O tema, realmente preocupante, está sendo objeto de exame tardiamente. Com efeito, já se alertou para o fato de que, mesmo com a liberalização efetuada pela Emenda Constitucional 36, de 2002 – que rompeu com a tradição constitucional de reservar a brasileiros o controle e a orientação intelectual das empresas jornalísticas, passando a admitir a presença do capital estrangeiro, ainda que em pequeno percentual –, ainda a concentração dos meios de comunicação recebeu tratamento diferenciado no § 6º do Artigo 220 da Constituição Federal, em que se vetou expressamente a monopolização ou oligopolização no setor, justamente pela possibilidade sempre apontada de a mídia manipular medos, apreensões e preconceitos da população, induzindo comportamentos, alterando, mesmo, padrões culturais – alteração que pode ser tanto para melhor quanto para pior, mas, em qualquer caso, tendo por referencial a disposição de ânimo de quem comanda os meios de comunicação.
Assim, o texto de Fernando Barbosa Lima e o de Alberto Dines, admiravelmente, põem os pingos nos ‘ii’. Esta preocupação já compareceu a este Observatório em outras oportunidades [ver remissão abaixo].
O próprio tema da possibilidade do abuso do poder econômico no tocante ao desenvolvimento tecnológico está a merecer um aprofundamento maior, uma vez que, pelo que me lembre, só foi mais detalhado em capítulo da tese de doutoramento da juíza de direito em Minas Gerais e ex-conselheira do CADE Ana Maria Ferraz Augusto, defendida em 1985, intitulada ‘Ciência e tecnologia em face do Direito’. E a tecnologia da comunicação, no caso, torna-se algo muito mais preocupante, justamente pela capacidade de moldar comportamentos.
Mesmo que não se aceite a tese jesuítica segundo a qual a mente do educando é um papel em branco onde Deus e o Diabo escrevem o que bem entenderem, o fato é que o homem se determina a agir com base em informações e valores. Ele, por exemplo, não entrará desarmado numa jaula com leões, mesmo que estes estejam saciados, porque sabe que é perigoso. Ele não será capaz de rasgar uma cédula de qualquer valor que seja, porque sabe que este é um dos indicativos de insanidade, no imaginário popular. O primeiro exemplo diz com informações sobre o fato; o segundo, com a valoração que se faz acerca do fato. O poder de autodeterminação de cada um, destarte, fica fortemente reduzido, insidiosamente, até que, ao final, podemos ter como verificada a situação de pesadelo descrita por George Orwell em seu 1984.
Ricardo Camargo, advogado em Porto Alegre, doutor em Direito pela UFMG