Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um editor que resistiu à ditadura. Como poucos

Morreu neste sábado [7/10] em São Paulo, aos 76 anos, o editor Fernando Gasparian, dono da editora Paz e Terra e deputado constituinte. Um dos nomes mais importantes da história recente do livro no Brasil, Gasparian foi criador, em 1972, do jornal Opinião, um dos principais focos de resistência à ditadura militar.


Em 1973, comprou a editora Paz e Terra, que tinha sido fundada em 1965, do amigo Ênio Silveira, editor da Civilização Brasileira. A Paz e Terra se transformou em referência para a intelectualidade e o meio acadêmico brasileiro nos anos 1970, tendo em seu conselho de acionistas nomes como Alceu Amoroso Lima, Barbosa Lima Sobrinho, Berta Ribeiro, Celso Furtado, Dias Gomes, Érico Verissimo, Fernando Henrique Cardoso, José Aparecido de Oliveira e Wilson FAdul. A casa também editou grandes autores nacionais e internacionais nas áreas da filosofia, da sociologia e da ciência política, transformando-se em referência para o meio acadêmico e universitário.


Nos anos 1970, Gasparian lançou, através da editora, a revista Argumento, que logo teve sua circulação suspensa devido às pressões da censura. Em 1977, o editor criou em São Paulo a Livraria Argumento, cujo nome fazia alusão à extinta revista. Em 1978, a Argumento veio para o Rio de Janeiro, onde foi aberta numa pequena loja na Rua Dias Ferreira. Em 1992, a livraria mudou para uma loja maior na mesma rua.


Em 1988, Gasparian foi eleito deputado federal constituinte pelo PMDB e criou a emenda constituicional que proíbe juros maiores de 12% no país.


O editor estava internado desde a última quinta-feira [5/10] no Hospital Sírio-Libanês, com problemas renais. Morreu na manhã deste sábado, vítima de infecção generalizada. Seu corpo está sendo velado na Assembléia Legislativa de São Paulo e será cremado domingo. O editor deixa viúva e quatro filhos: a diplomata Helena e os livreiros Laura, Eduardo e Marcus – os três últimos à frente da Argumento.


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‘Editor Fernando Gasparian morre em SP’, copyright Folha de S.Paulo, 9/10/2006


O corpo do editor e ex-deputado federal constituinte Fernando Gasparian, 76, foi cremado ontem no crematório da Vila Alpina, em São Paulo, após o velório na Assembléia Legislativa paulista.


Empresário e político de convicções nacionalistas, Gasparian fundou nos anos 70 o jornal semanário ‘Opinião’ e a revista ‘Argumento’, considerados focos de resistência à ditadura militar, presidiu a Editora Paz e Terra e criou a livraria Argumento, no Rio.


Gasparian estava internado desde a última quinta-feira no hospital Sírio-Libanês, na capital paulista, para tratamento de problemas renais que levaram a uma infecção generalizada seguida de parada cardíaca. Ele morreu na manhã do último sábado.


Estiveram ontem no velório o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, a ex-prefeita paulistana Marta Suplicy, o ex-ministro da Justiça José Gregori, entre outros políticos e autoridades.


‘Meu pai tinha duas paixões na vida, minha mãe [Dalva] e o Brasil’, disse ontem um dos filhos do editor, Eduardo.


Para Ruth Cardoso, o editor foi peça fundamental na ‘resistência cultural’ à ditadura.


‘Nós perdemos um grande amigo de mais ou menos cinco décadas, desde a adolescência. E o Brasil perdeu um empresário que lutou muito por suas idéias. ‘Opinião’ e ‘Argumento’ foram a base da luta contra a ditadura’, disse Ruth.


‘Concordando ou discordando de idéias, nunca deixamos de ser amigos’, declarou.


Nacionalista


No início dos anos 60, Gasparian era um dos principais empresários da indústria têxtil no país, dono da América Fabril, sediada no Rio, que chegou a ter mais de 5.000 funcionários.


Após o golpe militar de 64, passou a ser perseguido pela ditadura. ‘Meu pai teve de parar com a indústria porque o governo cortou o crédito do Banco do Brasil, que era o principal financiador’, disse o filho Eduardo.


Em 1970, ao saber que poderia ser preso por motivos políticos, Gasparian foi para o exílio na Inglaterra. Retornou ao Brasil logo depois, quando fundou o jornal ‘Opinião’.


Foi editor do jornal entre 1971 e 1975. Durante sete anos, o jornal firmou-se como veículo alternativo de críticas ao regime militar, abrigando autores como Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Dias Gomes, Alceu Amoroso Lima e Érico Verissimo.


Editora


Em 1973, o grupo do ‘Opinião’ liderado por Gasparian assumiu a editora ‘Paz e Terra’, fundada em 1965 pelo seu amigo e editor Ênio Silveira, também fundador da Civilização Brasileira.


A Paz e Terra deu espaço a autores que eram adversários do regime, como o educador Paulo Freire (1921-1997), autor de ‘Pedagogia do Oprimido’.


A editora deu prioridade às áreas de filosofia, sociologia e ciência política, tornando-se referência no meio acadêmico.


A revista Argumento tratava com inventividade temas da política, da economia, dos esportes e das artes. O então diretor-responsável, Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), chegou a suspender a circulação da revista após o quarto número, em resposta a uma tentativa de tutela da linha editorial pelos censores do governo.


Em 1977, Gasparian criou a Livraria Argumento em São Paulo. No ano seguinte, transferiu-a para o Rio de Janeiro. Hoje, a livraria conta com três lojas na capital fluminense: no Leblon, na Barra da Tijuca e em Copacabana.


Parlamentar


O editor retornou a São Paulo em 1984. Dois anos depois, se elegeu deputado federal pelo PMDB. Na Constituinte, sua contribuição mais citada foi a criação do teto dos juros reais em 12% ao ano, que não chegou a ser regulamentada pelo Congresso Nacional.


Gasparian também tentou, como deputado, impor uma quarentena (não poderiam ocupar cargos na iniciativa privada) aos ex-dirigentes do Banco Central.


Durante o governo de seu amigo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), opôs-se à privatização da companhia mineradora Vale do Rio Doce e defendeu a adoção do limite de 12% aos juros reais -assim como dizia a Constituinte-, nunca colocada em prática.


Gasparian deixou viúva, Dalva, e quatro filhos, a diplomata Helena e os três livreiros, Laura, Eduardo e Marcus, que dirigem as livrarias Argumento.