Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa

Winston Churchill, primeiro-ministro da Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, detestava o general De Gaulle, seu aliado, líder das forças francesas que lutavam contra o nazismo. Churchill costumava dizer que todo homem tinha de carregar uma cruz, e que a dele era a Cruz de Lorena – o símbolo da França Livre. Isso não o impediu de trabalhar com De Gaulle, de negociar com ele, pois mais importante que o sentimento pessoal era a vitória na guerra.

Por falar em guerra, os Aliados tinham combinado com a Resistência francesa os códigos que indicariam o local do desembarque no continente. No caso da Normandia (o local escolhido) o código era um poema de Verlaine, a Chanson d’Automne: ‘Les sanglots longs/ des violons de l’automne/ blessent mon cœur/ d’une langueur monotone’.

No momento da invasão, o Dia D, os Aliados concluíram que os alemães deduziriam o local do ataque pela rebelião da Resistência. Liberaram então os códigos para todos os setores. A Resistência se levantou na costa inteira, foi massacrada pelas tropas nazistas, mas preservou-se o segredo. A invasão foi um sucesso, a França e a Europa foram libertadas.

Transparência é bom, mas nem sempre. No mundo inteiro, é crime divulgar uma informação que possa influir no comportamento das Bolsas antes do fechamento do mercado. Ninguém dirá publicamente quem divulgou a repressão no Irã, pelo twitter, após a eleição de Ahmadinejad. Seria colocar uma vida, ou várias, em risco. E, quando as informações são divulgadas no momento errado – tipo ‘veja só, vamos invadir o Complexo do Alemão amanhã de manhã’ – os bandidos podem fugir antes do ataque.

Todas estas linhas, é claro, foram inspiradas pela ocorrência do vazamento de informações do Wikileaks: é preciso deixar claro que transparência é bom, mas nem sempre, que sigilo não é bom, mas nem sempre, que informação é informação e fofoca é fofoca.

Todas estas linhas, é claro, não foram inspiradas pelas informações vazadas efetivamente pelo Wikileaks. Os vazamentos, até o momento em que este colunista encerrava seu trabalho, não tinham nada de importante: havia mais fofoca do que qualquer outra coisa. O que era interessante não era novo e o que era novo não era interessante. Samuel Pinheiro Guimarães não gosta dos Estados Unidos, Nelson Jobim acha Samuel esquerdista demais para seu gosto, a bela e simpática Carla Bruni é uma presença sempre aguardada, Sarkozy é autoritário, Putin manda em Medvedev, que deveria mandar nele, e o serpentário diplomático se habituou a apelidá-los de Batman e Robin (porque um lidera a dupla, e não por qualquer outro motivo). Faltou dizer que Schumacher, Piquet, Senna, Emerson Fittipaldi, Niki Lauda e Jim Clark foram excelentes pilotos de Fórmula 1, e que Marilyn Monroe era um mulheraço – aliás, se é para fazer fofoca, só aqui dá para preencher vários relatórios do Wikileaks.

Tudo indica que desta vez não aconteceu nada de muito nocivo. Mas há uma pergunta que merece resposta: como é que um país cheio de segredos econômicos, políticos e militares, que gasta quase US$ 100 bilhões por ano só na área de proteção de informações, se mostra tão vulnerável? Ser enganado por um serviço secreto estrangeiro, vá lá; mas por um recruta que ouve Lady Gaga?

 

O papel da imprensa

A imprensa americana é garantida pela Primeira Emenda, que veda qualquer tipo de legislação restritiva à liberdade de expressão. A imprensa decide, portanto, o que publicar, levando ou não em conta os interesses do país. A imprensa americana jamais noticiou na época, por exemplo, o famoso caso extraconjugal do presidente Franklin D. Roosevelt; e as fotos do presidente eram sempre em plano americano, só do peito para cima, para não mostrá-lo na cadeira de rodas. Já Watergate, um problema político, foi um caso que não teria ocorrido se a imprensa não se grudasse no assunto (e, na área da fofoca, Monica Lewinsky entrou na mira simultânea de um procurador e dos jornais).

