O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (16/10) pela TVE levou ao estúdio da emissora em Brasília a presidente da futura TV Brasil, Tereza Cruvinel. A jornalista foi convidada para assumir a presidência da EBC, Empresa Brasil de Comunicação, que vai gerir a TV pública que o governo Lula colocará no ar dia 2 de dezembro. Graduada em jornalismo, com mestrado em Comunicação Social, observadora da cena política desde 1980, foi colunista política do jornal O Globo durante 20 anos e comentarista política da Globonews nos últimos 10 anos.
Para sabatinar a jornalista, foram convidados o presidente do conselho Curador da TV Cultura, Jorge da Cunha Lima; Carlos Marchi, repórter e analista político de O Estado de S.Paulo e Marcelo Beraba, repórter especial da Folha de S.Paulo (leia o perfil dos participantes ao final do texto).
No editorial que inicia o programa, o jornalista Alberto Dines comparou o impacto das transmissões digitais e a nova rede pública. ‘A TV digital constitui um avanço tecnológico com evidentes desdobramentos sociais, mas a rede pública de TV marca uma alteração substantiva e institucional na mídia eletrônica porque consolida uma alternativa à TV privada. Isso equivale a uma revolução’, analisou.
Dines ressaltou que a futura rede não poderá ser classificada estritamente como pública porque é do Estado, mas será de interesse público: ‘Atender ao interesse público significa reforçar a qualidade, valorizar os aspectos culturais e apostar na diversidade informativa.’
Para o editor do programa, será necessário promover associações entre a TV Brasil e outras emissoras educativas e culturais.
Uma rede preocupada com a diversidade
A primeira pergunta de Dines à Tereza Cruvinel foi sobre o diferencial que a TV Brasil oferecerá para o telespectador. A jornalista explicou que a TV pública é um anseio antigo. Na visão da presidente da futura empresa, já existe um ‘campo de TV pública’ no país, mas ainda não há uma grande rede que possa mostrar a diversidade e refletir o Brasil sob diferentes olhares.
Para Cruvinel, um dos desafios do novo canal seria reunir as diferentes emissoras do campo púbico, mesmo que não a totalidade delas, uma vez que algumas têm experiências independentes bem-sucedidas, como a TV Cultura. A jornalista explicou que, ao contrário do ocorrido na Europa, a TV no Brasil surgiu comercial e não pública e que o grande êxito das TVs privadas dificultou a discussão e o avanço dos canais públicos.
Tereza Cruvinel afirmou que a TV Brasil não pretende competir com a programação, o alcance nem na audiência TVs comerciais, mas sim preencher as lacunas. O foco seria cobrir com maior ênfase educação, cultura e informação e mostrar a diversidade do país: ‘Nosso maior ativo são nossas diversidades, tanto biológica quanto cultural’, disse. Outra proposta da nova TV pública seria abrir mais espaço para o debate de questões nacionais.
Jornalismo e espetáulo
Jorge da Cunha Lima pediu para Tereza comentar a linha de jornalismo que será adotada na empresa. A jornalista afirmou que o diferencial do jornalismo e dos demais conteúdos do canal será o investimento na compreensão dos fatos, na tradução da notícia. ‘Vamos fazer a notícia com mais tempo para que ela possa cumprir a sua finalidade de informar. O direito de informação é outro, é do cidadão. Cumpre-nos fazer uma notícia que sirva mais ao direito de informar do que de espetacularizar’, afirmou.
Apesar de buscar cobrir todos os assuntos de destaque no cenário nacional, a TV tem limitações de recursos técnicos que, pelo menos na fase inicial, inviabilizarão este objetivo. Cruvinel afirmou que a TV não será pautada pela pressa e pela velocidade. A presidente da futura empresa contou que a jornalista Helena Chagas, que será a diretora de jornalismo, já está em contato com profissionais das principais unidades que irão compor a TV Brasil para estruturar a linha de jornalismo que será adotada.
