, de certa forma: queixosos de praticamente todos os partidos que se sentiam ofendidos tiveram seus pedidos de censura atendidos. Neste ano, o Centro Knight está repetindo e melhorando a iniciativa.

Discutir esses casos é importante pra questionar a lei eleitoral que temos hoje. E o que eu tenho visto desde 2008 é que, quando esses casos se tornam evidentes e são competentemente questionados, acabam caindo. Em 2008, a Folha de S.Paulo e o Estadão foram multados por fazerem séries de entrevistas com todos os candidatos a prefeito de São Paulo antes de 5 de julho. Isso foi questionado e caiu. Neste ano, houve o já famoso caso da censura aos humoristas, que foi censurado e caiu.

Até que a coisa seja bem questionada em juízo, é favas contadas que entra em jogo uma coisa que eu acho particularmente deletéria no Brasil: a lógica do ‘na dúvida, proíba-se’. Um sem-noção matou uma colega durante uma partida de RPG? Sempre aparece um gênio querendo proibir o RPG. Tem um videogame que brinca de atropelar velhinhas? Aparece um gênio querendo proibir o game.

Jornais tomaram posição favoráveis a candidaturas. Esse fato é bom ou ruim para o pleito?

M.S. – Não acho fundamental, mas acho interessante em termos de transparência. Numa democracia madura, isso não devia causar espanto. Tive a sorte de ir a Londres em dois anos eleitorais. Sempre que vou faço questão de comprar as revistas deles. Tem a New Statesman, que abertamente defende os candidatos trabalhistas, e tem a The Spectator, que abertamente defende os candidatos conservadores. Isso não desequilibra o pleito.

Não acredito na teoria da manipulação, na ideia de que o leitor-eleitor é uma tábula rasa onde os meios de comunicação imprimem seus preconceitos de maneira que o cara não tenha defesas. Por tudo que eu já li a respeito, a formação da opinião é um processo complexo.

Segundo pesquisas de opinião, os amigos, a família e as igrejas influenciam mais na definição do voto do que os meios de comunicação. Esses amigos, familiares e igrejas também levaram em conta antes a opinião de seus outros amigos, familiares e correligionários mais do que dos meios de comunicação.

Linhas editoriais de veículos têm se mostrado tendenciosas para candidaturas (de ambos os lados). Os leitores conseguem diferenciar essas linhas? Essa postura influencia no voto?

M.S. – Eu acredito que contar com a burrice do leitor-eleitor é um tiro no pé – muito embora eu considere a cobertura um tanto, mas não muito, mais equilibrada do que julgam os militantes de ambos os lados.

É um tiro no pé da parte de meios de comunicação que decidem pesar a mão julgando que o eleitor ou não vai notar ou vai engolir passivamente. E também é um tiro no pé da parte de políticos e juízes que apelam à censura julgando que o eleitor não vai notar ou vai engolir passivamente o que foi publicado.

O Brasil ainda tem sérios problemas de educação. Segundo o Instituto Paulo Montenegro, três em cada quatro brasileiros que sabem ler tem graus variados de incompreensão do que está escrito – o tal analfabetismo funcional.

Só que, até por conta da internet, cada vez mais leitores atentos fazem questão de checar e comparar o que lêem. Militantes de ambos os lados fazem até questão de patrulhar o que lêem, e nunca vi isso mais claramente do que na campanha deste ano.

Isso não é generalizado ainda. Mas será que a gente precisa deixar a liberdade de conversar sobre política no cercadinho até que se chegue à meta pseudo-escandinava de todo brasileiro compreender perfeitamente o que lê e tenha consciência do contexto maior de cada questão? Eu acho que não. Acho que liberdade se aprende a usar usando.