Há três anos, o menino João Hélio Fernandes Vieites foi vítima da imprudência criminosa de três homens – um deles, menor de idade, com 16 anos. Após assaltarem o carro de sua mãe e levarem o veículo, os assaltantes não perceberam que o menino não conseguira sair do automóvel, estando preso pelo cinto de segurança. Mesmo assim, partiram em alta velocidade. João foi arrastado até a morte por sete quilômetros. O corpo da vítima ficou irreconhecível, tamanha a crueldade do ato.
Ao todo, cinco criminosos participaram do assalto e foram presos. Um deles, porém, agora maior de idade, cumpriu a pena e receberá proteção do Estado por estar sofrendo ameaças de morte, fato que está gerando comoção por parte da sociedade, diante do mal que o jovem cometeu contra a família de João Hélio.
No mesmo mês em que o crime contra o menino completou três anos, um incidente ocorre com certas semelhanças. Em Campinas, interior de São Paulo, uma jovem de 18 anos, sem carteira de habilitação, atropela uma menina de seis anos na frente de sua escola e a arrasta por alguns metros. De acordo com notícia no site da emissora EPTV, ‘Beatriz Helena Mendes voltava da escola para casa quando foi atropelada. A menina chegou a ser arrastada pelo carro por cerca de 20 metros. A motorista não parou para socorrer a vítima e fugiu’.
Apoio psicológico ou financeiro
Após prestar depoimento, a jovem foi liberada. A criança segue internada e a motorista vai responder processo em liberdade, por duas infrações: lesão corporal e omissão de socorro. O caso não foi amplamente divulgado pela imprensa, como ocorreu com o fato sobre o menino João Hélio. Quais seriam as razões, no entanto?
Ao buscar por informações em sites de busca, como o Google, poucos links remetem ao incidente. Nos poucos sites, como o EPTV, não é citado o nome da jovem que cometeu o crime. Sim, porque em uma análise lógica, o ato por ela cometido é criminoso.
Ao fazer a mesma busca sobre informações do caso ocorrido há três anos, muito é encontrado. Ambas as situações são totalmente distintas, diante da barbárie cometida contra o menino. O que os liga é o fato de ambos terem a mesma idade e terem sido arrastados por veículos conduzidos por motoristas desavisados. Todavia, em grande parte das notícias divulgadas sobre o caso João Hélio, os nomes dos assassinos – excetuando o menor de idade, à época – são divulgados.
Na notícia sobre a jovem desgovernada de Campinas, o advogado da motorista diz que ela não prestou socorro por temer a ação de moradores da região. Felizmente, Beatriz não morreu. Mas o que será feito a seu favor? E o que o Estado fez/fará para a família de João Hélio em apoio psicológico ou financeiro, já que presta auxílio ao criminoso?
Situações semelhantes
O fato é que a motorista de Campinas é tão criminosa quanto os assaltantes que arrastaram João Hélio. É vergonhoso saber que ela aguardará o julgamento de sua ação em liberdade. E, mais ainda, que a imprensa nada fez, nem reportagens que ligassem os dois casos. Informações há de sobra, inclusive em relação ao caso João Hélio, já que novos fatos continuam a aparecer sobre o crime, mostrando que suítes podem ser feitas pela imprensa.
O que a jovem motorista tem de importante para ter seu caso amenizado? O que a menina Beatriz não tem para receber o apelo da comunidade, tampouco da sociedade? Por que a motorista, maior de idade, não teve seu nome divulgado? O que seu ato criminoso não tem de características noticiáveis para ser mencionado amplamente pela imprensa?
Assim como o fato envolvendo a morte de João Hélio, possivelmente outras situações semelhantes tenham ocorrido, sem, contudo, serem noticiadas pela imprensa. Igualmente sobre a notícia divulgada incansavelmente pela imprensa sobre a morte de Isabella Nardoni, infelizmente muitos outros casos semelhantes aconteceram pelo país, sem que recebessem notabilidade como o crime contra a menina.
Atenção da imprensa
O problema é que a imprensa continua a criar estereótipos. O pobre é mais criminoso do que o rico, que recebe regalias, exceto nos casos em que a própria imprensa deseja delatar os fatos, como foi o caso Isabella (pertencente a família de classe média) e o ato criminoso praticado por Suzane Von Richthofen (de classe abastada) e seus comparsas. Nas demais situações, o suspeito pelo crime, se pertencente à classe social baixa, não tem ao menos o direito de exigir que seu nome não seja divulgado.
O que se quer aqui não é defender os assassinos de João Hélio, mas sim, apresentar as várias ações demagógicas provocadas pela mídia. Em uma de suas definições, demagogia significa conduzir a sociedade a falsas situações. Ou seja, a menina Beatriz não recebeu importância pela imprensa, assim como inúmeras crianças vítimas de violência pelo resto do país.
Só é considerado importante para se noticiar aquilo que convém aos olhos da imprensa demagoga. E qual a importância de noticiar o fato? Muitos fatores podem ser apontados, inclusive o de exigir justiça contra as atrocidades cometidas. Mas nem todos os casos merecem justiça, se analisarmos por essa ótica.
Talvez se o menino João Hélio não tivesse morrido seu caso não viesse à tona. O mesmo para o fato envolvendo a menina Isabella. Só o sensacionalismo, o espetáculo, o insólito é que recebem real atenção da imprensa. O resto é só o resto.
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Jornalista, Florianópolis, SC