A atividade televisiva se integraliza através de quatro movimentos fundamentais: a produção de conteúdo, que conduz ao preenchimento da grade de programação com produtos atrativos e comercialmente rentáveis; o fluxo da programação, através do gerenciamento dos horários dos programas; a divisão de sinais hertzianos, que diz respeito à área de cobertura das redes; e a comercialização transnacional, através da venda de produtos aos programadores estrangeiros. No mercado brasileiro, no entanto, a estratégia adotada pelo SBT nos últimos anos vem contrariando esta constatação. Mesmo que o canal de Silvio Santos nem de longe alcance os índices de seu passado recente – quando era vice-líder isolado –, ainda hoje consegue se manter na disputa com uma audiência que oscila entre a segunda e a terceira posição.
No mês de março de 2009, a descontinuidade da produção dos programas Casos de Família e Olha Você evidenciaram a incapacidade do canal de Silvio Santos como produtor de conteúdos e gerenciador de sua programação. Regina Volpato, então apresentadora do Casos de Família, protagonizou um esdrúxulo episódio: informou, através de seu blog na internet, que não renovaria seu contrato com o SBT. Tal ação teria sido desencadeada por alterações no formato de seu programa – que, por intervenção da emissora, adotaria um formato mais polêmico e popularesco. Graduada em jornalismo, Volpato concebeu o Casos de Família como uma espécie de auto-ajuda na TV, apostando no diálogo e abolindo apelações, que freqüentemente são vistas neste tipo de talk show. O resultado não tardou: além de financeiramente rentável, o programa permaneceu no ar durante quatro anos – vida longuíssima para os parâmetros do SBT.
Texto sofrível, mas mais instigante
No caso do Olha Você, a tentativa da emissora em produzir uma revista eletrônica inspirada no sucesso do matutino Hoje em Dia, da Record, transformou-se em um verdadeiro show de experimentações. Da equipe original, salvo Claudete Troiano e Ellen Jabour, os apresentadores masculinos se mantiveram apagados durante os sete meses em que o programa foi exibido. O cozinheiro Francesco Tarallo mostrou-se desastroso nas entradas ao vivo, e Alexandre Bacci, apesar de experiente, não teve carisma nem desenvoltura para ancorar a atração – atributos que sobram ao jornalista Britto Júnior, do Hoje em Dia.
Para cobrir o vácuo deixado pelo Olha Você, Silvio Santos recorreu a uma medida já tradicional em sua emissora: o resgate de programas arquivados. A estratégia apresenta custos pífios, uma vez que estes produtos oneram apenas gastos de edição. O finado humorístico Ô Coitado e o game-show recentemente extinto Nada Além da Verdade foram os escolhidos. Apresentados conjuntamente, ambos estréiam com a árdua missão de atingir cinco pontos no Ibope. Parece pouco, mas para a atual realidade do SBT, tal pontuação seria um feito prodigioso. Apenas para citar como exemplo, o extinto Olha Você mal chegou aos dois pontos, perdendo inúmeras vezes para a Band, Rede TV e Gazeta.
As crianças também estão agonizando no SBT. A programação infantil da emissora insiste no formato de telejogos, incentivando descabidamente os pequenos a realizarem chamadas telefônicas tarifadas. No Bom Dia & Cia., os apresentadores Priscilla Alcântara e Yudi Tamashiro estimulam essa participação de maneira esquizofrênica, oferecendo como contrapartida sorteios de brinquedos, computadores e videogames. A dupla repete frases como ‘O que vai ser do seu dia se você não ligar?’, ou ainda, ‘Pra ser feliz, tem que ligar pro Bom Dia‘, que exemplificam a deficiência criativa do programa, sempre abastado de desenhos clássicos (em maior parte, reprises) para segurar a audiência. Nem de longe lembram antigos sucessos do SBT, como o nostálgico Show Maravilha, apresentado por Eliemary Silva da Silveira – popularmente conhecida como Mara Maravilha –, atualmente fora da televisão, e que poderia ser reaproveitada pela emissora, desempenhando novamente a função de apresentadora. Mesmo a novela mexicana Carrossel, com texto sofrível e produção de baixo custo, somada às limitações de um produto estrangeiro, mostrou-se mais instigante, conseguindo ao mesmo tempo prender a atenção das crianças e captar anunciantes, através da propagação de uma mensagem que explicitava valores humanos primários.
