Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Teledomingo adapta 64

A outra face da verdade. Assim o TeleDomingo de 21/3, da RBS, denominou a matéria sobre os 40 anos do golpe militar de 1964. Essa chamada serviu como desculpa para o floreio de inverdades e adaptações da realidade mostradas na reportagem. Desde o início, o golpe foi retratado como um movimento de resposta ao suposto caos que ameaçava se instalar no Brasil no governo do presidente João Goulart. Outra justificativa seria a expansão do comunismo mundial, que poderia chegar ao país através da influência dos sindicatos e movimentos populares. Esse é o discurso dos militares reformados. Um entrevistado foi o general da reserva Pedro Américo Leal, atualmente vereador em Porto Alegre. As declarações do parlamentar foram cobertas com extensa pesquisa de arquivo mostrando o crescimento vermelho e a explosão de greves acontecidas em 1963.

Seguindo na adaptação da história, os jornalistas tentaram caracterizar a resistência ao golpe como um movimento terrorista e criminoso, gerando uma reação válida do governo. O fato conhecido de que a luta armada começou após o AI-5, em 1968, e se intensificou de acordo com o endurecimento da repressão, não apareceu. A luta pacífica dos parlamentares do MDB e a censura à imprensa não foram citadas. A tortura surgiu como ação de extremistas desgarrados do espírito geral do regime. Segundo a reportagem, não houve conhecimento ou comando dos líderes nas ações bárbaras dos porões.

Enquanto isso o Brasil crescia a mais de 10% ao ano. O chamado Milagre Econômico não recebeu contextualização. Não foi exposta a política de endividamento internacional do país, que hoje cobra seus juros na miséria endêmica dos brasileiros. As cicatrizes do movimento militar de 1964 ainda estão abertas. Muitas famílias de presos políticos ainda procuram os corpos de seus parentes. No aniversário de 40 anos do golpe, não é possível passar por cima da história.

Não é possível mostrar apenas um lado da história e adaptar os fatos. O jornalista precisa estar atento aos perigos da parcialidade. Quando se trata de história, a verdade precisa estar presente. No golpe de 64 estão claros os papéis de vítimas e algozes. Os militares não podem nem por um minuto ser apresentados de outro modo a não ser como usurpadores da democracia e das liberdades do povo brasileiro. A Argentina e o Chile sofreram ditaduras e tiveram a capacidade de responsabilizar e punir os autores dos desmandos.

No Brasil, a anistia deu guarida a ditadores e torturadores como meio de facilitar a redemocratização. Já que escaparam dos braços da lei, os autoritários brasileiros devem ao menos ser responsabilizados pela sociedade como autores de uma página feia da história. Papel de que mídia não pode e não tem o direito de se furtar.

Ivan Trindade, estudante de Jornalismo da PUC-RS



FBI NO BRASIL
Sordidez demais

Caro jornalista Victor Ribeiro, a respeito de seu artigo eu me pergunto: afinal, qual é o papel da imprensa? O que é esse ‘bicho’ chamado imprensa? Pergunto isso, se me permite, baseado no que vemos cotidianamente nos meios que nos transmitem informações. Se a imprensa é (deveria ser), na comunidade, aquele órgão, aquela entidade capaz de capturar um evento e difundi-lo ao resto da sociedade, sem se importar com as conseqüências da difusão de tal evento, então a imprensa há muito deixou de fazer esse papel. Digo isso porque se percebe que o conteúdo do evento é descaradamente transformado, com o intuito de causar danos mais à frente.

Ora, se os órgãos ditos de divulgação dão ênfase a um celular de bombeiro, a um picareta da jogatina e a um pagodeiro beberrão, e ainda esbravejam dizendo que o país está num marasmo, sem fazer uma análise crítica do porquê a economia brasileira entrou nessa ciranda, do porquê é muito difícil investir em infra-estrutura para escoar nossa produção, de como os contratos de privatização do sistema de energia e de telecomunicações foram feitos sem que se estimule a investigá-los, eu, sinceramente, não vejo para que serve a imprensa.

Por favor, como diz aquele outro comercial, revejam seus conceitos. Será que falar da Luma e do Zeca e tascar a borduna no Lula vai ajudar a eleição de alguém do FHC? A nossa elite, embutida na Veja e na Folha, com as bênçãos do Tio Sam, seria tão sórdida a esse ponto?

Alexandre Carlos Aguiar, biólogo, Florianópolis