Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Sem sinal, a ligação caiu

O programa Observatório da Imprensa na TV, exibido ao vivo na terça-feira (14/08) pela TV Brasil, discutiu a decisão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de suspender a venda de chips para telefone celular de três operadoras, colocada em prática em 23/7  [assista aqui ao vídeo do programa]. A empresa TIM foi atingida em 19 estados, a Oi em cinco e a Claro em três unidades da federação. De acordo com a Anatel, problemas na rede dos telefones, interrupção nas chamadas e má qualidade no atendimento levaram a agência a proibir as empresas de oferecer serviços de voz e dados para novos clientes.

A multa em caso de descumprimento podia chegar a R$ 200 mil por dia. Apesar da proibição, os chips ainda eram encontrados no mercado informal em grandes quantidades. As telefônicas se comprometeram a investir R$ 20 bilhões nos próximos três anos e, onze dias depois da proibição, a Anatel liberou a venda dos produtos. A agência advertiu que vai acompanhar a evolução dos investimentos e da qualidade dos serviços a cada três meses e pode suspender as vendas novamente.

Para discutir este tema, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro as jornalistas Elvira Lobato e Cora Rónai. Elvira tem quatro décadas de experiência e cobriu o setor de telecomunicações e radiodifusão durante 18 anos para a Folha de S.Paulo. Desde janeiro, a jornalista está aposentada. Cora Rónai é especialista em tecnologia. Pioneira na cobertura do tema, Cora idealizou e lançou o primeiro suplemento de informática do país. Atualmente, escreve uma coluna sobre mídia digital no jornal O Globo, no caderno de Economia, e publica uma coluna no Segundo Caderno do mesmo jornal.

Sem sinal

Em editorial, antes do debate ao vivo, Dines citou frases clássicas ouvidas por clientes de empresas de telefonia celular: “‘Caiu o sistema’, ‘perdemos o contato’, ‘este número não existe’ – a telefonia móvel no Brasil seria uma espetacular história de sucesso, não fossem estes bordões tão repetidos e desesperadores para tanta gente”. Na avaliação de Dines, o Brasil não fiscalizou nem regulou o mercado a contento após a privatização das empresas de telefonia. “A mídia brasileira foi talvez o setor que mais se beneficiou com a expansão da telefonia: ganhou novas plataformas para oferecer conteúdos, mas ganhou, sobretudo, muita grana, já que os celulares são os produtos mais anunciados na mídia impressa” [ver íntegra abaixo]. Dines acredita que se a imprensa tivesse acompanhado as reclamações feitas às instituições de defesa do consumidor, não teria sido surpreendida com a atitude da Anatel.

A reportagem exibida antes do debate ao vivo mostrou diversas opiniões sobre a proibição da venda dos chips. É inegável que a medida tomada pela Anatel, na avaliação do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, foi drástica e pode representar prejuízos para as empresas e problemas para os consumidores. “Inclusive foi por isso que a Anatel decidiu proibir uma das empresas em cada estado, aquela que estivesse com os indicadores mais frágeis, mais delicados, com maior volume de reclamação”, explicou Paulo Bernardo. O ministro assegurou que antes de serem punidas, as empresas foram advertidas.

“Tem uma série de coisas que foram feitas antes. Negociação, diálogos, pressão. A verdade é a seguinte: o mercado está demandando, elas continuaram vendendo, e vendendo bem. No ano passado houve um crescimento de quase 20% de linhas de telefone móvel. No caso da internet móvel foi 100%, foi mais de 103% de crescimento em 2011 e este ano seguimos no mesmo ritmo. Isso significa que, num mercado bom, para manter a qualidade, você tem que fazer investimento, você tem que ter presteza na execução de investimento. O mercado brasileiro está crescendo, está demandando, enquanto em outros lugares está caindo”, avaliou o ministro.

