Em geral, não vejo com bons olhos as coberturas insistentes da imprensa sobre um único fato. Mas confesso ter me surpreendido com o caso do ‘voo 447 da Air France’, que desapareceu na noite do dia 31 de maio quando sobrevoava o Oceano Atlântico rumo a Paris. Jornais e programas de televisão deixaram de lado a oportunidade de transformar uma tragédia em espetáculo e ofereceram informação. Talvez um ou outro tenha cometido deslizes, mas se realizarmos um balanço, certamente chegaremos a resultados positivos.
Sensacionalistas buscariam no sofrimento de familiares as manchetes do dia seguinte. Mas neste caso da Air France, a imprensa soube respeitar os limites, não vi jornalista querendo invadir, com câmara escondida, a sala onde estavam parentes de passageiros. Em outras situações desvendar este ambiente protegido por autoridades seria sinônimo de reportagem exclusiva.
Primeiro, o governo brasileiro aprendeu a lição com casos recentes e resolveu ser transparente. Abrir o jogo e oficializar as informações assim que visualizadas são medidas que não abrem espaço para especulações. Precipitações fizeram com que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, fosse criticado pela imprensa internacional, mas é errando que se aprende. Acredito que estamos no caminho certo; é melhor pecar pelo excesso de informações do que pela falta, e abrir portas para o jornalismo de quinta.
Que nos sirva de lição
Os debates, os telejornais e as revistas eletrônicas deram a sua audiência uma verdadeira aula de geografia. Reportagens explicaram como funciona o espaço marítimo do Brasil, quais aviões nossa força aérea detém, qual tecnologia é usada em buscas como esta, de que forma se configura o Oceano Atlântico, qual a profundidade de nossos mares, do que ele é composto, como as correntes marítimas se movimentam, como se fazem estes cálculos.
Mostrar uma caixa-preta em detalhes e explicar de quais materiais ela é composta e quais são as propriedades físicas de cada um deles é o mesmo que fazer jus ao real papel da televisão ou de qualquer outro veículo de comunicação. Oferecer informação, tornar-se fonte de conhecimento.
O Brasil está ficando um especialista em acidentes aéreos, considerando-se que nos últimos três anos algumas grandes tragédias marcaram nossas memórias. Tragédias estas que foram retratadas por grande parte dos veículos de comunicação de forma duvidosa. O certo é que desta vez a classe jornalística tratou o ocorrido de uma forma diferente, o que me permitiu fazer esta reflexão. A presença da imprensa estrangeira ao lado da brasileira e o envolvimento da França no caso podem e devem ser apontados como vértices positivos desta nova estrutura.
Na França, ou em qualquer outro país europeu, a sociedade não precisa pedir uma resposta: ela vem de forma natural. Esta é a grande diferença. Nós não exigimos de nossas autoridades os porquês da vida, não fazemos uso da imprensa como interlocutores desta conversa, apenas assistimos à exibição de imagens como qualquer outro espetáculo.
O importante é que pudemos assistir qualidade – que nos sirva de lição. Espero que possamos aprender e ensinar um novo jornalismo aos brasileiros.
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Jornalista, Pindamonhangaba, SP