Conforme a história nos tem mostrado, épocas de crise econômica como a atual favorecem o surgimento de todo tipo de radicalismo social. Consequentemente, de acordo com Marx, é corriqueiro que surjam tanto movimentos revolucionários (que podem romper totalmente com a ordem vigente), quanto a ascensão de ideias contrarrevolucionárias ou conservadoras. Sendo assim, não foi por acaso que movimentos totalitários, como o fascismo e o nazismo, tenham sido nefastas consequências da crise econômica mundial gerada após a queda da Bolsa de Nova York em 1929.
Na atual conjuntura brasileira, os maiores exemplos simbólicos de radicalismo conservador podem ser encontrados nos “revoltados online”, indivíduos (jovens em sua maioria) que gravam e compartilham nas redes sociais vídeos com discursos raivosos, angariando milhões de “seguidores” por todo o país. Os conteúdos desses vídeos contêm palavras de baixo calão proferidas contra políticos petistas (principalmente Lula e Dilma Rousseff), frases vazias contra a corrupção, paranoias anticomunistas, preconceitos contra minorias e, não raro, clamam por impeachment ou pela implantação de um novo regime militar.
Em um vídeo gravado recentemente, a socialite Deborah Albuquerque se dirige aos simpatizantes do PT como “idiotas, babacas, burros, miseráveis, petralhas de m… e fracassados por natureza”. Não bastassem as ofensas pessoais (ações desprezíveis para qualquer debate que se pretenda minimamente sério), Deborah demonstra todo o seu analfabetismo político ao afirmar que o Partido dos Trabalhadores luta para implantar o socialismo no Brasil, sistema em que, segundo ela, o ditador é quem decide as profissões de seus cidadãos. Ora, um governo que favorece os grandes capitalistas, ao destinar quase metade do orçamento para o pagamento de juros da dívida pública, jamais poderá ser considerado de aspirações socialistas.
Direito à liberdade
Por sua vez, Fernando Holiday, estudante negro de origem pobre, caracteriza emblematicamente a postura do oprimido que absorve incondicionalmente o discurso do opressor. Segundo Holiday, os universitários cotistas são “vermes e parasitas atrás do Estado”, o Movimento Negro possui um discurso de “vagabundagem”, “inércia” e “vitimista” e um dia da Consciência Negra para homenagear Zumbi é o mesmo que criar um Dia da Consciência Branca para homenagear Hitler. Já Kim Kataguiri, tornou-se a mais nova celebridade entre os neocon (“novos conservadores”) após gravar um vídeo em que ridiculariza e dirige várias ofensas pessoais ao deputado federal Jean Wyllys. Típico exemplo de quem não possuiu argumentos sólidos para sustentar suas colocações deturpadas. Diga-se de passagem, por causa de sua opção sexual e ideias progressistas, Wyllys é um dos principais alvos dos “revoltados online”.
Por fim, no aniversário de cinquenta e um anos do golpe militar, a adolescente Isabella Trevisani Pacheco foi responsável pela postagem do que talvez seja o exemplo mais controverso de um “revoltado online”. “Uma data para comemorar, que o desgoverno tentou proibir, mas nós não vamos deixar passar, porque sabemos a verdadeira história do nosso país. 31 de março de 1964 foi o dia que houve o contragolpe militar que evitou o golpe comunista, que evitou que nosso Brasil virasse uma Cuba, como hoje Dilma quer”, apontou Isabella em seu vídeo. Seria cômico se não fosse trágico. Evidentemente não se pretende aqui apoiar qualquer atitude para impedir as pessoas de se manifestarem, pois, afinal de contas, ao contrário do período militar, nos dias hodiernos, o direito à liberdade de expressão está relacionado, sobretudo, ao respeito em se ouvir opiniões contrárias. Pedir ditadura em uma democracia é simples, difícil é reivindicar o contrário.
***
Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG