Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Transparência de piche

Chover no molhado parece ser a tônica da maximídia brasileira. Indo direto ao ponto, seguem três ou quatro observações sobre o acompanhamento da imprensa à odisséia do senador cassado João Capiberibe (PSB-AP).


Em junho de 2004, a capa da edição 87 da revista Caros Amigos trazia o senador João Capiberibe, em processo de cassação de mandato com a mulher, deputada Janete Capiberibe. Numa entrevista extensa e contundente sobre o suposto esquema armado pelo PMDB por seu adversário político, Gilvan Borges, ex-senador, conhecido por acusações de nepotismo regado a respostas cretinas, o senador comentava o fato de que as únicas provas sobre a suposta compra de votos eram os testemunhos confusos de duas mulheres que afirmavam ter recebido R$ 26 cada.


Na denúncia, o PMDB alegou soma maior, de cerca de R$ 15 mil, encontrada nas casas de correligionários do casal, mas nunca conseguiu provar que este dinheiro estava ligado à compra de votos, e não ao financiamento de propaganda de boca de urna, como alegou o PSB, sendo um crime menor que não geraria cassação de mandato. Vale salientar que o ex-senador Gilvan Borges era suplente de João Capiberibe, o que indica duplo interesse na derrota deste.


Pulga atrás da orelha


Meses depois, em setembro do mesmo ano, a Folha de S. Paulo noticiava a liminar concedida ao casal, que suspendia a decisão do TSE e garantia a manutenção do mandato até que o STF julgasse o mérito da questão. Na ocasião, a Folha traçou um retrospecto razoável sobre a acusação, mencionando tanto as acusações do PMDB quanto a alegação da defesa.


Curiosamente, agora que a cassação foi confirmada pelo STF, a Folha apresenta somente a metade do retrospecto. Desapareceu do texto a menção de que as provas eram circunstanciais e que não tinham fundamento – nem antes, nem agora. A decisão final do STF nega o recurso, mas não questiona a natureza das provas que levaram à cassação. À noite, na Rede Globo, o Jornal Nacional noticiou o fato en passant, comentando rapidamente o bate-boca entre alguns senadores, de forma ainda mais sucinta que a Folha, batendo um último prego no caixão do mandato já cassado.


Quem leu a entrevista publicada na Caros Amigos ficou com a pulga atrás da orelha a respeito da ‘lisura’ do processo. Quem lembrou a entrevista e acompanhou o noticiário teve que engolir a tal pulga a seco, percebendo um processo tão transparente quanto um barril de piche.

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Analista de sistemas, estudante de Filosofia, Recife