A pergunta é simples: caso você, caro colega, tivesse em mãos informações sigilosas, devidamente verificadas, iria ou não publicá-las? Se você, jornalista brasileiro, recebesse a informação exclusiva de que a Petrobras estava a ponto de anunciar uma descoberta enorme no pré-sal, como se comportaria? Se, comprovadamente, o caro colega soubesse que o minério brasileiro teria forte alta no mercado internacional, publicaria a notícia?

Cada caso é um caso. E, em cada caso, corremos o risco de errar. Mas há um erro que não podemos cometer: deixar de receber e checar as informações obtidas, legal ou ilegalmente, por terceiros. Quem decide se a operação foi legal ou ilegal não somos nós, é a Justiça. E como decidir sem saber do que se trata?

 

Então, tá

Essa acusação sueca de estupro contra Julian Assange, do Wikileaks, pode levá-lo à cadeia. Alguém acreditará que este seria o motivo real da prisão?

 

Tudo afrouxado

O traficante Eliseu Felício da Silva, Zeu, um dos assassinos do jornalista Tim Lopes, foi até o momento o grande troféu da invasão ao Morro do Alemão. Zeu, pelo que informam as autoridades, é um dos principais narcotraficantes do Rio.

Tudo bem – mas acontece que Zeu já esteve preso e foi solto, burocraticamente, quando cumpriu um sexto da pena. Solto, não: recebeu o benefício do regime semi-aberto. Ele deveria deixar a prisão durante o dia, achar um emprego, trabalhar, e voltar para a prisão à noite, para dormir. E qual emprego seria satisfatório para um cavalheiro sem nenhuma outra habilidade conhecida fora traficar drogas e assassinar quem se pusesse no caminho do crime? Zeu aproveitou a chance e reiniciou sua carreira como narcotraficante em tempo integral.

Nossa imprensa, tão boazinha, noticiou tudo sobre Zeu. Mas este colunista não encontrou o nome do juiz que lhe concedeu a progressão de regime. Este colunista gostaria de saber, também, se alguma autoridade superior do Judiciário perguntou ao meritíssimo quais os fundamentos de sua decisão.

Só para lembrar, Tim Lopes foi torturado e muito antes de ser morto; seu corpo foi queimado com gasolina, dentro de uma coluna de pneus.

 

Perguntar pode ofender

Em geral, pergunta não é inconveniente: o que pode ser inconveniente é a resposta. Mas, por mais ousada que seja a pergunta, por mais que toque em pontos sensíveis, a urbanidade é essencial. O bom repórter Leonêncio Nossa, do Estado de S.Paulo, caiu na armadilha da indelicadeza ao perguntar ao presidente Lula se tinha ido ao Maranhão defender a oligarquia dos Sarney.

Este colunista não tem a menor simpatia pelos Sarney, é de opinião de que se trata mesmo de uma oligarquia, considera-os responsáveis por boa parte dos maus índices apresentados pelo Maranhão. Mas a mesma pergunta poderia ser feita de outra maneira: por exemplo, se o presidente Lula teria ido ao Maranhão para defender a família Sarney.

O presidente também foi indelicado: disse que o repórter precisava fazer uma terapia. Errado, presidente: a eventual indelicadeza da pergunta não anula seu núcleo essencial, a respeito dos motivos que levam uma autoridade, que já chamou o presidente Sarney de ladrão, a mudar de idéia a seu respeito. Errou também a governadora Roseana Sarney, ao acusar o repórter de preconceito por ser ela mulher. O repórter falou da família – que inclui o ex-presidente, que inclui o ex-ministro Zequinha Sarney, que inclui o administrador do patrimônio do clã, Fernando Sarney, e também a governadora Roseana Sarney (além, claro, de seu marido Jorge Murad). Onde está o preconceito contra as mulheres?