Caçando mutantes
O reaproveitamento de produtos televisivos não é algo novo. Com a difusão do videoteipe, no final dos anos 50, as empresas de TV passaram a estocar programas, de forma que, através da venda internacional, o bem simbólico continuasse gerando receita para seus investidores. No que diz respeito às reprises, em casos isolados a estratégia de re-exibir estoques mostra-se acertada. No próprio SBT, os decanos Chaves e Chapolin são sucessos inquestionáveis de audiência. Na teledramaturgia – que sabidamente está longe de ser o ponto forte do canal –, em sua re-exibição, a versão nacional de Pérola Negra atingiu a primeira colocação por inúmeras vezes, fazendo frente à reprise de superproduções brasileiras, como Terra Nostra e Deus nos Acuda, da Globo.
Ao contrário do SBT, os demais canais investem em novos produtos. No entanto, nem sempre o conteúdo prima pela originalidade. Na Record, o primeiro capítulo de Promessas de Amor insistiu na indigerível saga dos mutantes. Em sua estréia, uma esquizofrênica perseguição de helicóptero mostrou a personagem da veterana atriz Ítala Nandi com seus fiéis escudeiros do mal, caçando mutantes fugitivos dispostos a fazer o bem. No desenrolar do capítulo, a dificuldade em acompanhar a história se intensifica pelo reaproveitamento de personagens, muitos oriundos de Os mutantes – Caminhos do Coração, fase anterior da novela – mas que, conforme divulgado na imprensa, pouco tem a ver com a temporada atual. As cenas de ação, apesar de caprichadas, não são suficientes para encobrir a fragilidade do texto, que atinge seu ápice quando entra em cena uma discussão sobre a lei anti-mutante decretada pelo governo e disposta a perseguir os indivíduos alterados geneticamente.
Esperança de recuperar anunciantes
No mesmo horário, Caminho das Índias, da Globo, despejava um banho de realidade no telespectador: a professora Berê (Silvia Buarque) acabara de descobrir que uma fotomontagem sua, onde aparece caracterizada de vedete, estava circulando pela internet. Desenganada, busca auxílio com Murilo (Caco Ciocler), que a desencoraja a prestar queixa na polícia. Em tom didático, o discurso politizado sobre a lentidão da justiça brasileira enfatiza que a punição de criminosos virtuais é tarefa difícil, quase impossível. Em rápida análise, o telespectador pode constatar que, se por um lado a saga indiana peca ao apresentar um Oriente imaginado apenas por sua autora, por outro acerta, ao abordar temas de interesse geral da sociedade, como a violência em escolas, o desprestígio da figura do professor e o preconceito por descendentes de hindus – temática que ainda pode atingir diversas outras minorias.
No mesmo horário, para o telespectador sintonizado no SBT, fica claro que a emissora não quer entrar seriamente na briga das novelas, ao menos no presente momento. Enquanto Record e Globo se enfrentavam, o canal paulista exibia Esquadrão da Moda, show de realidade disposto a fazer um upgrade no manequim de mulheres descontentes com sua aparência. Atualmente, a única novela em exibição no SBT é Revelação, que por pouco também não foi estocada. Inteiramente gravada, mostra que a emissora ainda tem um longuíssimo caminho a percorrer no ramo da teledramaturgia. Mesmo sem cartas na manga, Silvio Santos e seu SBT sobrevivem como podem. Frente ao recente sucesso de Pantanal, outro produto requentado está por vir. Trata-se de A História de Ana Raio e Zé Trovão, que deve ocupar o prime-time da emissora quando re-exibida. Os executivos do SBT torcem por isso, e seguindo à risca a receita do homem do baú, esperam ansiosamente para recuperar os anunciantes da antecessora pantaneira. De preferência com investimentos pífios em produção.
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Jornalista, mestrando em Ciências da Comunicação na Unisinos