A todo momento nos deparamos com este aviso. No elevador, no supermercado, no banco… Vigilância quase 24 horas por dia. Mas não bastassem os sistemas de segurança espalhados por nosso dia-a-dia, um outro tipo de câmera virou mania: os, cada vez mais sofisticados, telefones celulares. É só algo de diferente acontecer para que eles surjam, como que por mágica, espalhando seus cliques a torto e a direito.
Lembra daquele tempo em que telefone era patrimônio? Comprava-se uma linha por uma exorbitância, ou esperava-se anos a fio para ser contemplado por um plano de expansão. Parece até que estou falando de um tempo longínquo, algo entre o mesozóico e o jurássico, mas não. Isto faz pouco tempo. Duas décadas, não mais… A tecnologia avançou, a economia do país se estabilizou e tudo mudou. Telefone virou produto descartável. Dependendo do modelo, o ladrão nem leva. Eu disse, dependendo do modelo, porque a febre do consumo tecnológico faz com que as fábricas lancem, sem parar, novos e mais modernos modelos a cada dia. Cada um mais poderoso do que o outro. Verdadeiros computadores de mão e, o que mais nos interessa neste artigo, com megapixels de sobra para que o aparelhinho, que deveria servir só para se comunicar com outra pessoa, se transforme também em câmera fotográfica e filmadora.
Big Brother
Ler o livro 1984, de George Orwell, na época em que foi lançado, pode ter sido amedrontador. A idéia de um controle central, que tudo via, era uma perspectiva nada agradável, mas, ao mesmo tempo, algo tão fantasioso e tão impensável que parecia que jamais tal profecia se tornaria real. Ledo engano, meus caros. Como citei nas primeiras linhas tem sempre uma câmera de olho em nós.
Fetiche? Talvez… Mas o fato é que não só nos deixamos ser flagrados, como temos um enorme prazer em flagrar os outros. Não fosse assim, como explicar o estrondoso sucesso do site You Tube. Milhões de vídeos postados por gente como eu ou você. Se é que você se encaixa neste perfil.
O You Tube também se tornou o pesadelo de quem vive do lado de dentro da telinha da TV. Pintou um mico, tá lá no You Tube? Uma ‘barriga’? You Tube.. Uma mancada? Idem.
Celebridades que se cuidem. O ‘Grande irmão está de olho em vocês. Se não acreditam, perguntem ao jogador de futebol Zé Roberto, do Botafogo. Ele acaba de perder 40% de seu salário por ter sido flagrado por um celular.
Para quem não teve ciência do fato, eu explico. O atacante do alvinegro carioca alegou estar muito gripado para poder deixar de viajar com o time para Recife, onde o Botafogo jogaria com o Sport pelo campeonato brasileiro. Mas, ao invés de ficar em casa, convalescendo, decidiu embarcar para Salvador para, segundo ele, se encontrar com a família. Só que o que seria apenas um caso de indisciplina se agravou quando surgiu, no site de relacionamentos Orkut, um vídeo do jogador em uma boate da capital baiana. Do site para os ouvidos da diretoria do clube foi um pulo. E daí para uma punição, outro pulo igual.
Uma notícia em foco, uma câmera na mão
Vejam bem, não sou nem um pouco contrário a esta produção absurda de imagens. É uma conseqüência natural dos recursos hi-tech que nos oferecem. Uma câmera por perto é sempre muito útil e a sociedade já se deu conta disso. Basta repararmos com um pouco mais de atenção os nossos telejornais. Flagrantes que antes eram feitos por cinegrafistas amadores, hoje são substituídos por imagens feitas por telefones celulares. A má qualidade é suplantada por seu interesse jornalístico. E o telespectador já percebeu isso. Ao menor sinal de um fato que possa ser notícia, ele já está de câmera, ou melhor, de celular em punho.
Foi assim na recente tragédia do vôo 3054 da TAM. Foram vários os registros feitos por celulares de testemunhas do acidente, que chegaram ao local bem antes de qualquer meio de comunicação. Imagens que surpreendem pela presença de espírito destes ‘cinegrafistas telefônicos’ e que foram utilizadas por diversos telejornais e sites.
Por sinal, os sites de informação chegaram mesmo a convocar estes repórteres amadores a enviarem fotos, vídeos e informações para ‘engrossar’ a cobertura. Uma atitude inovadora e ao mesmo tempo preocupante.
A contribuição destes colaboradores reforça o perfil interativo do jornalismo na Internet, mas também abre uma discussão ética sobre a adoção do material produzido por essas pessoas como conteúdo jornalístico.
Como todo fato novo, este também merece uma reflexão mais aprofundada. Mas isto deixo a cargo de outros colaboradores mais experientes deste Observatório.
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Editor-executivo do Observatório da Imprensa na TV