 

Um brasileiro de ponta

Alguém sabia que um brasileiro está classificado entre os quatro melhores cantores pop do mundo, num concurso da Diesel em que concorreram mais de 800 bandas? Não, ninguém sabe: o nome de Yann, 22 anos, simplesmente não apareceu em nossos meios de comunicação. E isso prejudica demais suas possibilidades de transformar-se no número 1 do mundo: ele depende do voto dos internautas, e se os internautas não sabem que é candidato não têm como votar nele.

Yann mora em Nova York há um ano, e lá se apresenta no melhor circuito de clubes da cidade, os mesmos por onde passaram Lady Gaga e Katy Perry. O concurso da Diesel, que já lançou nomes como M.I.A, Diplo e Mylo, está completando dez anos. O prêmio ao vencedor soma US$ 100 mil; há também uma campanha de marketing, com outdoor na Times Square, carro envelopado, uma festa. A votação pode ser feita até este dia 9, no portal music.diesel.com 

 

Renata, a grande

É hoje, dia 7: Renata Falzoni, excelente repórter fotográfica, gente da melhor qualidade, bicicleteira militante (fundadora, por exemplo, dos Night Bikers, grupos que saem de bicicleta à noite para passear), defensora da tese de que, se mais gente andar de bicicleta, haverá menos congestionamentos, menos poluição, mais saúde e muito mais qualidade de vida, recebe a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão de São Paulo. Às 19h, na Câmara Municipal de São Paulo. Renata merece!

 

Como…

Não, não sonhemos. Fernando Portela, Fred Mello Paiva, Humberto Werneck, Moacir Japiassu, Moisés Rabinovici, Ivan Ângelo, Renato Pompeu, Pedro Cavalcanti, esses são exceções: escrevem bem demais, não podem servir de parâmetro. Mas não é preciso ser um Ricardo Setti e arrebentar os limites do bom texto: um jornalista pode perfeitamente ser preciso, conciso, agradável, sem que isso represente esforço demasiado. Afinal de contas, é sua profissão.

Ah, um bom texto! Certa vez, o jornalista Murilo Felisberto, falando sobre uma jovem que o interessara, descreveu suas qualidades: ‘É bonita, inteligente e tem bom texto’. Ah, costumes! Grandes jornais, portais de grandes empresas, emissoras tradicionais andam aceitando qualquer coisa (outro dia, o volante corintiano Jucilei conduzia um ataque perigoso enquanto o locutor o chamava de Jorge Henrique, de outra cor e com a metade do tamanho. Não, não é aceitável).

Um exemplo, de um grande jornal, a respeito da ordem de prisão contra Julian Assange, do Wikileaks:

‘Oficiais suecos afirmam que o alerta foi emitido porque ele não se disponibilizou a se reunir com procuradores. Stephens afirma que as autoridades suecas negaram repetidas ofertas para conversar com Assange’.

‘Oficiais’ é um falso cognato: parece com uma palavra em português, mas quer dizer outra coisa. No caso, ‘autoridades’, ‘funcionários do governo’. As autoridades suecas não ‘negaram repetidas ofertas’ – ao contrário, quem se recusou a conversar foi Assange. Na pitoresca linguagem da notícia, ‘ele não se disponibilizou a se reunir com procuradores’. Ou seja, não apareceu. Não se dispôs. Não quis ir. Rejeitou a possibilidade de conversar. ‘Disponibilizar’ é linguagem de call-center (‘estamos disponibilizando um de nossos atendentes para que ele possa estar conversando antes que o senhor esteja se irritando o suficiente para estar nos mandando ao lugar que o senhor já está imaginando qual seja’). Daqui a pouco o simples ato de ler jornal vai-se transformar em ‘jornabilizar’, por que não?

 

…é…

De um release a respeito das atividades de um ministro:

** ‘Wagner Rossi faz presença (…)’

Ou seja, compareceu. Esteve presente. Só que não é nada disso, já que o evento ocorrerá dentro de alguns dias. O ‘faz presença’ quer dizer ‘confirmou presença’. O mais engraçado é que é texto de instituição de ensino superior.