Marcelo Beraba questionou se a origem da reflexão sobre a implantação da TV pública não teria sido contaminada pelas discussões sobre o papel da mídia na eleição presidencial de 2006, quando a imprensa foi acusada de golpismo e levantou-se o debate sobre monopólio das TVs no país. Para Cruvinel, a criação da TV Pública não foi uma resposta do governo. A jornalista comentou que ocorreram tentativas anteriores de formação de uma rede pública de TV, como por exemplo em 1998, e que em 2003 já havia seminários e discussões sobre o tema. Cruvinel analisou que o momento atual reuniria muitas condições favoráveis, como a implantação da transmissão digital, o crescimento das discussões teóricas sobre o tema, o amadurecimento das TVs estaduais e a disposição do governo. E afirmou que a TV Brasil será independente das posições políticas do governo.
Debater a TV pública no Brasil
A falta de discussão pública sobre o papel da EBC foi levantada por Carlos Marchi. A empresa foi criada por uma medida provisória assinada pelo presidente Lula (MP 398, publicada no Diário Oficial da União em 11/10), e não por um Projeto de Lei com tramitação no Congresso. A jornalista concordou que a TV Pública deve ser uma construção coletiva e afirmou que houve bastante discussão em segmentos fechados da sociedade e que pretende estimular o debate aberto.
Cruvinel disse que a medida provisória não foi editada com pressa pelo governo, que este estudou o assunto por quatro anos, e que havia um cronograma a ser respeitado para que a entrasse em rede no mesmo período das primeiras transmissões digitais. Inicialmente, a grade de programação não será reformulada – por falta de tempo e recursos – mas haverá uma grade unitária construída a partir dos três canais federais e das emissoras afiliadas que compõe a EBC. A nova programação levaria em conta a participação popular.
Outro fator importante, na opinião jornalista, é que uma tramitação longa, que poderia durar um ano, geraria ainda mais insegurança no corpo funcional da Asscociação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (ACERP) mantenedora da TVE, e da Radiobrás, as estruturas que serão fundidas para criar a nova empresa. Tereza Cruvinel afirmou que não existe um plano de demissões em massa e que haverá uma unificação tranqüila e produtiva. Gradativamente, os funcionários da ACERP – tanto os estatutários quanto os celetistas – migrariam para o quadro da EBC. ‘Queremos construir a TV Brasil com o corpo de profissionais de todas as áreas das duas instituições’, garantiu.
Cruvinel disse que pretende fortalecer a diversidade cultural na nova grade e que esta será montada com a participação das emissoras estaduais que se filiarem. O tempo inicial de produção regional seria de quatro horas. A TV Brasil também pretende estimular a produção independente através do aproveitamento dos incentivos federais já existentes, como a Lei Rouanet, e trabalhará para estes produtos ficarem mais visíveis. Para evitar possíveis que favorecimentos a grupos, serão adotados critérios, através de editais, e as propostas serão avaliadas pela qualidade e preço.
Independência
Para a jornalista, somente o tempo poderá confirmar a independência da rede. Cruvinel ressaltou que o modelo institucional está baseado no formato de TVs públicas bem-sucedidas em outros países, que buscam o controle da sociedade sobre a diretoria executiva. O conselho curador da EBC será composto por 20 membros, sendo 15 representantes dos diversos segmentos da sociedade, levando em conta a pluralidade de pensamento e postura dentro da sociedade civil; quatro representantes do governo e um dos funcionários.
O conselho terá poder para emitir voto de desconfiança ou de censura em relação aos integrantes da diretoria, incluindo a presidente da TV. Na opinião da jornalista, este instrumento de controle seria o mais testado do mundo, mas ponderou que para funcionar a sociedade teria que ter mais compromisso com a rede: ‘A sociedade vai compreender, debater e ter a TV pública como sua.’
