A decisão do Supremo Tribunal Federal de tarde e a reação da mídia eletrônica na quinta-feira (10/12) à noite não poderiam ser piores. Ao extinguir o recurso apresentado pelo Estado de S. Paulo sem julgar o mérito da questão da censura, seis ministros da suprema corte – incluindo o seu presidente, Gilmar Mendes – novamente mostraram à sociedade brasileira o seu total alheamento das questões relativas à imprensa.
Não estão sozinhos, pois a resignação da maioria dos telejornais noturnos e dos portais de notícias da internet mostra que também alguns jornalistas não estão empenhados em defender a liberdade de expressão (a honrosa exceção ficou por conta do jornal da TV Cultura).
A alegação do relator Cesar Peluso foi absolutamente formalista, como se uma cláusula pétrea da Constituição não estivesse sendo mutilada. Nada impede que um magistrado considere descabida uma reclamação, faz parte do seu repertório de opções. Mas o ministro-relator entrou no mérito da questão ao afirmar que não se tratava de uma ‘censura judicial’. Foi mais longe ao afirmar categoricamente que ‘a liberdade da imprensa não é absoluta’.
É sim, Meritíssimo, a liberdade de imprensa é absoluta. E, se o ministro Peluso acha que o tribunal não deve entrar no mérito da questão, não deveria tecer considerações sobre a censura imposta ao Estadão há 133 dias.
Direito concedido
Carlos Ayres de Brito – seguido por Carmen Lúcia e Celso de Mello – acha que ‘nenhuma lei poderá conter dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de expressão’. Estão certos, mas são minoria.
A verdade é que esta nova decisão do STF ao invés de esclarecer a sociedade, fez justamente o contrário: aumentou a confusão.
Aliás, em matéria de imprensa, o STF tomou neste ano três decisões precárias e perigosas. Quando decidiram extinguir integralmente a Lei de Imprensa os ministros não repararam que deixaram em aberto a questão crucial do direito de resposta. Quando decidiram extinguir a exigência do diploma para o exercício do jornalismo os ministros aceitaram a tese de Gilmar Mendes, segundo a qual o jornalismo não era uma atividade específica, e com isso acabaram com a profissão de jornalista que existe há milênios.
Agora, a maioria do plenário acolhe esta solução simplista: já que a reclamação do Estadão foi indevidamente apresentada, fica mantida a ilegalidade da censura prévia.
E assim concede-se à família Sarney o direito de decidir o que a imprensa brasileira pode ou não pode publicar.
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STF rejeita recurso e censura ao Estado continua em vigor
Mariangela Gallucci e Felipe Recondo # reproduzido do Estado de S.Paulo, 11/12/2009
O Supremo Tribunal Federal (STF), por 6 votos a 3, arquivou ontem [10/12] a reclamação em que os advogados do Estado pediam o fim da proibição ao jornal de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, que investigou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Com isso, fica mantida a censura imposta no fim de julho pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DF). A mordaça ao Estado, que vai recorrer, já soma 133 dias.
A maioria dos ministros – numa decisão que discutiu aspectos técnicos e não o mérito – não concordou com a tese defendida pelos advogados do jornal, de que a censura desrespeita a decisão do próprio Supremo que derrubou a Lei de Imprensa e consagrou o pleno direito à liberdade de expressão. Naquela decisão, tomada em abril deste ano, há referência explícita contra a censura imposta pelos Poderes estatais, como o Judiciário.
‘Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário’, diz o texto publicado no Diário da Justiça. A Lei de Imprensa que vigorou até o julgamento de abril era um documento legal do tempo do regime militar (1964-1985).
Interceptações
Apesar de ter decidido dessa forma neste ano, ontem [10/12] a maioria dos ministros do STF afirmou que o resultado do julgamento sobre a Lei de Imprensa não poderia ser aplicado ao caso do Estado. De acordo com a ala do Supremo vencedora no julgamento de ontem, a decisão judicial do TJ-DF de censurar o jornal baseou-se na Constituição e na legislação que trata de interceptações telefônicas. Portanto, não haveria referência à Lei de Imprensa e ao julgamento de abril do STF. Por esse entendimento, não caberia reclamação ao Supremo por suposto desrespeito à decisão da corte.
