Até que ponto a publicidade influencia as crianças? Esse é o tema que os jornais, suplementos femininos e revistas dedicadas às mulheres deveriam começar a discutir depois da decisão de empresas do setor alimentício de não anunciar em programas em que a audiência predominante seja de crianças. Mas, a julgar pela cobertura da imprensa, esse assunto não desperta o menor interesse. O único jornal a noticiar foi a Folha de S.Paulo:
‘Um grupo de 24 empresas do setor alimentício, entre elas McDonald´s, Coca-Cola e Kellogg´s, assinou ontem um acordo comprometendo-se a não fazer publicidade voltada a crianças de 0 a 12 anos em programas de TV em que 50% ou mais da audiência seja constituída por esse público. A regra vale para todas as mídias, como jornal, rádio, revista e internet. A medida, contudo, pode se tornar inócua caso o documento seja seguido ao pé da letra. Isso porque nenhum programa da TV aberta comercial tem mais de 30% de seu público formado por pessoas de 4 a 11 anos, segundo dados do Ibope na Grande SP – que não mede audiência de telespectadores com menos de quatro anos’ (Folha de S.Paulo, 24/8/2009).
Quem ganha com essa medida? A indústria, com toda a certeza, pois pode dizer que está fazendo sua parte. O público? Certamente, não. Enquanto a publicidade insistir em dizer que as crianças vão ganhar a força de um tigre, que determinado alimento vale por um bifinho, ou que comendo um sanduíche o prêmio é um brinquedo, as crianças vão continuar pedindo. Não importa o horário em que o anúncio é veiculado; o que interessa é a mensagem. E esta vai continuar aparecendo nos outros programas, fora do horário infantil.
Leitores de amanhã
O descaso da mídia com a formação das crianças se revela nesta notícia e em outras, como, por exemplo, a regulamentação – imposta em abril em São Paulo e agora sendo discutida nacionalmente – da alimentação fornecida nas cantinas escolares. Segundo a lei aprovada pela Assembléia Legislativa paulista, está proibida a venda de frituras, refrigerantes, balas, picolés, chicletes e doces industrializados – como forma de melhorar a alimentação das crianças fora de casa.
Embora a lei seja de maio deste ano, os jornais não tomaram conhecimento dela. Até hoje, os leitores – pais e mães de alunos – não ficaram sabendo se a lei está sendo cumprida, não foram consultados sobre o que pensam do assunto. E os donos de cantinas, que poderiam explicar como a novidade está funcionando, jamais foram entrevistados.
Com três meses da lei em vigor, já daria para saber se as crianças estão ‘aceitando’ produtos mais saudáveis ou se continuam comprando balas, refrigerantes e produtos industrializados fora da escola. Até hoje ninguém explicou qual foi a opção das cantinas para se enquadrar na lei e o que são considerados alimentos saudáveis. Falar do assunto seria uma forma de alertar pais e fiscalizar o cumprimento da lei, com a possibilidade de discutir o quanto uma lei é eficiente para mudar os hábitos da população. Especialmente das crianças que, afinal de contas, são os leitores de amanhã.
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Jornalista