Problema para a imprensa

O programa entrevistou o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, comentarista de economia da e âncora da rádio CBN. Sardenberg contou que cerca de 4% das chamadas ao vivo de repórteres e comentaristas feitas para a rádio no dia em que a entrevista foi gravada acabaram falhando. Embora o número isoladamente possa parecer inexpressivo, a interrupção das ligações pode prejudicar a transmissão das notícias urgentes e importantes: “Sem celular, não tinha a CBN Brasil. A gente vive disso, vive do celular. Todo o mundo entra via celular todos os dias em todos os programas”.

Houve um grande crescimento do setor, na opinião de Sardenberg, que levou a uma concorrência acirrada, mas a fiscalização e a regulação do setor não acompanharam o fenômeno. “Punir as telefônicas é jogar para a torcida porque não resolve. Veja o que aconteceu. Eles suspenderam a venda de chips. Em cinco dias, as telefônicas apresentaram um plano de investimento de R$ 20 bilhões que previa até um cabo submarino internacional. Em três dias a Anatel examinou aquilo tudo e aprovou? É conversa”, sublinhou o jornalista.

A situação da telefonia celular no Brasil, para o jornalista e professor Caio Túlio Costa, é de total calamidade “As ligações não se completam, as pessoas te chamam e você não consegue saber que elas te chamaram, as pessoas dizem que te ligaram e você não sabe que elas ligaram, as ligações são cortadas, você não consegue falar direito porque as pessoas não te ouvem, você não consegue ouvir direito”, criticou Caio Túlio. O jornalista avaliou que a mídia tradicional dedicou pouco espaço para o problema das empresas de telefonia. Tanto os consumidores quanto as próprias empresas não encontraram espaço nas páginas dos jornais.

Uma pessoa, três telefones

José Bonifácio Ferreira Novellino, presidente do Procon-RJ, explicou que o que deixa o consumidor mais irritado é a falha no sinal ou não conseguir um sinal para fazer a ligação: “Quando ele está falando e o sinal é interrompido, e aí não é porque ele entrou em um túnel, encontrou uma montanha – é porque há uma falha, realmente, do sistema de transmissão da telefonia”. Novellino ressaltou que, atualmente, quase nenhuma empresa de telefonia compartilha da sua infraestrutura de antenas, o que prejudica a amplitude da cobertura do sinal. O presidente do Procon-RJ acredita que a Anatel irá fiscalizar a aplicação dos planos apresentados pelas empresas.

O Observatório da Imprensa mostrou o caso da massoterapeuta Luciene Alves, que conseguiu reduzir a conta de telefone de R$ 300 para R$ 50 por mês administrando chips de três operadoras diferentes no mesmo aparelho. Assim, ela aproveita os descontos dos diferentes planos das empresas de telefonais. “Quando eu começo com uma cliente nova, eu pergunto logo qual é a operadora. Com uma operadora só, sai muito caro”, explicou a Luciene.

No debate ao vivo, Dines perguntou para Elvira Lobato o porquê de a imprensa contar com poucos jornalistas especializados no setor de telecomunicações. Lobato acredita que cobrir um setor por muito tempo acaba cansando os profissionais. Outro ponto que dificulta a especialização é a complexidade dos temas da área de telefonia: “Ele exige uma qualificação técnica muito grande”, sublinhou a jornalista. Lobato contou que ao se aposentar, ficou frustrada por não ter conseguido escrever uma matéria que esclarecesse o leitor sobre o preço justo dos serviços de telefonia.

Buraco negro

“É uma variedade enorme de planos, planos com nomes fantasia, que não são coisas comparáveis”, lamentou Lobato. A jornalista contou que recebia estudos de organismos internacionais pontuando que o Brasil tem um dos serviços de telefonia celular mais caros do mundo. As empresas brasileiras, no entanto, contestavam informação alegando que as situações dos diferentes países não são comparáveis. Um dos argumentos, por exemplo, era o de que a carga tributária no Brasil era elevada. As operadoras também questionavam a metodologia das pesquisas. Elvira destacou que embora o setor de telefonia seja nebuloso, a imprensa não deve desistir de investigar e esclarecer o cidadão.

No Brasil, de acordo com dados citados por Elvira Lobato, há cerca de 250 milhões de assinantes de telefones celular, um número maior do que o de habitantes do país. Este quadro ocorre por conta de casos como o da massoterapeura entrevistada pelo programa. São pessoas que usam mais de um aparelho ou mais de um chip nos aparelhos de celular para tirar vantagens de diversas operadoras e garantir o sinal no aparelho.

