Nem mesmo na prestigiosa condição de colunista estrela do El Universal, a jornalista e escritora mexicana Lydia Cacho Ribeiro, 45 anos, pode desfrutar tranquila das muitas coisas boas da vida na Cidade do México, onde nasceu e cresceu: desde 2005, quando escreveu um livro explosivo, Los Demonios del Edén, denunciando uma extensa rede de prostituição e pornografia infantil no país, Lydia, sempre olhando por cima do ombro, tem sofrido, e resistido, a todo tipo de violência emocional e psicológica – ameaças de morte, sabotagem burocrática, processos por difamação, perseguição policial.
Violência física só houve após a publicação do livro, quando foi presa a trancos e empurrões numa estrada. Na ocasião, ouviu dos policiais ameaças de estupro, felizmente não consumado. Graças, porém, a uma forte reação da imprensa, foi solta logo em seguida, com as esfarrapadas desculpas de praxe.
No livro, ela relatava suas amplas e bem fundamentadas investigações sobre o próspero turismo sexual com crianças e adolescentes, num dos mais badalados balneários mexicanos, Cancún, e dava os nomes dos chefões da rede, dois empresários de origem libanesa e dois políticos de renome, estes ainda hoje em cargos importantes no governo, os quatro criminosos contando com a cumplicidade policial para o bom funcionamento do rendoso negócio.
Ativista de direitos humanos, defensora de mulheres e crianças vítimas de violência doméstica, premiada por seus artigos e livros no México e no exterior, Lydia, que até hoje não viu nenhuma providência oficial efetiva na repressão dos crimes por ela detalhados – só silêncio ou vagas promessas de investigação, além dos constantes e penosos transtornos de ordem pessoal –, recebe agora uma menção honrosa numa das publicações de maior prestigio na defesa de jornalistas e escritores ao redor do mundo: o IFEX, boletim semanal canadense de uma rede mundial de 80 organizações que batalham na defesa e promoção do direito à livre expressão.
O IFEX opera associado a outro grupo forte, o PEN Club Internacional, que congrega escritores em nível internacional.
Viva e ativa
A jornalista mexicana é dada como um belo exemplo dessa luta constante contra as arbitrariedades dos poderes estabelecidos, em vários países da América Latina, empenhados, de forma cínica e descarada, em atemorizar jornalistas e escritores com ameaças, agressões, desaparições e muitas vezes com a chamada solução final, assassinato puro e simples, fazendo-os interromper suas investigações, impedindo a livre circulação de suas denúncias.
Assim, informa o boletim canadense, no ano passado, só na América Latina, foram registrados l84 ataques a jornalistas. Desse total, se destacam, no México, sete assassinatos e uma desaparição forçada. Houve também 25 prisões em Cuba, onde os profissionais foram acusados – batido argumento local – de conspirar contra o Estado e considerados cidadãos de ‘alta periculosidade social’. A lista dos países mais perigosos para o exercício do jornalismo no continente é liderada pelo México, seguido de Cuba, Venezuela, Peru, Colômbia e Nicarágua.
Figura elegante e serena de mulher e profissional respeitada, Lydia Cacho jamais se apresenta, em suas aparições públicas, no México ou em outros países, como vítima ou heroína. Ela se diz simplesmente uma jornalista e escritora dedicada a ajudar os mais fracos, sobretudo mulheres e crianças. E quando lhe perguntam como aguenta tanta pressão e ameaças, responde: ‘Acredito que toda essa gente que me escreve, telefona, que está aí ao meu lado, salvou minha vida. Muitos me apoiaram só em pensar e desejar que eu continuasse viva e escrevendo…’
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Jornalista e escritor, ex-correspondente de Veja no México e América Central