Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um escândalo a partir de supostas informações

A revista Veja (nº 2076, de 3/9/2008) publica informação de que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres tiveram conversa gravada a partir de grampo nos telefones do STF. A informação teria sido passada à revista por um agente da Abin. Entretanto, não foi apresentada pela revista nenhuma prova material do suposto grampo e por isto mesmo surpreende a repercussão dada. Este jornalismo tem sido a marca de Veja nos últimos tempos (para maiores detalhes ver o blog de Luis Nassif). Este estilo caracteriza-se principalmente pela produção de boatos como se verdades fossem. E a partir daí invertem o ônus da prova, cabendo ao acusado provar sua inocência. O caso mais recente foi a suposta ajuda das Farc à campanha de Lula em seu segundo mandato.

Assim, a partir de um suposto grampo, tendo como fonte anônima um suposto agente da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), acontece uma enorme repercussão, a ponto de o ‘líder’ da ‘oposição’ cogitar a possibilidade de impeachment do presidente da República.

O que era uma possibilidade, uma denúncia, vira rapidamente fato consumado. A Folha de S.Paulo, em sua versão na internet, não deixa a menor dúvida para seus leitores de que se trata de fato consumado:

‘Os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) se reuniram hoje para analisar o grampo no gabinete do presidente da Corte, Gilmar Mendes, realizado supostamente por agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Ao final da reunião do conselho, os ministros divulgaram nota em que informam aguardar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva `as providências exigidas pela gravidade dos fatos´’ (ver aqui).

Provas criadas pela reportagem

Se os ministros se reuniram para analisar o grampo, é elementar que já está provado que o grampo existiu. Contudo, a Folha não informa seus leitores que se trata de uma denúncia da revista Veja e, como é de conhecimento público, Veja tem a credibilidade de um subprime americano.

Seguindo a mesma lógica da Folha, o Estadão divulga em seu site a informação de reunião entre o presidente da República como se a denúncia fosse fato consumado.

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva informou nesta segunda-feira, 01/9, ao presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), e aos senadores Tião Viana (PT-AC) e Demóstenes Torres (DEM-TO), que deve anunciar ainda nesta tarde medidas em relação às escutas telefônicas ilegais envolvendo o presidente do Supremo TribunalFederal (STF), ministro Gilmar Mendes, e outras autoridades’ (ver aqui).

No site da própria revista Veja lemos a informação de que o presidente teria ficado indignado com as prova da existência de escutas telefônicas nos telefones do Supremo Tribunal Federal, provas que, até prova em contrário, foram criadas a partir da reportagem da revista. Não se tem notícia até o presente momento de áudio ou qualquer documento comprobatório da escuta.

‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou nesta segunda-feira indignação e preocupação diante da divulgação, no fim de semana, da existência de prova de escutas ilegais feitas pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nos telefones do Supremo Tribunal Federal (STF). O episódio foi revelado na edição de Veja desta semana, que mostrou que o presidente do STF, Gilmar Mendes, foi gravado numa conversa com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO)’ (ver aqui).

‘Punição dos responsáveis’

De acordo com O Globo, o ministro Mendes exigiu punição para os culpados. Ora, se não se sabe ainda se houve grampo como saber que há culpados?

‘Segundo a Globonews TV, durante o encontro com Lula nesta manhã, Gilmar Mendes se queixou dos constantes vazamentos de informações envolvendo seu nome. De acordo com fontes do STF, Gilmar Mendes disse ao presidente Lula que quer uma solução definitiva para o caso e cobrou a punição dos responsáveis’ (ver aqui).

É claro que a denúncia é grave e deve ser apurada e se for confirmada os responsáveis devem ser punidos. Mas é preciso cautela, principalmente conhecendo o histórico de nossa imprensa e em particular da revista Veja.

Quando estou escrevendo este texto, o UOL anuncia que o governo irá afastar toda a diretoria da Abin enquanto durarem as investigações.

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Antropólogo, Salvador, BA