Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo

OPERAÇÃO HURRICANE
Alberto Dines

Furacão federal, 20/04/07

‘Hurricane, além do significado lingüístico, tem um valor simbólico: parece título de uma superprodução de Hollywood e não poderia ser diferente. Para enfrentar a megamáfia dos bingos, caça-níqueis, jogo do bicho e jogos de azar só uma megaoperação capaz de ir às últimas conseqüências.

A Polícia Federal desta vez investiu contra inexplorada e imensa zona cinzenta entre o crime e a lei, onde ninguém puxa o gatilho, onde não zunem balas perdidas, mas onde se hospeda e funciona livremente a grande usina de delinqüência, impunidade e injustiça que tomou conta do País.

Se o vendaval acionado pelos federais não for desviado, disfarçado ou abafado poderá produzir conseqüências ainda mais devastadoras do que a temporada de escândalos de 2005/2006. Vai mais longe e mais fundo porque deverá desenterrar inevitavelmente o cadáver insepulto do caso Waldomiro Diniz, homem de confiança do então Chefe da Casa Civil, José Dirceu, ex-presidente da Loteria do Estado do Rio, flagrado quando extorquia do bicheiro Carlinhos Cachoeira contribuição para o PT e o PSB fluminenses.

Os elementos tóxicos nos dois casos são praticamente os mesmos, há protagonistas comuns (o bicheiro José Renato Granado, por exemplo), é idêntica à cartada final visando a privatização das loterias estaduais (alvo maior do lobby desbaratado). A grande delinqüência, em geral, é extremamente criativa, não em nosso País, onde as brechas, disfunções e mazelas legais têm alto índice de longevidade.

O dado novo que ultrapassa a mácula que em 2004 atingiu de raspão uma das dependências da presidência da República é a ameaça de desmoralização do segundo mais importante tribunal, o Superior Tribunal de Justiça (STJ). As suspeitas que pairam sobre o ministro Paulo Medina, mesmo que passem a ser investigadas pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo próprio STJ, revelam uma avaria institucional inédita na estrutura do Estado brasileiro.

Há um efeito colateral de natureza política que não tem merecido dos analistas a devida atenção, esmagados pelo caudal de transgressões revelado diariamente. A primeira leva de 25 presos pela PF está sendo enquadrada por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, contravenção e, alguns, por tráfico de influência.

Acontece que na sociedade brasileira tráfico de influência converteu-se em irrelevância, mal menor. Troca de favores é prova de boas maneiras, civilidade. Acusar alguém de tráfico de influência não toca em seus brios, o indigitado saca do dicionário o eufemismo ‘advocacia administrativa’ e segue faturando de cabeça erguida.

O binômio impunidade-corrupção é o filho dileto do tráfico de influência. Em termos morais, o aliciador de um servidor público para a delinqüência é tão culpado quanto o aliciado e o delinqüente. Em nosso Código Penal, porém, o artigo 332 impõe a pena de reclusão de dois a cinco anos. Insignificância facilmente contornável por um bom criminalista.

No entanto, o ‘inofensivo’ tráfico de influência é o dínamo que movimenta a administração pública brasileira. Os partidos das coalizões digladiam-se por cargos não por causa dos salários que seus ocupantes podem eventualmente auferir, mas pelas ilimitadas possibilidades dos fabulosos ganhos através do tráfico de influência. A Infraero foi loteada para favorecer monumentais trapaças, o cabide de empregos é apenas um disfarce legal, afinal os cargos criados precisam ser preenchidos e licitações precisam ser tocadas. Caso contrário não haverá inaugurações nas próximas eleições.

O Hurricane da PF começou desvendar o submundo que prolifera à sombra da ‘sorte grande’. Mas tem condições de revolucionar nossos costumes políticos quando tratar com o necessário rigor o câncer do tráfico de influência.’

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