A jornalista explicou que, segundo as empresas de telefonia, por trás desse colapso há uma guerra de mercado. A Tim passou a oferecer planos de ligações ilimitadas em condições específicas, o que levou a um aumento do número de clientes. Logo as concorrentes lançaram pacotes semelhantes. Como consequência, o sistema de transmissão teria sofrido uma sobrecarga por conta do grande número de ligações. Esta conjuntura criou um gargalo e a Anatel agiu, em grande parte, pressionada pelo Ministério Público (MP). Elvira contou que, nos estados, o MP tem sido uma fonte de pressão constante.

Menos propaganda

Na avaliação de Elvira Lobato, a atitude de Anatel teve como objetivo mostrar que o governo reagiu à má qualidade dos serviços prestados à população. Uma das alternativas que teria um impacto positivo no curto prazo, de acordo com a jornalista, seria restringir a publicidade dos produtos. Assim, a venda dos pacotes de serviços apresentaria uma diminuição e o gargalo das linhas poderia ser mais facilmente controlado.

“Ninguém quer perder mercado. E uma coisa que chama muito a atenção é que como é que a Anatel não viu isto antes. A Anatel tem um sistema, uma metodologia de avaliação na qualidade dos serviços, em que as empresas estavam, contraditoriamente, atendendo àqueles parâmetros, apesar de questionamentos judiciais em vários estados”, argumentou Elvira.

Cora Rónai contou que sempre usa dois ou três aparelhos de celular simultaneamente para acompanhar a evolução do setor e dos pacotes oferecidos pelas prestadoras de serviços. “Sempre tem uma companhia que está um pouco melhor do que as outras. Então, é sempre aquela alça de salvação: ‘nenhuma delas está funcionando, mas essa aqui está’. De um tempo para cá, todas caem, o que é uma coisa impressionante. Eu acho que se vendeu muito mais do que se pôde oferecer. A partir desse momento, fica ruim para todo o mundo”, criticou a jornalista.

Falta competência?

Na avaliação de Cora Rónai, a teoria de que a operadora TIM derruba as ligações de forma proposital para cobrar por novas ligações, levantada por uma pesquisa da Anatel, não é realista. “É incompetência mesmo, é pior”, disse a jornalista. Para Cora, a operadora não tem sequer aparato tecnológico para derrubar as chamadas intencionalmente. Em relação à multiplicação das linhas de telefonia móvel no Brasil, Cora Rónai exemplificou: “Eu fui almoçar com a minha filha e abri os três celulares em cima da mesa. Minha filha olhou e disse: ‘Meu Deus, que coisa de pobre!’ Eu estava ali com cerca de R$ 6 mil em equipamento, em um cálculo por baixo, mas já se fez uma ideia de que ter vários telefones é uma atitude da pessoa que está tentando economizar”.

Dines questionou por que a imprensa demorou a perceber o problema da telefonia no Brasil e perguntou se o fato de as empresas de telecomunicações serem grandes anunciantes pode ter influenciado a pouca cobertura. Cora Rónai destacou que as seções de defesa do consumidor abrem espaço para esse problema de forma rotineira. “Todo mundo acha a cobertura de tecnologia chata porque ela lida com um assunto realmente árido, chato. Para você falar desse problema das operadoras, vai entrar em uma série de tópicos como a área de cobertura, as antenas, que todo o mundo, a começar pelos próprios jornalistas, acha muito chato”, explicou Cora Rónai.

 

Problemas da telefonia celular

Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 652, no ar em 14/8/2012

“Caiu o sistema”, “perdemos o contato”, “este número não existe” – a telefonia móvel no Brasil seria uma espetacular história de sucesso, não fossem estes bordões tão repetidos e desesperadores para tanta gente.

Em boa hora, o Brasil soube livrar-se das amarras do estatismo e privatizou a telefonia no país, mas esqueceu de dar o passo indispensável logo em seguida: regular e fiscalizar o mercado. Acreditamos na balela do capitalismo selvagem de que a dinâmica empresarial é capaz de atender o interesse público. Não é.

