O último painel do 33º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em São Paulo ao longo da última semana, ficou sem seu personagem principal. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, foi um dos convidados para discutir a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação. A expectativa sobre a participação do ministro estava relacionada à possibilidade de o principal representante do governo na área romper o silêncio do Executivo em relação à proposta. O não comparecimento de Hélio Costa, se não pode ser considerada uma posição definitiva, dá claros indícios sobre a falta de disposição do governo federal para levar a cabo tal empreitada.
‘A ausência do Hélio Costa significa uma retração do governo em relação a esta conferência, bancada pelos movimentos sociais’, criticou o mediador da mesa e 1º vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Celso Schröder. Desde que a iniciativa entrou na agenda pública como uma reivindicação das entidades que lutam pela democratização da comunicação, houve por parte de membros do governo federal declarações dispersas, algumas simpáticas e outras descrentes sobre a realização da Conferência, mas nunca uma posição definitiva.
O clima de descrença foi ampliado pela aposta de outro convidado para a mesa do debate, o professor da Universidade de Brasília Murilo César Ramos. ‘A conferência, nos moldes tradicionais, não vai acontecer. O governo não vai fazer conferência, isso é assunto do Legislativo. Isso é desafio nosso, como fazer conferência do jeito que queremos.’ Ramos atribuiu a certeza a informações obtidas de altos membros do governo em 2007.
Discussão pública
O representante da Fenaj relativizou a fala do acadêmico, sugerindo que ela refletia uma posição governamental em um determinado momento, mas que ainda não se poderia falar em uma decisão fechada neste sentido. ‘Costuramos este acordo de constituir uma esfera pública de debate. Isso não foi simples, foi acordado, foi negociado, e este processo nunca encontrou no governo uma resistência. Todos os contatos com ministros, com Luiz Dulci e com Hélio Costa, foram no sentido de que [a Conferência] aconteceria’, disse Schröder, afirmando ainda que o que ocorreu a partir do final de 2007 foi uma desmobilização.
Segundo ele, houve uma articulação junto a diversos atores para cobrar uma posição do Executivo, movimento que teria contado inclusive com a concordância de membros da equipe de Lula em diversos momentos. Paulo Tonet Camargo, representante da Associação Nacional de Jornais (ANJ), também convidado da Fenaj para o debate, confirmou. ‘Nós fomos ao governo junto com o FNDC [Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação] dizer que queremos a conferência’, afirmou.
Segundo o dirigente sindical, seria um equívoco muito grande se o governo sinalizasse em uma direção e tomasse outra decisão. Isso manteria, acrescentou, o histórico de interditar o debate público sobre as políticas de comunicação no Brasil. Para Schröder, a conferência iria exatamente na direção oposta, abrindo um processo de discussão pública, ampla e democrática sobre a área.
Se os indícios se concretizarem e o governo se recusar a viabilizar a conferência, uma saída seria a organização desta iniciativa no âmbito do Parlamento. ‘Se não der, tentemos pelo Congresso’, propôs Schroder.
Objetivos da conferência
O representante da ANJ, Paulo Tonet Camargo, também defendeu a realização da conferência. ‘Ela é necessária, mas para entrar todo mundo e discutir tudo. E talvez pelo fato da conferência ter que discutir tudo, é que tem gente que não quer fazer’, analisou.
O ‘tudo’ dito por Camargo envolve principalmente a nova conformação das comunicações brasileiras com o cenário de convergência midiática, em especial a perda de audiência e de participação econômica dos meios tradicionais (impressos e rádio e televisão) em relação aos novos serviços como internet e telefonia celular. Segundo ele, a chegada dos grupos de telecomunicações no setor de conteúdo traz o risco do domínio do capital estrangeiro sobre os produtos culturais vistos, lidos e ouvidos pelos brasileiros.
‘Nós chegamos a um momento novo para todo mundo, novo para o jornalismo, para as empresas, em que todos nós estamos tomados de perplexidade. Duas empresas do Brasil vão ter monopólio da banda larga, uma nacional e uma estrangeira. E vão cobrir todos os domicílios brasileiros. Sabe o que vai acontecer com as emissoras de rádio e TV? Vão para o lixo’, indicou, em previsão catastrofista, o representante da ANJ.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Romário Schettino, criticou a posição de que o problema seja apenas a ameaça do capital estrangeiro e lembrou que a entrada de agentes estrangeiros no mercado de conteúdo foi obra dos próprios empresários brasileiros, que pressionaram governo e Congresso pela aprovação da emenda constitucional que permitiu a presença de até 30% de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas. O foco, defendeu Schettino, não deveria estar na disputa entre capitais, mas no atendimento ao interesse público. ‘Temos que discutir a democratização da comunicação com participação popular. Se isso não puder ser contemplado pelas diversas posições, a conferência não deve acontecer’, afirmou.
Organização plural
O professor Murilo Ramos apontou que, assim como no caso dos meios tradicionais, para as novas mídias a questão central continua sendo a regulação do setor de comunicações. ‘O que tem que ser colocado é a questão do controle público. A pauta da convergência não é totalmente nova, ela tem que levantar a bola da regulação autônoma, o modo que existe para que o Estado possa exercer seu papel sobre setores econômicos’, argumentou.
Para Ramos, a conferência deve se ater sobre as últimas transformações nas comunicações e o crescente papel que novas formas de tráfego de dados têm assumido, em especial a banda larga. Mas isso deve ser feito à luz da revisão do capítulo constitucional sobre a comunicação social para potencializar conquistas democráticas e reverter a excessiva permissividade em favor dos meios comerciais na legislação. ‘Uma pauta central que deveria estar neste processo de conferência é o direito à comunicação, que é abstrato e pode se tornar concreto quando abre possibilidade de outras vozes’, defendeu.
Ao final do debate, o Congresso Nacional dos Jornalistas aprovou uma extensa resolução reiterando a importância da realização da Conferência Nacional de Comunicação e colocando como tarefa da categoria dos jornalistas ampliar a mobilização para pressionar o governo pela sua convocação. A resolução defende ainda que a organização do processo não se dê somente por parte do Executivo, mas em um espaço com presença da sociedade civil e do segmento empresarial.
******
Do Observatório do Direito à Comunicação