Marcelo Beraba questionou se a montagem do conselho poderia ser independente do governo, já que o presidente teria poder de destituir um integrante mediante a aprovação de três quintos dos membros. A jornalista afirmou que em nenhum os modelos internacionais estudados havia eleição direta e que torce para que no futuro a interatividade permita que os conselhos nasçam da sociedade. O economista Luiz Gonzaga Belluzo foi encarregado de compor uma lista múltipla de representantes que expressem a pluralidade da sociedade. Os nomes serão submetidos ao presidente Lula.
A cobertura de escândalo envolvendo integrantes do governo foi levantada por Carlos Marchi. Tereza Cruvinel afirmou que a EBC cobrirá possíveis escândalos com o mesmo rigor que os demais veículos de comunicação e que não será uma TV de ‘chapa branca, nem preta’. O jornalismo buscará equidade e terá compromisso com os fatos. Cruvinel afirmou que a empresa não fará publicidade de atos do governo. A função continuará a cargo do canal governamental fechado NBR.
No encerramento do programa, a presidente da futura TV Brasil lembrou uma frase do ex-governador Mário Covas sobre a relação do estado de São Paulo com a TV Cultura: ‘Como é esta televisão que eu pago, mas na qual não mando?’ Tereza Cruvinel afirmou que gostaria de manter a mesma relação com o governo federal – que ele ajude a manter a TV pública, mas que ele não seja o patrão, e sim a sociedade.
Perfil dos participantes do programa
Tereza Cruvinel, jornalista, foi convidada para assumir a presidência da EBC, Empresa Brasil de Comunicação, que vai gerir a TV pública que o governo Lula está criando, a TV Brasil. Graduada em jornalismo, com mestrado em Comunicação Social, observadora da cena política desde 1980, foi colunista política do jornal O Globo durante 20 anos e comentarista política da Globonews nos últimos 10 anos.
Jorge da Cunha Lima é presidente do conselho Curador da TV Cultura. Advogado, pós-graduado em administração de empresas, é também jornalista e escritor. Foi presidente da TV Cultura e da Associação Brasileira das Emissoras Públicas Educativas e Culturais, a ABEPEC, entre outras funções públicas.
Carlos Marchi é repórter e analista político de O Estado de S. Paulo. Jornalista desde 1971, trabalhou como repórter nos principais jornais brasileiros. Também foi assessor de imprensa e dirigiu agências de publicidade.
Marcelo Beraba, jornalista, é repórter especial da Folha de S.Paulo, onde foi ombudsman por três anos. Preside da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Iniciou sua carreira no jornal O Globo, foi secretário de redação da Folha de S. Paulo, editor-executivo do Jornal do Brasil e do Jornal da Globo, da TV Globo.
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2 de dezembro: um marco histórico
Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 438, no ar em 16/10/2007
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
O próximo 2 de dezembro vai entrar para a história da TV brasileira: neste dia começarão as transmissões no sistema digital e também começará a funcionar a TV Brasil, a rede pública de televisão.
A TV digital constitui um avanço tecnológico com evidentes desdobramentos sociais, mas a rede pública de televisão marca uma alteração substantiva e institucional na mídia eletrônica porque consolida uma alternativa à TV privada. Isto equivale a uma revolução.
Mesmo que a nossa rede pública não possa ser classificada estritamente como pública, porque é do estado, nossa tradição nesta área estabeleceu um paradigma intermediário – TV de interesse público. Atender ao interesse público significa reforçar a qualidade, valorizar os aspectos culturais e apostar na diversidade informativa.
Há ainda um longo caminho a percorrer no tocante às associações entre a nova TV Brasil e outras emissoras educativas e culturais, sobretudo a rede Cultura de São Paulo. Também não podem ser esquecidas as preocupações em preservar independência da futura TV Brasil.
Mas este Observatório da Imprensa que, em seus quase dez anos de vida, já dedicou oito edições à TV pública não pode deixar de regozijar-se com a Medida Provisória assinada na semana passa pelo presidente da República formalizando a existência da TV Brasil.