Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma concepção de educação em jogo

Semana passada escrevi – em artigo encomendado pelo jornal Folha de S.Paulo – sobre o caso da escola em São Caetano (SP) que promove viagens de uma agência para a Disney (matéria e artigo estão disponíveis aqui). No artigo, afirmo que o que está em jogo, quando uma escola cede aos apelos da publicidade, é uma concepção de educação.


A serviço de que está a formação dos indivíduos na contemporaneidade? Estaria ela voltada para o desenvolvimento e para o crescimento? Ou estudamos para sermos bem-sucedidos no mercado de trabalho? Ou será que somos educados para sermos cidadãos e vivermos com dignidade e em sociedade? Ou ainda, hoje em dia, formam-se bons consumidores?


Em 2009, neste Observatório, alertei para a entrada sorrateira da publicidade nas escolas através dos professores (ver ‘A privatização subjetiva dos espaços educativos‘) como uma forma de privatização (ou mercantilização) subjetiva do espaço escolar e do saber transmitido pela escola.


Formação cada vez mais restrita


Este novo caso mostra que, aos poucos, as mídias e a publicidade adentram o espaço escolar sem qualquer discussão sobre a regulação destas atividades. Em geral, elas representam estratégias de mercado e sua adesão fica a cargo do julgamento particular do(a) diretor(a) da escola ou mesmo de um gestor.


Cabe ressaltar que os alunos não são seres passivos e que negociam necessariamente com as informações que lhes são passadas. Cabe ainda ressaltar que, em uma escola privada, esta questão é ainda mais delicada, pois não podemos entrar em julgamento de valor sobre a educação que cada família resolveu dar aos seus filhos. Na rede pública, caberiam mais questionamentos. Mas isso não quer dizer que na educação privada vale tudo.


Mas, ainda que façamos ressalvas, é preciso que entendamos – e discutamos – que está em jogo uma concepção de educação de forma mais ampla. Está em questão a formação dos indivíduos na modernidade. Uma formação que atende, cada vez mais, aos apelos do mercado, a demandas de empresas e – em especial – às demandas do campo da comunicação, que exige uma escola antenada, moderna, ligada em seu tempo.


Esta formação é, portanto, cada vez menos humana, em seu sentido mais amplo. E atende cada vez menos ao interesse público. É cada vez mais restrita, ao formar indivíduos para uma lógica específica e não para o desenvolvimento de múltiplas possibilidades e trajetórias. Por que formar consumidores, e não indivíduos leitores, reflexivos, críticos, produtores de conhecimento, artistas, investigadores, sonhadores ou lúdicos?


A dimensão dos danos


Os ideais da modernidade têm empurrado as mídias – e agora a publicidade – para dentro das escolas de forma dócil (sem parecer que se trata de um tipo de violência) e desregulada que, certamente, causa efeitos ainda sem possibilidades de mensuração, tanto no ambiente e na comunidade escolar, quanto nas crianças ali socializadas.


A matéria da Folha que relata o caso aponta uma série de efeitos imediatos nestes jovens, mas ainda é cedo para saber que tipo de reverberações este tipo de estratégia de mercado terá na vida de cada criança e na história da educação.


Este episódio nos chama atenção para uma das grandes questões no campo da comunicação na atualidade: a perversidade da publicidade voltada para crianças. Se quando ela é veiculada na televisão já tem um enorme potencial, imaginemos quando ela é veiculada na escola, lugar onde a criança encontra confiança, segurança e referências para a sua vida? Os danos, certamente, têm outra dimensão.

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Jornalista, mestre em Comunicação e Semiótica (PUC-SP) e doutoranda em Educação (FE-USP); docente do curso Comunicação, Educação e Cibercultura (PUC-SP) e assessora de comunicação da ONG Ação Educativa; integra o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social