Alguns leitores fazem reparos ao comentário postado neste Observatório na quinta-feira (26/4), sobre as notícias de recrudescimento da violência no estado de São Paulo e em sua região metropolitana (ver “Notícias da violência”). Trata, de fato, de assunto que costuma mover opiniões radicais, como a do cidadão que defende a pena de morte ou daquele que repete o mantra do ex-governador Paulo Maluf, que colecionou correligionários por muitos anos com a promessa de “colocar a Rota na rua” (menção às Rondas Ostensivas Tobias Aguiar, unidade de elite da Polícia Militar paulista).
Essa expressão, aliás, foi usada por um dos participantes da homenagem prestada à cúpula da polícia paulista, e ao prefeito Gilberto Kassab, por representantes de moradores do Jardim Europa, conforme citado pela Folha de S.Paulo no mesmo dia 26. Para muita gente, combater a violência é “colocar a Rota na rua”, ou seja, aplicar contra a violência social a violência policial.
Já é mais do que tempo de a imprensa brasileira colocar uma lente sobre esse problema social que, contra muitas teorias bastante populares entre pensadores de esquerda, persiste em se agravar mesmo no cenário de redução das desigualdade de renda, do fenômeno da mobilidade social e do ambiente de otimismo com as possibilidades da economia nacional.
Solução policial
Se a miséria se reduziu significativamente em todo o país na última década, se vivemos praticamente em pleno emprego, se o aparato de segurança conta com mais tecnologia e mais inteligência estratégica e se os programas de urbanização das comunidades desorganizadas também avança, o que pode estar produzindo esses saltos nos indicadores de violência, especialmente naqueles que se referem a homicídios, estupros e outros atentados contra a vida humana?
Talvez a questão esteja em outro campo que não o da criminalística. Coincidentemente, pode estar em alguns dos campos agregados ao estudo da comunicação, especialmente os núcleos teóricos derivados da psicologia, da sociologia e da antropologia.
O conceito bastante consolidado da comunicação como um campo interdisciplinar de pesquisas pode abrir perspectivas inovadoras para os jornalistas interessados em analisar os fenômenos sociais que são objeto de suas atividades profissionais. Por exemplo, é necessário sair da perspectiva prevenção-repressão e avançar na análise dos vínculos sociais, dos campos de relacionamento e até mesmo do papel da imprensa na construção ou deterioração desses aspectos estruturais da sociedade.
A oscilação dos indicadores de agressões aleatórias, associadas a fatos circunstanciais como desentendimentos no trânsito ou conflitos familiares, remete à hipótese de que a questão da violência não tenha uma relação direta com segurança pública. Além disso é preciso ter em conta que não existe a possibilidade de o Estado assegurar a incolumidade dos cidadãos em um grau razoável.
Aceitar que a única solução é policial significa dizer que não há solução. É preciso, portanto, pesquisar as causas prováveis desse fenômeno, a começar pela questão dos vínculos sociais.
Imagens que violentam
O surgimento de uma nova “classe média”, seja qual for o critério adotado para mensurar esse agrupamento social, deveria induzir a uma valorização maior da vida e dos símbolos de bem estar, e não ao contrário. A menos, é claro, que juntamente com o processo econômico que produziu a mobilidade social se tenham desgastado os vínculos sociais.
E é nesse ponto que a imprensa pode contribuir não apenas para a compreensão do problema e suas múltiplas nascentes, mas também pode fazer parte de processos eficientes para sua mitigação.
Pode-se começar com iniciativas simples, como, por exemplo, alterar o conteúdo predominante nos produtos de mídia dirigidos às camadas menos favorecidas da população. Observe-se qualquer banca ou quiosque em qualquer cidade brasileira de grande ou médio porte, e se poderá constatar a imensa carga de imagens e mensagens de todos os tipos que remetem a uma visão conflituosa das relações sociais. Na sua maior parte, esses títulos chamados “populares” pertencem a empresas que publicam também os mais respeitados veículos de comunicação de todo o país.
Uma atenção especial ao que fazem os donatários das concessões de TV e rádio, então escancara o abismo que existe entre o jornalismo responsável e a plena delinquência.
Não devemos esquecer que, no limite, podemos ter até mesmo programas “jornalísticos” desse tipo que produzem seus próprios crimes para garantir a exclusividade de “notícias” de violência, como aconteceu em Manaus há pouco tempo.
Não se está aqui a dizer que na rotina a imprensa produz violência. Apenas é preciso pontuar que a falta de disposição para compreender o problema em sua complexidade ajuda a perpetuá-lo.