Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Trabalho doméstico, pesquisa e interpretações

As mulheres que trabalham fora, as mulheres que se dedicam exclusivamente ao trabalho doméstico, as mulheres que estão estudando e se preparando para casar, trabalhar e começar uma família já têm o que comemorar: os homens estão ajudando um pouco mais nas tarefas domésticas. Isso é o que revelaram os jornais da semana passada, com base nos resultados de uma pesquisa do IBGE, divulgada pela imprensa no sábado (18/8):

** ‘Homem ajuda mais em tarefa doméstica’ (O Estado de S. Paulo)

** ‘51% dos homens fazem tarefas domésticas’ (O Globo)

Ao ler essas manchetes, a conclusão é que a situação está melhorando: ‘Os números mostram que, em 2001, 42,6% dos homens se incumbiam desses afazeres; em 2005, a proporção passou para 51,1%’, diz o Estado de S.Paulo.

Mas, como divulgação de pesquisa depende da visão do editor designado para fazer a matéria, ao ler outros jornais descobrimos que nem tudo são flores. A Folha de S.Paulo aprofundou um pouco o assunto e mostrou que, apesar da melhora, o mundo feminino não está tão cor-de-rosa como mostram seus concorrentes. Na matéria ‘Além de ajudar pouco, homem dá trabalho’, o jornal transcreve uma parte da pesquisa do IBGE que diz: ‘Ter um homem em casa dá trabalho, independentemente do tamanho da família. Isso pode ser constatado na análise da divisão de trabalho doméstico entre casais sem filhos. Para os homens, a média de horas por semana é de 10,2. Para as mulheres, chega a 26,7.’

Ajuda, só depois de aposentados

Se tivessem dedicado mais espaço ao assunto, esses três jornais poderiam ter explicado a razão da mudança, destrinchada pelo IBGE em seu site:

No total da população masculina, observa-se, no Nordeste, a menor participação dos homens nestas tarefas (46,7%,) enquanto que, no Sul, se evidencia a maior taxa (62%). E, ainda, na população masculina, quem mais realiza tarefas em casa são os mais escolarizados (54%), enquanto que para as mulheres ocorre o inverso. Segundo o estudo, também se pode deduzir que a aposentadoria permite aos homens se dedicarem mais a estas atividades. São os homens de 60 anos ou mais de idade que dedicam maior parte do seu tempo nestes afazeres (13 horas semanais). Do lado feminino, o trabalho doméstico consome mais tempo na faixa dos 50 a 59 anos de idade, chegando a 31 horas semanais, cerca de 3 vezes mais que o tempo dedicado pelos homens de mesma idade.’

O jornal Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, foi o que melhor divulgou a pesquisa, mostrando a origem desse comportamento ao destacar na matéria ‘Divisão desigual começa na infância’:

‘O estudo divulgado ontem pelo IBGE, com base em dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) dos anos de 2001 e 2005, revelou que, de fato, a divisão desigual das tarefas entre os sexos começa cedo. Mesmo que estejam na escola (onde, a propósito, apresentam resultado superior ao dos meninos, conforme constatado em outras pesquisas) ou que já tenham começado a trabalhar, as meninas perdem muito mais tempo ajudando na cozinha e tomando conta dos irmãos mais novos. Na faixa dos 10 aos 17 anos, enquanto 47,4% dos garotos têm afazeres domésticos em sua rotina, 82,6% das garotas enfrentam a mesma situação. Enquanto as mulheres têm de lidar com o excesso de tarefas desde novinhas, os homens só passam a ajudar mais quando se aposentam, indicam ainda os dados. Antes disso, eles parecem só ter olhos para a profissão – o que não é permitido às suas parceiras.’

Está na hora…

Afinal, os homens estão realmente participando? Na opinião da professora Ana Liési Thurler, pesquisadora da Universidade de Brasília ouvida pela Tribuna, as atividades realizadas pelos homens no âmbito doméstico mantêm, nas representações sociais, a natureza de ajuda: ‘Preservamos o estereótipo sexista de que a responsabilidade pelo trabalho doméstico e parental é da mulher. Os homens continuam se reservando a possibilidade de decidir quando participar e em que tarefas vão dar uma mãozinha‘.

O que faltou dizer nos quatro jornais mencionados, ao divulgar a pesquisa do IBGE, é que depende das mulheres mudar essa situação. Está na hora de fazermos uma autocrítica e parar com essa mania de fazer tudo, e fazer muito bem. Está na hora de começar a criar os filhos ensinando que a casa é de todos e, portanto, todo mundo tem que colaborar.

Está na hora das revistas femininas reeditarem matérias como ‘O mito da mulher maravilha’, que foi tema de Claudia nos anos 1980. É o momento das revistas femininas fazerem sua parte. Além dos testes sobre desempenho sexual, relacionamentos afetivos ou forma física perfeita, que tal perguntar às mães leitoras se elas estão ou não perpetuando o mito da mulher maravilha ao tentar ser boa dona-de-casa, boa mãe e boa executiva? Está na hora das revistas femininas começarem a mostrar às mulheres que elas não têm a obrigação de ser perfeitas.

******

Jornalista