O jornalismo é uma práxis interessante, pois pode ser exercitado em casa, na rua, no clube, no bairro, no trabalho, através de práticas sociais intensas, específicas, diversificadas e também ocasionais. A responsabilidade jornalística se encontra no fenômeno da comunicação e orienta pessoas, proporciona conceitos, mudanças de hábito e comportamentos através de diversos meios. O jornalista interage com as pessoas, elaborando mensagens e dinâmicas através de processos discursivos que englobam e encerram múltiplas realidades.
Na elaboração do discurso jornalístico, há a composição de inúmeros enunciados que dialogam entre si através do polissêmico processo textual. É preciso levar em conta a fala das fontes e no seu diálogo pertinente, que acontece sob a égide do interlocutor (jornalista), inter-relacionando-se mutuamente discursos diversificados e contraditórios. Essa característica enunciativa no jornalismo forma um campo dialógico extraordinário que se transforma constantemente ao longo do tempo e do contexto.
Atualmente, o jornalismo deveria buscar na Ecologia os enunciados que podem enriquecer a formulação de seu discurso jornalístico. Ao tecer as falas jornalísticas, o interlocutor poderia buscar fundamentação na ecologia. Assim sendo, abre-se um leque vastíssimo de atuação da práxis comunicacional e o jornalista poderia, ainda, voltar-se para o papel esclarecedor, educador e informacional. Entende-se aqui Ecologia como sendo a ciência das inter-relações, da interconexões, das relações mútuas, da comunicação.
Três formas de viver
O discurso jornalístico, a partir daí, deve levar a um envolvimento da população na conservação dos recursos naturais, fazendo entender os impactos da degradação ambiental à saúde, ao trabalho, às condições de vida, ao lar, ao lazer, à escola e à comunidade como um todo. É imperativa a presença do discurso ecológico no jornalismo, para que ele possa divulgar informações e formar opinião. Ir além das editorias, transformar-se numa base estrutural dos enunciados.
A questão ecológica atinge fundamentalmente a todos nós. Ela envolve dimensões mentais, sociais e ambientais, determinando o bem-estar de nossa vida e também a sobrevivência humana e do planeta, organismo vivo onde habitamos. Quando pensamos em ecologia, logo lembramos apenas das matas sendo queimadas, dos rios poluídos e dos animais mortos e em perigo de extinção. Pensamos que os problemas estão apenas no campo e distantes de nós, lá na floresta amazônica. Ledo engano: o problema ecológico é um problema íntimo, urbano e diz respeito ao nosso corpo, à nossa mente e à nossa cidade também. Um problema de todos nós.
A palavra ecologia vem de dois vocábulos gregos: eco, que significa casa, e logia, que significa saber. Ela está ligada a outra palavra de origem grega: economia, eco, casa, e nomia: cuidado, manejo, administração da casa. Então, ecologia é o estudo para se ter uma forma racional de cuidar (economia) de nossa mente, de nossa cidade e do nosso meio ambiente, buscando o bem-estar de todos nós. Por isso, a ecologia se desdobra em três formas de viver. Felix Guattari, no livro As três ecologias, aponta um caminho possível para compreender a ecologia. A partir disso, a pensamos em três níveis: ecologia mental, ecologia social e ecologia ambiental ou cósmica.
Discurso crítico e elucidativo
Para uma assimilação jornalística do discurso ecológico é preciso, portanto, quebrar alguns modelos estabelecidos pelo senso comum em restringir a ecologia a temas voltados para a preservação do meio ambiente, a ciências e tecnologias limitadas a questões ambientais ligadas apenas a florestas, poluição, aquecimento global e extinção dos animais. O jornalismo deve entender, ao falar de ecologia, que essa ciência envolve todas as coisas, o discurso do corpo-mente, do social e do ambiental.
