Na TV, o homem alto, negro de braços fortes usando paletó e abotoadoras, pergunta à mulher: ‘Quer dizer que o médico condenou (desenganou) seu filho? Então agora que a criança está curada, leva ela lá no consultório médico e deixa ela quebrar tudo.’
O homem bem trajado é o apóstolo Valdemiro Santiago e o diálogo acima é com uma mulher que teve o filho curado na Igreja Mundial do Poder de Deus, o mais recente fenômeno midiático televisivo do Brasil. Na IMPD, o mais intrigante não é o uso maciço da televisão nas pregações, mas o viés messiânico que ronda o líder da instituição.
Valdemiro Santiago é a personificação dos tempos atuais. ‘Nunca antes na história deste país se fez tanto…’ é o jargão reinante nos meios de poder. Pois bem, nunca antes na história deste país se fez tanta cura na televisão. Uma criança que tinha sido levada ao médico que é um representante das elites e as serve e que não teve competência para curar a criança (parece que a lepra atualmente é curável, mas deixemos o assunto para os especialistas). Então, a mãe da criança desenganada vai até o apóstolo e este com a unção divina cura a pequena criatura, livrando-a da dependência da medicina e de seus discípulos anti-metafísicos. O poder parece estar com Santiago que, como amoroso que é, não clama para que Deus puna o médico arrogante, apenas sugere que a mãe leve a criança de volta ao consultório para constatar cientificamente a cura e aproveitar para soltar a criança lá dentro para que faça uma baderna para que justiça seja feita e o médico se coloque no seu devido lugar, assim como um fazendeiro se sentiria se tivesse sua propriedade invadida por sem-terras.
Situações de sobrevivência
Santiago é ex-pastor da Igreja Universal do Reino de Deus. Saiu por divergir de Edir Macedo, fundando a IMPD há dez anos. Tempos atrás, Santiago comprava horários insones da televisão, mas há três meses deu uma investida e tanto: arrendou por três anos a Rede 21, subsidiária da Rede Band com vinte e duas horas diárias de programação evangélica.
Santiago, que é auxiliado por Ronaldo Didini (também ex-pastor da IURD), copia as estratégias da sua ex-igreja. Chama sua sede de ‘Templo dos Milagres’, nomeia as reuniões com nomes chamativos como ‘Domingo da Vitória’ ou ‘Terça-feira do milagre Urgente’ entre outros. Distribui objetos como martelinhos, toalhinhas e saquinhos abençoados.
As transmissões de Santiago até certo ponto são originais. Algumas delas são ao vivo direto do templo-galpão do Brás, em São Paulo, que segundo ele comporta vinte mil pessoas, estimativa essa notadamente inflacionada. O púlpito é bem no centro da igreja e é em formato circular.
Vê-se de tudo nos cultos. Valdemiro Santiago sabe do poder de comunicação que tem e interage com o público; ‘Quem aqui já comeu angu? Quem aqui é mineiro como eu?’ são alguns de seus bordões. Santiago tem o discurso pautado por certo recalque; ele é contundente com desafetos e críticos de sua igreja. Mostra incapacidade de organizar idéias complexas o que lhe causa freqüentes devaneios.
Santiago diz que não tem medo dos desafetos. Justifica sua coragem com situações hercúleas vividas por ele: sobreviveu a um naufrágio no Oceano Índico, sobreviveu à uma queda de um prédio de 20m e sobreviveu após levar vários tiros numa emboscada.
Transmissão precária
Fazendo jus à era lulista, o apóstolo abusa da fanfarronice. É comum vê-lo dizer estar desvinculado do poder e da política. Balela. Santiago é amigo pessoal do governador de Rondônia, Ivo Cassol, recentemente acusado de irregularidades em sua administração. Segundo Santiago, a mulher de Cassol foi curada assistindo seu programa pela televisão. O líder da IMPD também mostra intimidade com o judiciário – diz que a igreja tem um membro desembargador (a câmera mostra um homem de meia idade sentado no fundo da igreja junto à família e supõe-se que seja o tal desembargador, mas não dá seu nome). Para Santiago, Deus levantou um desembargador para defender a igreja. O apóstolo anula o estado laico por decreto televisivo-pentecostal.
O ponto alto das reuniões da IMPD são os testemunhos de cura. Aqui, o sensacionalismo aflora e torna Santiago um pregador sem precedentes. Uma mulher diz que seu bebê foi curado do tumor no rosto (ela mostra a foto da criança com o rosto inchado e a câmera dá um close). Santiago pega a criança no cole e a câmera dá outro close agora no rosto da criança já curada. Ele chora um choro meio estranho que parece de sarcasmo e diz que a mãe não precisou pagar nada pelo milagre em sua igreja (numa clara provocação à IURD que cobra altas ofertas e dízimos de seus fiéis).
Tudo na IMPD é mambembe, a começar por Santiago, que parece saído de um filme de Mazzaropi com sua fala acaipirada, com seu cacoete de fungar o nariz enquanto fala e com seu andar tombado para os lados. A transmissão dos cultos é precária: as câmeras são de fita magnética e a imagem é prejudicada pela iluminação ruim. O som é sofrível. Há certa melhora quando o programa é transmitido diretamente dos estúdios da igreja, apesar do cenário kitsch pintado ao fundo – ovelhinhas pastando ao lado de uma cachoeira.
Cedo para um prognóstico
Qual o diferencial de Santiago? Ele não parece tão diferente dos outros tele-pastores. Seu ponto forte provavelmente está na despretensão de parecer sério em excesso, salientando ele mesmo sua verve circense. Valdemiro Santiago sabe que o brasileiro médio adora ver TV. Até aqui nenhuma novidade, pois Edir Macedo descobriu isso há tempos, tanto que tem duas redes de televisão. Mas o que difere Santiago de Macedo é que o primeiro mostra na tela uma espontaneidade irresponsável, uma bufonaria desbragada, um messianismo demagogo; já Macedo, não. Santiago é fanfarrão, chama os desafetos para a briga ao vivo nas suas transmissões; Macedo é homem de bastidores, usa o jornalismo de seus canais para perseguir inimigos. Santiago é a encarnação do profeta, um Antonio Conselheiro hi-tech que, sem instrução, veio para livrar os oprimidos; Macedo, pelo que se sabe, não nutre tais ambições, nem sequer mora no Brasil e aparece pouco na TV.
As pessoas que aparecem nas transmissões de Santiago é aquela gente desprezada por Macedo – pobre, mulata, às vezes sub-letrada. São provavelmente empregadas domésticas, motoristas, funcionários daquelas mulheres sofisticadas, loiras, daqueles homens respeitáveis, advogados, empresários, socialites de Cristo que desfilam nos programas empresariais da igreja de Macedo. A IURD virou as costas para eles, pois não lhe servem mais, não são lucrativos para a manutenção do conglomerado do céu de Macedo. Valdemiro, com sua astúcia brejeira, acolheu esse público desamparado.
Macedo com sua IURD apóia Lula, que em retribuição dá altas verbas publicitárias estatais para Macedo. Mas quem é a quintessência do lulismo é Valdemiro Santiago, seja pela voz rouca, pelo desprezo ao conhecimento, pela falácia, pelo deslumbramento rastaqüera. Quem vencerá o duelo? É cedo ainda para um prognóstico razoável.
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Professor de inglês, Taboão da Serra, SP