 

…mesmo?

Os dois casos saíram em grandes jornais. O primeiro se referia à proposta do deputado Jair Bolsonaro, do PP fluminense, de que os pais dessem ‘um couro’ nos filhos caso percebessem que tinham alguma tendência gay. Saiu ‘coro’ – e não foi uma vez só. Imagine o caro colega a alegria do garoto com tendências gays, recebendo dos pais, à guisa de castigo, um coro inteirinho só para ele!

O segundo estava na cobertura da invasão ao Morro do Alemão. Informava que o policial tinha ‘toca’. Não, não estava escondido, nem se protegia durante uma troca de tiros: apenas usava uma ‘touca’. Mal escrita, mas ‘touca’.

 

Caprichando

Num grande jornal, daqueles que, em outras épocas, não admitia nem erros de revisão:

** ‘Antônio Patriota é saldado como futuro ministro de Dilma’.

Realmente, os leitores deste veículo devem sentir ‘saldades’. Mas não esqueçamos de que foi lá, também, que apareceu um ‘piano de calda’.

 

Mundo, mundo

Justin Bieber foi a um restaurante em Londres com um bigode pintado e um helicóptero de controle remoto. Chateou os vizinhos de mesa com o helicóptero, acabou acertando um deles na cabeça, continuou brincando durante o almoço. Quando cansou do brinquedo, simplesmente abandonou-o.

E, de acordo com um grande portal noticioso, o bigode estava desenhado ‘sob o lábio superior’. Como terão conseguido desenhar um bigode dentro da boca do astro malcriado?

 

E eu com isso?

Houve época, acredite, em que notícia para ser publicada tinha de ter alguma importância. E estávamos todos errados:

** ‘Uma Thurman repete roupa durante evento’

** ‘Cauã Reymond sai de floricultura no Leblon com um buquê’

** ‘Rainha Elizabeth chorou no final de ‘As crônicas de Nárnia’’

** ‘Sheron Menezes deixa bumbum à mostra em lançamento de CD’

** ‘Linda Evangelista circula com botão da blusa aberto e sem sutiã’

E é uma foto superdiscreta: não mostra nada.

** ‘Paola Oliveira pinta as unhas em lançamento de esmalte’

** ‘Johnny Depp diz que se apaixonou pelo pescoço de sua mulher’

** ‘Vestido de Papai Noel, mergulhador alimenta peixes em aquário alemão’

 

O grande título

Começamos bem, com um daqueles títulos que até couberam no espaço, mas deve ter sido mudado tantas vezes que acabou com a concordância arrebentada:

** ‘Veja as aplicações certos para seu dinheiro’

Há um título referente à vida rural:

** ‘Galinha bota ovo gigante’

Há muitos e muitos anos, o secretário de Redação da Folha de S.Paulo era Hélio Pompeu, sujeito sério, sempre de paletó e gravata, pertencente a uma família de jornalistas – era irmão do grande Paulo Pompeu, tio de Sérgio e de Renato Pompeu, um dos mestres deste colunista. O Renato era o oposto de Hélio: irreverente, demolidor. Um dia, numa seção de notícias curtas, apareceu a história de uma galinha que tinha botado um ovo gigante. Título do Renato:

** ‘…e a galinha penou’

Hélio Pompeu parou a rodagem para trocar o título.

Aliás, já que falamos em bichos, vai lá:

** ‘Australiano se casa com cadela de estimação em cerimônia em parque’

Diz o cavalheiro que o amor é platônico. Mas trata-se, sem dúvida, de um neófito no gênero. No Brasil, pelo menos um político importante e um jornalista de primeiríssima linha tiveram longos namoros com cabritas. Não era nada platônico, não.

E o grande título, com aquele vício do suposto:

** ‘Polícia Federal encontra restos mortais de suposta vítima da ditadura’

Dá para entender. E, como Caetano é brasileiro, ou não dá.

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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados