A morte do cinegrafista da Rede Bandeirantes Gelson Domingos daSilva, baleado na manhã de domingo (6/11) durante confronto entre policiais militares e traficantes em uma favela da zona Oeste do Rio, recoloca em discussão o tema das relações entre polícia e imprensa. A questão estava devidamente encaixada com os interesses das autoridades de garantir o apoio da população para uma estratégia controversa de combate ao crime organizado.
As centenas de vítimas anteriores, cidadãos anônimos atingidos no fogo cruzado entre agentes da lei e criminosos, não haviam sido suficientes para provocar qualquer questionamento.
A necessidade de aprovação social por parte da polícia e a conveniência de ter imagens fortes para manter a audiência dos telejornais criaram o ponto de convergência para a rotina de cinegrafistas e fotógrafos esgueirando-se atrás de policiais em confrontos de alto risco.
A prática é antiga em alguns estados americanos, onde há cerca de trinta anos há programas de televisão especializados em monitorar ao vivo as escaramuças da polícia, e teve seu auge na TV dos Estados Unidos durante a repressão às gangues que dominavam as ruas de Los Angeles.
Tarde excitantes
No Brasil, a associação entre imprensa e polícia ganhou força com o programa de ocupação de favelas no Rio de Janeiro e se consolidou no rastro do sucesso comercial dos filmes intitulados Tropa de Elite.
Em praticamente todas as grandes cidades ganharam força os programas de televisão em que o enredo é basicamente a operação policial, previamente combinada com os produtores das emissoras, com deslocamento de helicópteros, policiais equipados como num filme de ação e muito tiroteio.
É um cenário perfeito: a polícia reduz os riscos de vir a ser acusada de abusos em suas ações, a mídia ganha conteúdos capazes de prender o telespectador no sofá da sala e ainda reforça o marketing defilmes que transformam policiais em heróis e geram muito dinheiro.
Mas a espetacularização da atividade policial tem seu preço, que até agora vinha sendo pago apenas pelos moradores das comunidades que vivem entre a tirania de traficantes e a extorsão de policiais e políticos corruptos.
Com a morte do cinegrafista Gelson Domingos da Silva, o tema ganha alguma reflexão, mas nada que assegure mudança de rotinas. Neste momento, os especialistas em planejamento estão calculando como reduzir os riscos dos jornalistas sem perder a qualidade das imagens. Algum intermediário esperto estará vendendo ao governo do Rio capacetes especiais equipados com câmeras de alta resolução, com sistemas de transmissão ao vivo, como as usadas pelas tropas americanas no Iraque e no Afeganistão.
E as tardes voltarão a ser animadas por excitantes tiroteios na TV.
Observatório da Imprensa na TV
O mercado da violência não produz apenas filmes rentáveis e de muita audiência, o que sempre rende uma boa safra de anúncios. Rende também assunto para os comentaristas especializados em tudo, que proliferam na mídia.
A implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio, que começou em dezembro de 2008, tem produzido resultados positivos na recuperação de comunidades antes dominadas por quadrilhas de traficantes, mas a adesão incondicional da imprensa, que vem destacando a melhoria das condições de vida nessas áreas, dissimula outros problemas, como a ação de milícias comandadas por policiais que, em muitos casos, acabam tomando o lugar dos bandidos desalojados.
De vez em quando, a imprensa se refere à ação de milicianos, uma espécie de organização parapolicial utilizada por vereadores e deputados para controlar atividades rentáveis como a distribuição de gás e venda de serviços nessas comunidades.
A morte do cinegrafista da TV Bandeirantes traz ainda outra questão: a da existência de duas classes de profissionais: os da Rede Globo e os demais. Os profissionais da Globo possuem equipamentos mais sofisticados de proteção, como os coletes de uso exclusivo das Forças Armadas que resistem a tiros de fuzil.
O colete que Gelson Domingos da Silva utilizava servia apenas para proteger de tiros de pistola e revólver, equipamento praticamente inútil quando se sabe que os confrontos entre policiais e bandidos nas favelas do Rio ocorrem a longas distâncias, com o uso de armas poderosas.
Esse e outros aspectos do episódio serão debatidos nesta terça-feira, dia 8, no Observatório da Imprensa na TV. Para discutir o assunto, Alberto Dines recebe no estúdio Aziz Filho, gerente de Jornalismo da TV Brasil, o especialista Eurico Figueiredo, da Universidade Federal Fluminense, e Antonio Rangel Bandeira, da ONG Viva Rio. O programa ainda terá entrevistas gravadas com diversos profissionais que fazem a cobertura jornalística em situações de risco.
O Observatório da Imprensa vai ao ar nesta terça-feira às 22 horas, pela TV Brasil, ao vivo em rede nacional. Em São Paulo pelo canal 4 da NET e 116 da Sky.