A prova foi dada há poucas semanas quando, pressionada pelo governo, a Anatel foi obrigada a prestar atenção ao número de reclamações e interveio neste senhor todo poderoso chamado mercado. Três importantes operadoras de telefonia foram punidas, mas o castigo foi rápido – se durasse mais, elas teriam quebrado.

A mídia brasileira foi talvez o setor que mais se beneficiou com a expansão da telefonia: ganhou novas plataformas para oferecer conteúdos, mas ganhou sobretudo muita grana, já que os celulares são os produtos mais anunciados na mídia impressa. Mais anunciados e os menos fiscalizados pela própria mídia. Se nossos jornais, rádios e emissoras de TV acompanhassem o número de reclamações no Procon – como seria de se esperar – não teriam sido surpreendidas pela intervenção da Anatel.

A situação está longe de ser resolvida e para ser resolvida é indispensável que a mídia tradicional assuma suas responsabilidades históricas.

 

A mídia na semana

>> O que é melhor para a sociedade brasileira: assistir à telenovela Avenida Brasil e à Olimpíada ou acompanhar a maratona do STF? A pesquisa publicada pela Folha no domingo [12/8] revela que apenas 16% dos entrevistados se consideram bem informados, 20% se dizem mal informados e 39% se consideram mais ou menos informados. É muita desinformação, mesmo considerando que quem julga são os juízes. Este desconhecimento talvez explique o empate técnico entre os que consideram a cobertura do chamado mensalão completa e incompleta. Cobrir a realidade é sempre mais útil socialmente do que viver no mundo da fantasia.

>> Novela trágica desenrola-se há mais de 24 anos no Senado, leva o nome de Conselho de Comunicação Social e tem como principal vilão o senador José Sarney: o Conselho esperou 14 anos para ser implantado, funcionou regularmente apenas dois e ficou desativado durante os últimos seis anos. Agora, afinal, o ex-jornalista Sarney permitiu que o Conselho fosse ressuscitado, mas colocou na presidência o arcebispo do Rio e na vice-presidência um burocrata que trabalha na mesa do Senado há décadas. Com este comando, como é que o Conselho poderá discutir livremente a questão da concessão de canais de radiodifusão para confissões religiosas? É óbvio: questões como esta jamais serão discutidas no Conselho de Comunicação Social porque Sarney quer ir para o céu e precisa de votos de bispos e arcebispos.

>> “Cometi um erro terrível”, assim se defendeu Fareed Zakaria, editor da Time e apresentador da CNN, acusado de plagiar a colega Jill Lepore, da New Yorker. Doutor pela Universidade Harvard e membro da Universidade Yale, Zakaria foi afastado por tempo indeterminado das duas empresas jornalísticas em que trabalhava. Ele copiou trechos da história sobre o controle de armas nos Estados Unidos, publicado pela revista concorrente. O assunto está em destaque na mídia americana depois do massacre num cinema do Colorado. Não foi o pior plágio na imprensa, mas a frequência dos casos compromete a tradicional credibilidade da mídia americana, cujos ecos chegam até aqui.

>> A festa do esporte em Londres chegou ao fim e o Brasil bateu o seu recorde de medalhas, mas subiu apenas uma posição no ranking e não correspondeu aos milhões a mais de investimento. Depois do mau desempenho, o Comitê Olímpico Brasileiro já decidiu que vai aumentar a verba para os esportes individuais a fim de ampliar o leque de atletas no pódio. Para chegar aos dez primeiros lugares em 2016, como espera o COB, será preciso fazer muito mais do que até agora se viu. Vale copiar os acertos de Londres, que contou com a aprovação dos britânicos, até para o orçamento bilionário, num momento de recessão. E corrigir os defeitos que deixaram escapar o ouro das nossas mãos, tanto no vôlei quanto no futebol. E a mídia nacional tem que decidir até 2016 o tom da cobertura esportiva, se fica com a paixão desenfreada de Galvão Bueno ou com a crítica responsável.