Quase todos os países da América Latina perderam posições, entre 2002 e 2009, no ranking mundial da liberdade de imprensa elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF). Relatórios de outras entidades, como a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, serão divulgados em breve e também devem mostrar a multiplicação de ameaças à livre expressão na região.
Fechamento de emissoras de rádio e televisão, projetos de lei para restringir a ação de meios de comunicação, censura, agressões e até assassinatos de jornalistas marcam o panorama da imprensa em países que, apesar do caráter formal de sua democracia, ainda convivem com arbitrariedades quando o que está em jogo é a livre circulação de informações.
Dos países latino-americanos, somente o Haiti subiu no ranking da Repórteres Sem Fronteiras entre o primeiro e o mais recente levantamento feito pela organização. Para atribuir a posição de cada país, a entidade leva em conta episódios de violência contra jornalistas (como ameaças, detenções, agressões físicas e assassinatos) e órgãos de imprensa (censura, assédio governamental, pressões econômicas). São levados em conta não apenas abusos atribuídos a agentes do Estado, mas também a milícias armadas, organizações clandestinas e grupos de pressão.
Segundo Benoît Hervieu, responsável pelo escritório das Américas da RSF, uma variação de até 10 posições no ranking pode não ser significativa – às vezes um país perde posições não porque ficou pior, mas porque outros melhoraram. Ainda assim, o cenário é de deterioração generalizada: 16 dos 20 países tiveram quedas superiores a 10 posições.
Cinco dos sete maiores tombos no ranking ocorreram em países marcados pela influência de Hugo Chávez, presidente da Venezuela, país que caiu 47 posições desde 2002.
‘Não é nada bom o caminho que as Américas estão seguindo’, disse Robert Rivard, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), ao comentar o grau de tensão entre imprensa e governos. Rivard também citou países sob a órbita chavista, como Bolívia, Nicarágua e Equador, como focos de preocupação. A situação de Honduras, que já era vista pela SIP como problemática quando Manuel Zelaya – um aliado de Chávez – estava no poder, piorou após o golpe que derrubou o presidente.
Mas o dirigente da SIP também destaca o agravamento da situação no México, por conta da corrupção e da violência do crime organizado, e na Argentina, país-sede da assembleia que a SIP promove até a próxima terça-feira.
A relação entre o governo argentino e o grupo midiático Clarín é marcada por ataques mútuos desde 2008, quando o casal Cristina e Néstor Kirchner – presidente e ex-presidente, respectivamente –, acusou a imprensa de favorecer os fazendeiros que promoviam greve contra um aumento de impostos. Em setembro deste ano, cerca de 200 fiscais do órgão responsável pela arrecadação de impostos na Argentina fizeram uma operação de coleta de documentos na sede do conglomerado, que apontou uma tentativa de intimidação – o que foi negado pelo governo.
O Grupo Clarín – que possui jornais, emissoras de rádio e televisão e explora os principais serviços de TV a cabo no país – também foi o principal prejudicado com a aprovação de uma lei de radiodifusão que impõe a desconcentração da propriedade de meios de comunicação.
A SIP, que tem jornais do grupo Clarín entre seus associados, considerou a lei ‘revanchista’. Já a RSF apoiou a desconcentração dos meios de comunicação – no ranking da entidade, a Argentina caiu por outros motivos, como a violência contra jornalistas no interior do país.
Ataques
Na Bolívia e no Equador, como na Venezuela, o tom beligerante dos governantes em relação à imprensa é usual. O presidente equatoriano, Rafael Correa, já chamou uma jornalista de ‘gordinha horrorosa’ durante um evento público. Correa também provocou polêmica ao propor uma lei para regulamentar a imprensa. Após protestos de entidades internacionais, o governo admitiu submeter o projeto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
O boliviano Evo Morales disse, no final do ano passado, que ‘só 10% dos jornalistas são dignos’. Morales acusa a imprensa de estar a serviço das ‘oligarquias’. Mas as reações a seus métodos não vêm apenas dos setores empresariais. ‘Depois de resistir a tentativas de controle por parte da direita, agora vemos com pesar que um partido que chegou ao poder encarnando as aspirações de setores populares utilize os mesmos métodos e argumentos do fascismo para tentar domesticar os trabalhadores da imprensa’, declarou, em manifesto lançado em março, o principal sindicato de jornalistas da Bolívia.
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Violações à livre expressão crescem na Venezuela
Nos primeiros nove meses de 2009, a Venezuela teve 165 casos de violação à liberdade de expressão, segundo relatório divulgado recentemente pela ONG Espacio Público. É como se o direito de informar e ser informado fosse violado a cada 40 horas no país governado pelo presidente Hugo Chávez.
Para Débora Calderón, uma das coordenadoras da entidade, os números revelam o agravamento da situação. ‘Em 2009, o número de casos até setembro já supera o registrado em todo o ano passado’, afirmou.
Entre os casos considerados mais graves está o anúncio, feito pelo governo, de que as concessões de 240 emissoras de rádio serão revogadas. (Daniel Bramatti)
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SIP acusa governos de agir contra imprensa
Ariel Palacios # reproduzido do Estado de S.Paulo, 9/11/2009
‘Sob assédio’ foi a expressão usada ontem pelo presidente da Sociedade Interamericana da Imprensa (SIP), o colombiano Enrique Santos, para explicar o estado da liberdade de expressão em vários países das América Latina. Na sequência, durante a terceira jornada da 65ª Assembleia-Geral da SIP, em Buenos Aires, o argentino Bartolomé Mitre, presidente do centenário jornal La Nación e diretor do comitê anfitrião do evento, ressaltou que a situação regional é ‘deprimente’ e os jornalistas e as empresas de mídia transformaram-se em alvos de ‘irracionais agressões’. Ainda segundo Mitre, diversos governos ‘apelam a qualquer recurso para intimidar ou silenciar o jornalismo livre’.
Gonzalo Marroquín, vice-presidente da SIP, diretor do jornal Prensa Libre, da Guatemala, alertou para a tendência ‘muito perigosa’ existente atualmente na América Latina de ‘legislar contra a imprensa’. Ele apontou para um cenário que considera perigoso, com ‘governos autoritários’ que desejam ‘se perpetuar no poder’. Para atingir esse objetivo, ‘tentam controlar a mídia’.
Assassinatos
O presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa, Robert Rivard, do jornal americano San Antonio Express News, destacou que havia muitos anos a liberdade de imprensa não passava ‘por um semestre tão complexo’. Citou que 16 jornalistas foram assassinados no período – oito no México, três em Honduras, dois na Guatemala, dois na Colômbia e um El Salvador.
Os assassinatos, explicou Rivard, ocorreram em um contexto de crescimento do crime organizado, ao lado de campanhas contra a imprensa, conduzidas por chefes de governo.
Nesse cenário, de acordo com os palestrantes, a Venezuela aparece como o país mais problemático. O governo do presidente Hugo Chávez, no relatório preliminar apresentado por David Natera, presidente do Bloco de Imprensa Venezuelano, ‘continua deteriorando a liberdade por intermédio de agressões legais, judiciárias e físicas contra meios de comunicação e jornalistas independentes como parte de uma estratégia que avança na imposição de um regime comunista, militarista e totalitário’.
De acordo com Natera, desde que chegou ao poder, há dez anos, Chávez fechou 34 estações de rádio e prometeu fechar outras 240.
Durante a reunião também foi comentada a situação da Argentina. Na madrugada de sábado (7/11), integrantes do sindicato dos caminhoneiros, aliado da presidente Cristina Kirchner e do seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner, bloquearam o acesso às gráficas dos jornais La Nación e Clarín – o que foi considerado um ataque à sua circulação.
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Jornalista