Reclamação é um recurso usado quando uma decisão do STF é descumprida por um magistrado ou outro tribunal. No caso, entra-se no Supremo com uma reclamação para fazer valer a decisão que a corte tomou sobre o tema.
O voto vencedor do julgamento foi dado pelo vice-presidente do STF e relator do caso, ministro Cezar Peluso, que arquivou sem discussão do mérito a ação apresentada pelo Estado. ‘A decisão ora impugnada não tangencia sequer aspectos da Lei de Imprensa’, afirmou Cezar Peluso durante o julgamento. Votaram com Peluso os ministros Eros Graus, José Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Ricardo Lewandowski.
Além de concordar com a argumentação técnico-jurídica de Peluso, o presidente do STF, Gilmar Mendes, disse que a honra e a intimidade, citados por Dácio Vieira para impor a censura ao jornal, têm de ser preservadas. ‘Se é inviolável a honra e a intimidade, é preciso que isso tenha alguma consequência. Esses valores são invioláveis. E o que é inviolável não é para ser violado’, afirmou.
‘Visões autoritárias’
Primeiro ministro a votar pela derrubada da mordaça imposta ao Estado, Carlos Ayres Britto lembrou que ao declarar o fim da Lei de Imprensa, em abril, o tribunal levou em conta dispositivos da Constituição que vedam a censura prévia à mídia, às manifestações e às publicações. A ministra Cármen Lúcia e o decano do STF, Celso de Mello, acompanharam Ayres Britto.
Para Celso de Mello, é profundamente grave e preocupante que ainda remanesçam no aparelho de Estado ‘visões autoritárias’ que buscam justificar a prática da censura a publicações em geral. Ele lembrou que no dia 13 serão rememorados os 41 anos da data em que o marechal Artur da Costa e Silva, segundo presidente do regime militar, impôs ao País o Ato Institucional nº 5, o AI-5. ‘O passado deve ser respeitado pela corte, pelos magistrados e pelos tribunais’, afirmou Celso de Mello. ‘O poder geral de cautela é o novo nome da censura em nosso país.’
Alternativas
De acordo com ministros do STF, o jornal ainda pode questionar a censura por meio de outros instrumentos que não sejam a reclamação. Um dos ministros afirmou que a solução do caso, seguindo esse caminho, certamente vai demorar.
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STF começa a debater tutela judicial sobre imprensa
Reproduzido do Estado de S.Paulo, 11/12/2009
Durante o julgamento de ontem, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) anteciparam o debate sobre o poder do Judiciário de impedir a publicação de jornais, livros e revistas para impedir a violação de direitos individuais. Dois dos ministros adiantaram o entendimento sobre o assunto. O presidente do STF, Gilmar Mendes, foi enfático ao dizer que os juízes podem impedir a publicação de matérias jornalísticas, por exemplo, caso o assunto viole a intimidade ou honra de alguém.
Mendes citou um episódio ocorrido em 1994 envolvendo a Escola Base, que funcionava no bairro paulistano da Aclimação, em São Paulo. A escola teve de ser fechada depois que os donos e funcionários foram apontados por um delegado como suspeitos de abusar sexualmente dos alunos.
‘Se tivesse havido naquele caso uma intervenção judicial, infelizmente não houve, que tivesse impedido aquele delegado, mancomunado com órgão de imprensa, de divulgar aquele fato, aquela estrutura toda escolar e familiar teria sido preservada. E não foi’, disse Mendes.
O ministro Eros Grau concordou com a tese. ‘O juiz está limitado pela lei. O censor não está limitado por lei alguma. Aí não há censura. Há aplicação da lei. Aqui não estamos falando em censura. Estamos falando na aplicação da Constituição pelo Poder Judiciário’, afirmou o ministro ao tratar do processo protocolado pelo Estado.
O ministro Carlos Ayres Britto, que relatou o processo que culminou na extinção da Lei de Imprensa, disse que o Judiciário não pode censurar prévia ou posteriormente a publicação de matérias. ‘Não há no direito brasileiro norma ou lei que chancele poder de censura à magistratura’, declarou.
