Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Terrorismo virtual ameaça jornalismo digital

A segurança do mundo virtual foi o tema do Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (6/11), exibido pela rede pública de televisão. O ataque sofrido por este Observatório na madrugada de sábado (3/11) levou o programa a refletir sobre a agressão ao jornalismo na internet e as medidas que podem ser adotadas para proteger a liberdade de expressão na web. A navegação e as funcionalidades do site só voltaram à normalidade na noite da segunda-feira.


O debate contou com as presenças do jornalista Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do colunista de tecnologia do jornal O Globo, Carlos Aberto Teixeira, no Rio de Janeiro. Em São Paulo, participou o editor de conteúdos digitais do Grupo Estado, Marco Chiaretti.


Para o jornalista Alberto Dines, o autor (ou autores) do atentado pretendia usar a violência para chamar a atenção, intimidar, por isso escolheu um site jornalístico com grande número de acessos. Dines afirmou que a única resposta para a intimidação é reagir a ela, como quando os jornais eram ‘empastelados’ no passado. ‘Silenciar equivale a fingir que nada aconteceu – é, portanto, uma mentira. O fato de o inimigo manter-se escondido não significa ausência de inimigos, significa apenas que pretendem atacar covardemente’, disse no editorial que abre o programa [ver a íntegra abaixo]. Maurício Azêdo classificou o ataque ao site como ‘brutal’ e afirmou que é necessário um estudo das formas de proteção à liberdade de imprensa na internet. O presidente da ABI comentou que é preciso coragem para enfrentar inimigos tecnológicos que se escondem sob o anonimato.


Tornar o ataque público ou escondê-lo?


Após prestar solidariedade ao Observatório, Marco Chiaretti avaliou que o site agiu de maneira correta ao defender-se e tornar públicas as agressões, mesmo correndo o risco de tornar-se alvo de outras ações do gênero no futuro. Para o editor, o atentado é um sinal do crescimento do espaço da imprensa digital. ‘Eu vejo com um certo temor que algumas pessoas se divirtam ou tenham algum interesse em atacar um site como o Observatório dentro de um portal grande [o iG], que tem sistemas de segurança eficientes’, afirmou. Chiaretti lembrou que no início da internet as invasões a sites eram diárias, e que ainda hoje é comum em sites de personalidades, setores do governo e políticos.


Carlos Alberto Teixeixa ponderou que o atentado à páginas da internet é bastante comum, mas a reação de tornar público é rara. Os sites – principalmente os que tratam com transações de dinheiro ou com tecnologia da informação – não gostam de divulgar a agressão porque acreditam que isso compromete sua imagem de segurança e confiabilidade. Já no ataque a um site de mídia digital, os hackers se arriscariam mas, por outro lado, teriam publicidade das suas ações. ‘Em sua maioria, são grupos de jovens que querem se expressar, querem deixar a sua mensagem, querem ser famosos naquele meio restrito deles’, explicou.


A tendência, para Carlos Alberto, é de aumento do número de ataques. Como os sistemas estão cada vez mais complexos e o mercado exige atualizações constantes, cada nova versão dos programas estaria sendo menos testada e analisada, possibilitando brechas para as ações dos hackers.


Um telespectador perguntou a Maurício Azêdo se a imprensa teria condições de pressionar as autoridades para que tomassem providências contra esse tipo de iniciativa. Azêdo negou que os meios de comunicação consigam exercer pressão porque a abrangência e a multiplicidade de ações criminosas na web é muito grande e o poder público não teria estrutura para fiscalizar. A responsabilidade maior seria dos provedores de acesso, que teriam como identificar os usuários e adotar as medidas restritivas cabíveis.


Carlos Alberto Teixeira explicou que é fácil a desfiguração de uma página se o sistema estiver sem proteção. Os hackers invadiriam os sites através de ‘portas’ pelas quais as informações transitam no site. O recurso para ‘trancar’ essas portas, o firewall (parede de fogo, em inglês), às vezes apresenta falhas na configuração e isso possibilitaria o ataque. Ele acredita que existe uma carência de educação técnica tanto no usuário final quanto nas equipes que fazem o suporte do site. O trabalho de repressão teria que ser contínuo. Na opinião de Carlos Alberto, os organismos de segurança não teriam recursos para inibir este tipo de crime. As leis precisariam ser revistas para se adaptarem à nova configuração técnica.


Hackers por todo o mundo


A dificuldade de identificação dos invasores também foi abordada no programa. Para Marco Chiaretti, o governo teria que contar com a ajuda dos provedores de acesso para encontrar os criminosos, pois estes usam subterfúgios como o uso de servidores em outros países para despistar. Como os grandes sites têm sistemas muito complexos, a dificuldade de criar barreiras contra invasão seria ainda maior e mais difícil encontrar os responsáveis por um ‘empastelamento virtual’.


Dines pediu para Maurício Azêdo examinar a doutrina que prega que o jornalismo impresso, por causa das inovações, seria transportado para a internet. O editor do programa questionou como isto seria possível com tantas brechas nos sistemas. ‘A palavra escrita sem necessidade de intermediação de um veículo tecnológico qualquer, como a televisão ou computador, tem uma força especial que não pode ser substituída’, avaliou Azêdo. O jornal e a revista, portanto, são insubstituíveis. O presidente da ABI acredita que seja necessária a criação de mecanismos de proteção ao jornalismo eletrônico para que a liberdade de expressão seja protegida de ‘ataques sorrateiros’.


Marco Chiaretti afirmou que a legislação brasileira pune com rigor crimes praticados pela internet – como em sites de relacionamento ou comunidades virtuais –, mas que não tem conhecimento de ações contra hackres nem na Europa nem nos Estados Unidos. Para ele, o jornalismo via digital aumentou de relevância nos últimos anos e muitos sites vinculados a empresas de mídia impressa publicam matérias em mais quentes primeiro em seus portais.


Na opinião de Carlos Alberto Teixeira, a vulnerabilidade existe para todos os sites. Os blogs também podem ser desfigurados e alterados. Os objetivos estariam mudando aos poucos: da pichação eletrônica ao interesse financeiro ou político. O colunista contou que há um mercado negro de ferramentas e serviços para hackers na internet.


Dicas para uma navegação segura


Carlos Alberto ofereceu dicas para o usuário proteger seu computador: não clicar em mensagens com links suspeitos e verificar se o e-mail de quem enviou é válido. Chiaretti reforçou que é melhor evitar abrir e-mails de desconhecidos e que navegar apenas em sites seguros.


O presidente da ABI não acredita que seja necessária a criação de um novo órgão do governo para defender os sites de jornalismo web. Para ele, já existem diversas associações que congregam as corporações, como a Associação Brasileira de Provedores de Internet (Abranet), a ABI, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e os sindicatos dos jornalistas. Devido ao caráter plural do perfil dos sites de informação, seria difícil agrupar elementos comuns e defendê-los.


Os participantes do programa concordaram que é melhor se defender do ataque falando sobre ele e não compactuar com a mentira. Maurício Azêdo observou que a tradição de jornalistas não falar sobre jornalismo e sobre colegas está mudando. Para ele, houve um avanço, mas ainda há muito egoísmo nos veículos impressos e eletrônicos.


***


Não ao silêncio e à mentira


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 441, no ar em 6/11/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


O que significa o verbo hack? Golpear, bater, quebrar. Portanto, hacker é aquele que bate, golpeia, destrói. O neologismo hackear emprega-se no mundo virtual para designar delinqüência, dolo. Há hackers que atacam para roubar e hackers que atacam simplesmente para destruir.


Foi exatamente isto que os hackers fizeram no site do Observatório da Imprensa na madrugada de sábado (3/11), em pleno feriadão. Trabalho de profissionais, planejado, tinha dois alvos estratégicos: atingir nosso sistema publicador, que permite inserção imediata de matérias, e a porta através da qual os leitores podem manifestar-se livremente.


O que pretendiam exatamente? Como todos os terroristas, pretendiam usar a violência para chamar a atenção. Por isso escolheram um site jornalístico com grande audiência. Queriam mostrar o seu poder, intimidar. Só há uma resposta à intimidação: não aceitá-la, reagir.


No passado, os jornais respondiam às ameaças, inclusive aos empastelamentos. Na era digital, a resposta deve ser idêntica. Silenciar equivale a fingir que nada aconteceu – é, portanto, uma mentira. Não aceitamos o silêncio nem a mentira. O fato de o inimigo manter-se escondido não significa ausência de inimigos, significa apenas que pretendem atacar covardemente. Uma coisa é certa: estamos de volta.

******

Jornalista