Os jornais do fim de semana (8-9/9) finalmente começaram a vasculhar um pouco os perfis de candidatos às Câmaras Municipais. Com foco apenas no poder Executivo, a imprensa vinha relegando ao segundo plano os processos eleitorais no Legislativo, onde nascem algumas das carreiras desvirtuadas que acabam mais tarde engordando o noticiário sobre casos de corrupção.
Ainda é pouco: apenas uma ou outra pauta investiga as candidaturas a vereador, procurando identificar os padrões que costumam compor casas legislativas geralmente dóceis ao poder dos prefeitos e altamente vulneráveis à formação de esquemas de corrupção.
Embora o regime brasileiro seja presidencialista, com a hegemonia do Executivo atravessando as instâncias desde Brasília até o menor dos municípios, o bom funcionamento da democracia pressupõe um certo equilíbrio entre os poderes. No entanto, o que se vê é comumente a formação de blocos de interesse construídos em torno do prefeito e alimentados pela distribuiçãointerpares dos recursos públicos.
Nomes e fotos
Pode-se demonstrar que boa parte das carências observadas na rotina das cidades, como a baixa qualidade da educação, más condições de instalações públicas e pouco investimento em infraestrutura se deve às escolhas de prioridades que servem melhor aos grupos de poder do que à população.
Além disso, nesses ninhos de conchavos nascem candidaturas às Assembleias Legislativas e à Câmara dos Deputados referendadas por esses mesmos grupos, estimulando o desenvolvimento de carreiras políticas viciadas na formação das máfias de interesse privado com forte vocação para se compor em quadrilhas.
Na origem, segundo se apreende do noticiário, esses bandos se concentram em pilhar o orçamento em áreas como a da merenda escolar e coleta e destinação de lixo. Depois, consolidadas as relações e os esquemas, passam a dominar toda a administração municipal, de onde se lançam para voos mais altos.
Observar na origem como se formam as chapas e alianças nas candidaturas a vereador é uma boa forma de lançar alguma luz sobre o problema da corrupção, que normalmente só é enxergado pela imprensa quando se manifesta em Brasília.
O Globo trouxe como manchete, no domingo (9/9), uma reportagem sobre os custos das Câmaras Municipais em todo o país. Em 2011, foram pelo menos R$ 9,5 bilhões de reais pagos para manter os vereadores dos 5.565 municípios em todo o território nacional. Uma das principais características desses gastos, segundo o jornal carioca, é a falta de transparência.
A investigação do jornal sobre os 26 sites de Câmaras Municipais das capitais mostra que na maioria dos casos aquilo que deveria ser um instrumento de prestação de contas à população traz apenas nomes e fotos dos vereadores, com registros de alguns projetos e o orçamento total das casas legislativas. São omitidos dados importantes como os salários dos vereadores e servidores, número de funcionários em gabinetes e despesas com diárias.
Votando às cegas
Também no domingo, o Estado de S. Paulo apresentou reportagem especial intitulada “Profissão: vereador”, com a descrição dos esforços e esquemas daqueles que querem uma vaga no legislativo da capital paulista. A eleição para a Câmara de São Paulo pode custar até R$ 8 milhões, o que induz muitas vezes a alianças entre candidatos e empresas interessadas em negócios com a municipalidade.
O jornal paulista revela os cardápios de propostas mais comuns defendidas pelos candidatos e conta como os grupos políticos loteiam áreas do município na disputa por território e corrompem líderes comunitários para ganhar acesso às moradias dos eleitores. Por outro lado, o jornal apresenta recomendações de especialistas para a escolha dos candidatos a vereador.
Na Folha de S. Paulo de domingo, reportagem detalha o sistema de doações eleitorais por parte de empresas, observando que a prioridade tem sido fazer doação oculta, repassada oficialmente ao partido, o que dificulta a identificação dos candidatos beneficiados.
Na segunda-feira (10/9), a Folha volta ao tema eleições em entrevista com o juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, que nasceu de um projeto criado em redes sociais da internet. Segundo o magistrado, a falta de transparência nas contas dos candidatos faz com que o eleitor vote às cegas, tornando o voto vulnerável aos interesses dos doadores.
Esse esforço dos jornais ainda não é muito, mas coloca a imprensa um pouco além do círculo das intrigas entre candidatos a prefeito.