Decano do STF, o ministro Celso de Mello afirmou que desde o Império as Constituições brasileiras vedavam a censura, com exceção do governo ditatorial de Getúlio Vargas e dos governos militares. Ele lembrou que há 41 anos era baixado o Ato Institucional número 5, que suspendeu diversos direitos no Brasil e permitiu a censura prévia, inclusive em caráter administrativo. ‘O poder de cautela é o novo nome da censura no nosso País’, criticou.
O próprio relator da reclamação, Cezar Peluso, que votou contra o pedido do Estado, admitiu que estranhava o fato de o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ter mantido a liminar que impede a publicação mesmo depois de ter afastado o desembargador Dácio Vieira da relatoria e transferido o caso para a Justiça Federal no Maranhão.
‘Não há, por fim, lugar para estima da legitimidade do trâmite processual da causa, embora admire, à primeira vista, a manutenção de liminar concedida por magistrado afastado por suspeição em acórdão do tribunal que se declarou absolutamente incompetente para o feito, ao avistar conexão entre o objeto do agravo de instrumento e a decisão de quebra de sigilo telefônico emitida por juiz federal do Estado do Maranhão’, afirmou Peluso. Ao final, porém, negou o pedido do jornal.
Os outros ministros não se manifestaram sobre o tema. O ministro José Antonio Dias Toffoli, por exemplo, afirmou que seu voto limitou-se a analisar se a decisão do Tribunal de Justiça desrespeitava julgamento do STF ao analisar a Lei de Imprensa.
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STF mantém censura a O Estado de S. Paulo
Reproduzido da Folha de S.Paulo, 11/12/2009
Sem entrar no mérito e utilizando um argumento técnico, o STF (Supremo Tribunal Federal) rejeitou ontem o pedido do jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, cujo principal investigado é Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
O tribunal manteve, por 6 votos a 3, a decisão do TJ (Tribunal de Justiça) do Distrito Federal, que 133 dias atrás proibiu o jornal de veicular trechos do inquérito e dos grampos.
A Boi Barrica, depois rebatizada de Faktor, investigou a atuação de Fernando Sarney no setor elétrico. Série de reportagens da Folha neste ano revelou que o filho do senador afirmava ajudar o pai a ‘atacar’ o setor e de nomear ‘quem quisesse’ no Senado, além de interferir na agenda de trabalho do ministro de Minas e Energia. Em 2008, Fernando foi indiciado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ele nega todas as acusações.
Numa ação juridicamente chamada ‘reclamação’, O Estado alegou que o veto desrespeitara a decisão do STF quando este derrubou a Lei de Imprensa – naquele julgamento, o STF afirmou que os meios de comunicação não podem sofrer nenhum tipo de restrição, nem mesmo pelo Judiciário.
Ontem [10/12], a maioria dos ministros entendeu que os advogados do jornal utilizaram o mecanismo errado para contestar a proibição. Cezar Peluso, relator do caso, argumentou que a reclamação só poderia ser usada se, para determinar a proibição, o juiz do TJ-DF tivesse utilizado como base a Lei de Imprensa, o que não ocorreu.
No final de abril deste ano, o STF revogou toda a Lei de Imprensa (5.250/67), um conjunto de regras criado na ditadura militar (1964-1985) que previa atos como a censura, a apreensão de publicações e a blindagem de autoridades contra o trabalho jornalístico.
Em julho, o desembargador Dácio Vieira concedeu uma liminar proibindo o jornal O Estado de S. Paulo de publicar notícias sobre a Boi Barrica, utilizando o argumento de que a veiculação de tais informações feriria garantias constitucionais, além de violar a Lei de Interceptações Telefônicas.
‘A decisão [do TJ-DF], diante do dispositivo constitucional da liberdade de imprensa, utilizou outros dispositivos constitucionais que protegem a honra e a privacidade para limitar a publicação. Este tema foi objeto da decisão do Supremo? Não’, afirmou Peluso.
O relator foi acompanhado pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, e pelos ministros José Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Ellen Gracie e Eros Grau. Mendes e Eros afirmaram que a decisão do TJ não configurava censura, mas uma decisão de caráter individual de um magistrado com base em legislações existentes.
Os ministros Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia e Celso de Mello entenderam diferente. Para eles, a proibição de veicular informações é censura prévia. ‘O poder de cautela do Judiciário é o novo nome de censura’, disse Mello.