A ecologia mental é a ecologia da pessoa, nasce do desejo de auto-conhecimento, das formas saudáveis de viver. É o processo de integração intrapessoal e interpessoal, numa construção de valores de integração humana para bem-viver. É a busca constante de saúde emocional e corporal que nos leva a viver em paz e com saúde. O jornalismo, ao escrever sobre bem-estar e temas relacionados a isso, pode levar em conta a importância do meio e suas interações com as pessoas em seu contexto. Saúde e realização pessoal estão inter-relacionados com o todo que envolve o ser humano, os seres vivos e o ecossistema em que esses organismos estão inseridos. A contribuição desse discurso ecológico para as práticas jornalísticas passa por uma dimensão de auto-ajuda. Desenvolver mudanças e atitudes profundas das pessoas, nova concepção do corpo e do mundo, desenvolvimento de sujeitos mais conscientes e integrados.
Também há a ecologia social, cujo objetivo é encontrar a justiça social e uma cultura de paz. Ela deve despertar valores de respeito pelo trabalho, pelo bem-estar material e cultural das pessoas. Esta ecologia busca interagir a cidade com seus habitantes, pensando numa economia solidária e auto-sustentável, com eqüidade e estruturas de poder mais democráticas. Importa à sociedade gerar dignidade, justiça e paz. Aqui, o jornalismo já deu passos consideráveis em seu discurso, pois já desenvolveu modelos jornalísticos voltados para a cidadania, a responsabilidade social e conscientização sindical. O enunciado jornalístico pode absorver termos semânticos elaborados pelas ciências humanas e marxismo, apresentar um discurso crítico, elucidativo e ilustrativo.
Sensibilidade e investigação
Pode-se pensar o peso da profissão do jornalista, os limites institucionais que o cercam como empregado numa empresa capitalista que busca o lucro, segundo os ditames do sistema econômico vigente. O pior de tudo é a mentalidade predominante pequeno-burguesa que forma os jornalistas, determinando suas práticas, sua concepção de mundo e seu discurso.
No entanto, na elaboração dos enunciado, a ação jornalística não é retrocesso – deve evoluir, tomar as dores dos excluídos e ser porta-voz dos injustiçados na sociedade que oprime e marginaliza. Ou seja, o jornalista deve fazer sua parte na intermediação de concepções como sustentabilidade econômica, sociedade democrática, justiça e paz social, novas formas de poder e alternativas governamentais.
Desse modo, a justiça e a paz social se desdobram numa relação de integração ambiental, que é a ecologia cósmica. Ela envolve indivíduos que querem a saúde mente-corpo, buscando com dignidade a harmonia comunitária e ambiental, mediante o cuidado e o respeito pela natureza e os outros seres que formam a vida. Vive-se na busca de uma inter-relação com o todo, com o planeta, criando mecanismos alternativos socioeconômicos. O discurso jornalístico avançou muito ao usar enunciados sobre o tema ambiental. Todavia, muito tem a avançar ainda. Compreender a ecologia e os seus desafios é também assumir seu discurso. Para tanto, é necessário sensibilidade, investigação e estudo por parte dos jornalistas para que a questão da ecológica se torne hábito.
Rever conceitos e posições
Assim, a responsabilidade do jornalismo aumenta, pois envolve a educação para tentar mudar paradigmas, modelos estruturais e mentes. Ao assumir o discurso ecológico, tornando-se seu interlocutor, o jornalista pode apresentar ao receptor de sua mensagem concepções de mundo, descobertas científicas, termos e discursos marginalizados e incomuns. Não é fácil compreender e ao mesmo tempo transmitir essas coisas numa prática como o jornalismo. No entanto, o desafio é presente.
O jornalismo não deve se abster de assumir seu lugar interagindo com a questão das três ecologias, pois o planeta é um organismo vivo, um sistema complexo de inter-relações constantes que nos proporciona a vida e o bem-estar.
Portanto, Ecologia se refere à nossa vida e sobrevivência, desafio que nos leva a buscar novas atitudes mentais, discursivas e sociais. É urgente a presença dos jornalistas na luta ecológica, tornando a profissão mais integrada, holística e verdadeiramente polissêmica. Ou seja, rever nossos conceitos e posições sobre a ecologia. Trazer para nossa responsabilidade a questão do ecossistema que se degrada cada vez mais.
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Jornalista, escritor e pós-graduando em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Centro de Pesquisa e Extensão Socioambiental (Cepesa), na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), Itapetinga, BA