Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um ano depois, sem respostas, sem punição

Quem mandou me grampear? Esta é a pergunta que jornalistas e a sociedade capixaba fazem há um ano, desde que cerca de 200 jornalistas tiveram suas conversas grampeadas, através da interceptação telefônica da central de celulares da Rede Gazeta de Comunicações, em Vitória (ES), com o aval da Justiça a pedido da Polícia Civil. No aniversário do grampo, na sexta-feira 8 de dezembro, o Sindijornalistas/ES prepara manifestação, com direito a bolo e protesto, pela incapacidade do Estado em oferecer respostas e punição para os culpados.


O episódio do grampo na Rede Gazeta provocou reações na imprensa local e nacional, mas a única resposta obtida até o momento foi a exoneração do então secretário de Segurança Pública, Rodney Miranda. O inquérito policial concluiu que houve um erro da operadora Vivo, que forneceu o número da central da empresa de comunicação à polícia como se fosse de uma empresa de fachada, cujos proprietários teriam envolvimento com o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho.


Segundo a lei


Esse fato foi desmentido pela própria Vivo, em documento enviado à Polícia Civil, durante o período de apuração do assassinato do juiz. O documento informava que o telefone interceptado pertencia à Rede Gazeta de Comunicações. O documento está anexado ao processo de apuração do assassinato do juiz Alexandre, que combatia o crime organizado instalado no Espírito Santo. Para o assessor jurídico do Sindijornalistas/ES, André Moreira, não há dúvida que houve intenção de interceptar as ligações telefônicas dos jornalistas da Rede Gazeta. ‘O que nós ainda não sabemos é o motivo do grampo’, afirma.


Recentemente, uma reportagem publicada no jornal A Gazeta (22/10/2006), com o título ‘O grampo que virou pizza’, diz que a apuração do episódio do grampo caminha ‘rapidamente para somar-se à lista de casos impunes no Estado’. A informação da repórter Sandressa Carvalho é que o inquérito policial que apurou as responsabilidades pode ser arquivado a qualquer momento. Isso por conta da conclusão policial, que aponta a interceptação como erro de um funcionário da operadora Vivo, que foi indiciado por crime culposo, ou seja, sem intenção de errar.


O fato é que a Lei das Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/96) não prevê como crime uma interceptação culposa. Caso essa informação não seja modificada no inquérito, o arquivamento parece ser o caminho certo. André Moreira acredita que se permanecer a conclusão do inquérito apontando a culpa da Vivo deve haver punição. ‘Caso se confirme a tese de erro da operadora Vivo, ela deve ser punida com a perda de sua concessão, como está previsto na Lei das Telecomunicações. O Sindijornalistas/ES entrou com representação no Ministério Público Federal pedindo essa providência’, afirma o assessor jurídico.


A sociedade em perigo


Para o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Espírito Santo, o grampo na Rede Gazeta expôs a fragilidade do cidadão e comprometeu a confiança que a sociedade deposita no jornalista. ‘O sigilo das fontes está assegurado pela Constituição Federal, que teve entre seus legisladores o atual governador do estado, Paulo Hartung. Houve flagrante desrespeito à Constituição e até hoje não sabemos o que levou a Polícia Civil a pedir a interceptação e a Justiça a autorizar a escuta na empresa’, lembra a presidente do sindicato, Suzana Tatagiba.


Outra questão levantada na época da descoberta do grampo foi em relação ao uso do Guardião – sistema de escuta usado por autoridades policiais na apuração de crimes. André Moreira diz que houve outras interceptações, que continuam sem justificativas, dos telefones dos advogados de defesa no caso do juiz Alexandre. ‘A sociedade tem direito à privacidade e, no caso dos jornalistas, a violação do direito ao sigilo das fontes é gravíssimo. Parece que quem deveria investigar quer informações privilegiadas, expondo a privacidade não só de jornalistas, mas de todas as pessoas que ligaram ou receberam ligações dos telefones grampeados’.


O episódio do grampo na Rede Gazeta deixa um sabor amargo para a sociedade e, principalmente, para os jornalistas, no momento em que parece fadado ao esquecimento e a uma suposta insignificância frente a outras questões consideradas mais urgentes. Certa vez, por ocasião do lançamento de seu livro Sobre ética e imprensa, Eugênio Bucci afirmou que numa sociedade em que o jornalismo não merece confiança a democracia corre perigo. No Espírito Santo, assistimos a uma situação em que as instituições não nos parecem mais tão confiáveis e, dessa forma, a imprensa, a liberdade e a sociedade parecem correr perigo.

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Jornalista, mestre em educação pela Ufes, professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)