Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Revolta nas redes sociais contra site bisbilhoteiro

Um site hospedado no exterior vem gerando indignação nas redes sociais ao divulgar o número de registro no Cadastro de Pessoa Física (CPF) de cidadãos brasileiros mediante uma simples busca pelo nome e sobrenome da pessoa. O caso foi divulgado no site do O GLOBO em 22 de abril.

De acordo com especialistas em Direito Digital, há indícios de ilegalidade na página, já que o espaço não informa a fonte dos dados exibidos e nem a empresa responsável. Uma petição on-line exigindo que o site seja retirado do ar reúne mais de 100 mil assinaturas.

O escritor Alec Silva, de 23 anos, foi um dos que se surpreendeu ao ver seu CPF exibido publicamente no site. Ele conta que foi avisado sobre a página por um amigo, há cerca de duas semanas, e verificou que seus dados, os da sua irmã e da sua namorada podem ser facilmente encontrados no endereço.

– Quando vi meu nome e meu CPF na página me senti exposto. A partir daí, alertei aos meus amigos sobre a página no meu Facebook e cada vez mais pessoas vêm comentando a minha postagem, surpresas por seus dados também estarem expostos – conta Silva. – É algo que causa preocupação pela exposição e porque não sabemos a origem dos dados.

O endereço numerico do site é 104.20.0.211, IP que está sob a proteção da americana CloudFlare, uma rede de disponibilização de conteúdo com sistema distribuído de DNS (domain name server), ficando entre o internauta e o hospedeiro do site. A CloudFlare abrange mais de 1,3 milhão de endereços IP. Um acesso direto ao polêmico site pelo IP numérico, por exemplo, é interceptado pela CloudFare.

Google e Facebook

Além disso, o site exibe anúncios do Google e está registrado no Google Analytics como “UA-60790576-1”. Segundo o site analisador de páginas Ipeer, o endereço da página está hospedado no Canadá pela OVH Hosting, Inc. Ele foi criado em 23 de fevereiro de 2015, e expirará na mesma data em 2016.

Analisando o código-fonte de uma das páginas do site nota-se que há uma chamada interna a um aplicativo/SDK do Facebook, cujo appID é “891845214191125”.

Tanto o Google quanto o Facebook foram contatados via e-mail para comentar a respeito. De acordo com o Google, a empresa está analisando o caso em questão e tomará as medidas cabíveis segundo às suas políticas. O Facebook não respondeu a demanda até o fechamento da matéria.

O site limita o número de consultas para cada usuário. Ele o faz usando pequenos arquivos chamados cookies, que ficam gravados na máquina do usuário contabilizando o número de visitas. Para desabilitar este contador, basta usar um utilitário de gerenciamento de cookies, como a extensão gratuita para Chrome “Cookies”, que edita e pode apagar esses rastreadores deixados pelo site.

Procurados pelo GLOBO, por meio de uma página de formulário de contato encontrada em seu código fonte, os responsáveis pelo site não responderam às dúvidas enviadas até o fechamento desta matéria.

Indícios de atividade ilícita

De acordo com Marcio Chaves, advogado especialista em Direito Digital do escritório PPP Advogados, por enquanto não é possível afirmar que o site é ilícito, porque a fonte de seus dados é desconhecida – a divulgação dos dados por si só não é ilegal caso essas informações estejam divulgadas publicamente na rede. No entanto, o advogado afirma que há fortes indícios que a página infrinja o Marco Civil da Internet e o Código de Defesa do Consumidor.

– Caso o site realize a exibição de dados a partir de informações já disponíveis publicamente na internet, por exemplo, não haveria ilegalidade quanto à questão dos dados. No entanto, se ele está puxando essa informação de outro serviço on-line ou de uma base de dados sem autorização, e tudo indica que este é o caso, isso tornaria o site ilegal perante o Marco Civil da Internet, que garante que os dados do usuário só podem ser utilizados por um serviço digital mediante a sua autorização – afirma Chaves.

De acordo com o advogado, o fato do site não estar hospedado no Brasil, não indicar claramente qual empresa é responsável por ele, o propósito para a exibição dos dados e possuir termos de uso vagos levantam suspeitas quanto à legalidade da página.

Coordenador da área de privacidade do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS), Mario Viola orienta aos cidadãos que se sentirem lesados pelo site que encaminhem suas denúncias ao Ministério Público Federal, à Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom) ou mesmo à Polícia Federal.

– Qualquer disponibilização de dados tem que ter uma finalidade específica e explícita, o que não parece ser o caso do site. Quando realizado por sites, esse tipo de questão está regida pelo Marco Civil da Internet, que diz que dados pessoais tem que ser tratados com o consentimento da pessoa, e a finalidade da sua coleta deve estar nos termos de uso do serviço, o que não é o caso. E há ainda a questão da privacidade dos cidadãos que pode estar sendo violada pelo site caso os dados não sejam públicos – explica Viola. – É importante que os cidadãos procurem entidades como o Ministério Público ou mesmo órgãos de defesa do consumidor para que o site seja devidamente investigado e, se for o caso, retirado do ar.

Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (MPF/RJ), Ana Padila diz entender que o site está cometendo uma ilegalidade quanto à divulgação de dados pessoais dos cidadãos pela forma como isso está sendo feito. Dessa forma, a Padila diz que já abriu um procedimento preparatório, no qual o MPF/RJ irá investigar a página.

– Da forma como está realizando essa divulgação de dados, acredito que o site esteja indo contra o direito à privacidade e intimidade previsto na Constituição brasileira, mesmo que o CPF seja um cadastro público – afirma ela. – O site será investigado, e levantaremos os seus responsáveis, como esses dados estão sendo conseguidos etc.

A procuradora afirma que vem recebendo denúncias sobre o site nas últimas semanas e que, se a sua ilegalidade for comprovada, ela pode entrar com uma ação pedindo que a página tenha o acesso bloqueado no país. Aos usuários que se sentirem lesados pela divulgação de seus dados, ela diz que estes podem procurar um advogado para ações individuais.

– O MPF atua no que chamamos de direito de difuso, ou seja de grupos de cidadãos, mesmo que indeterminados. A pessoa que individualmente quiser ser indenizada quanto à divulgação dos seus dados deve procurar uma advogado para dar entrada na sua ação.

Para a PF, divulgação não configura crime

Entretanto, segundo a Polícia Federal (PF), a “divulgação do número de CPF, por si só, não configura crime”, como acontece em sites do governo, como o Portal da Transparência, que disponibiliza dados pessoais, incluindo salários de servidores federais, como informação de acesso público.

Não existe investigação em andamento para apurar o site em questão e, informa a PF, o órgão só poderá atuar caso haja comprovação de um possível vazamento de banco de dados oficiais. Caso as informações sejam de um banco de dados privado, não há configuração de crime.

“Deve-se ressaltar que o número do CPF sozinho não pode ensejar transação comercial ou financeira, uma vez que é exigido documento original com foto para identificar a pessoa”, informa a PF, em comunicado. “Entretanto, caso uma pessoa seja vítima de crime envolvendo a utilização do número de seu CPF, a Polícia Federal recomenda que seja registrada ocorrência junto à Polícia Civil, órgão que possui atribuição legal para investigar esse tipo de delito”.

Futuro site pago?

Não é a primeira vez que sites bisbilhoteiros assustam o internauta brasileiro. Em 2007, surgiu o Lili.com (detalhes aqui), revelando informações privadas de cidadãos à sua revelia. O site revoltou muita gente, deu uma confusão dos diabos e depois sumiu. Tudo apontava para ser uma armação de dois belgas, Pierre-Alexandre Losson e Patrick de Visscher, ambos interpelados à época. O primeiro nunca respondeu, e o segundo deu uma desculpa esfarrapada que se provou falsa em poucos minutos de busca no Google. Hoje o domínio encontra-se desativado, encontrando-se à venda por um concentrador chinês de domínios.

Depois, em 2014, apareceu o site similar FoneDados.com, que também causou comoção por divulgar até endereços residenciais e números celular (detalhes aqui). Um dos envolvidos, Francisco Rivera, procurado pelo GLOBO, nunca retornou o contato. Depois de sair do ar e retornar inúmeras vezes desde então, o FoneDados virou um site pago, cobrando uma mensalidade de 0,075 bitcoins ou US$ 17, e permitindo até pagamento via PayPal.

Talvez seja este o futuro do NomesBrasil – após incomodar muita gente e se tornar conhecido, pode ser que também se transforme em mais um negócio questionável na internet.

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Site que divulgava CPFs irregularmente é retirado do ar após notificação do Ministério da Justiça

‘OG’ # Reproduzido do Globo.com, 7/5/2015

O provedor de sites GoDaddy, em que está hospedado a página que gerou polêmica ao divulgar CPFs irregularmente de cidadãos, sem a sua autorização, foi notificado na quinta-feira [7/5] pelo Ministério da Justiça (MJ) por causa do aumento de reclamações de internautas contra a página na Secretaria do Consumidor da pasta.

Os responsáveis disponibilizavam o registro virtual do site, que divulgava nomes e números de CPFs e a situação desses na Receita Federal. Eles têm dez dias para fornecer esclarecimentos ao MJ sobre como os dados foram coletados, além de indicar quem são os donos do site.

Se o GoDaddy descumprir o prazo e for constatado que os dados não foram recolhidos de fontes públicas, a pasta vai aplicar sanções ao provedor conforme o Código de Defesa do Consumidor. Nesse caso, os responsáveis podem pagar multa de até R$ 7,2 milhões e responder a processo judicial.

Os donos do site já retiraram a página do ar, mas mesmo assim, a investigação vai continuar. Desde o mês passado, o site vem provocando indignação entre os internautas que tiveram os dados disponibilizados pela página, a qual qualquer pessoa poderia ter acesso. Um abaixo assinado chegou a ser lançado na internet para reunir assinaturas para que o site fosse extinto.

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Carlos Alberto Teixeira e Thiago Jansen, do Globo