O objetivo deste texto é comentar a desastrada declaração da ministra Matilde Ribeiro, da Seppir (Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial). Em entrevista à BBC Brasil, a ministra afirma que considera natural que um negro não deseje conviver com um branco.
Antes de comentar o que a ministra falou, deixo o leitor avisado que sou branco, homem e heterossexual. Como se não bastasse, sou adulto, de classe média e católico apostólico romano. Em outras palavras, sou da ‘maioria excluída’. Entretanto, não é por ser branco que não me sensibilizo com a questão do racismo. Não é por ser homem que não apóio a igualdade entre os sexos. Não é por ser heterossexual que não respeito o homossexual.
Cultura afro-brasileira
Aviso importante: se você acha que sou culpado de um monte de coisas que não fiz só por ser o que sou, não continue lendo. Sei que mesmo que leia, você vai preferir viver no seu mundinho de conflitos e segregação permanentes. Então, não leia. Se mesmo com esse aviso você resolver ler, abra os olhos e ao menos considere o que eu vou escrever aqui.
Isto dito, continuemos. Reproduzo partes da entrevista em itálico e exponho meus comentários abaixo de cada trecho.
‘…uma lei de 2003 obriga o ensino da história e cultura afro-brasileira para as crianças.’
Então não há obrigatoriedade de ensinar sobre a história e a cultura européia ou indígena? Porque não reconhecemos nossas raízes e ensinamos as nossas crianças sobre tudo o que nos formou e sobre o papel que cada cultura exerceu na formação de nossa nação? Talvez falte nos ministérios, ou apenas na Seppir, pessoas que tenham lido Sérgio Buarque de Hollanda, Roberto Da Matta e Darcy Ribeiro…
Bolsa-Escola, um paliativo
‘…o (programa) Prouni, de bolsas de estudos para alunos carentes de escolas, já concedeu em menos de três anos mais de 200 mil bolsas no Brasil, dos quais 63 mil para negros e 3 mil para indígenas.’
E quantos brancos receberam bolsa? Certamente não são todos os 134 mil restantes, uma vez que temos os mulatos, mamelucos e ‘pardos’ (por mais inadequado que seja o termo), sem contar a possibilidade de haver um oriental também favorecido pelo Prouni. Mas de que adianta facilitar o acesso à universidade em um país de analfabetos e semi-alfabetizados? Onde estão os programas para o fim da evasão escolar? Onde estão os programas de erradicação do trabalho infantil? Espero que não tenha ninguém que ache que o Bolsa-Escola é mais que um paliativo…
Lugares onde negro não vai
‘…o fato de os negros e os indígenas serem os mais pobres entre os pobres é resultado de um descaso histórico.’
Concordo, mas esse descaso histórico é muitas vezes usado como desculpa para se falar em um débito que a sociedade atual teria para com essas ‘minorias’.
Até onde eu sei, não devo nada à população negra ou indígena porque não compactuei com a série de injustiças que resultaram na sua marginalização dentro da sociedade. Em vez de apontar o dedo e dizer que eu devo isso ou aquilo, por que não trabalhamos juntos para construir uma sociedade mais justa para todos nós, sem essa segregação, sem essa divisão?
‘Aparentemente todos podem usufruir de tudo, mas na prática há lugares onde os negros não vão. Há um debate se aqui a questão é racial ou social. Eu diria que é as duas coisas.’
E que lugares são esses? Esses lugares são denunciados? Será que um branco pobre ou mal-vestido entraria nesses lugares? Eu diria que a questão é mais social que racial, mas é inegável que a questão racial existe. O que falta é trabalhar verdadeiramente para a erradicação desse tipo de atitude racista ou classista, para que se possa acabar com os paliativos.
Racismo não é natural
Essa próxima pergunta merece ser reproduzida na íntegra:
‘BBC Brasil – E no Brasil tem racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos?
Matilde Ribeiro – Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou.’
Alguém tem que dizer à ministra que o racismo não é natural em situação alguma. E tem que informá-la melhor sobre o conceito de racismo, para que ela veja que é, de fato, racismo se um negro agride um branco apenas pela sua cor (ou raça, ou etnia; chame como preferir).
Questão de princípios
Ademais, gostaria que me dissessem em que ocasião levantei minha mão para quem quer que seja, negro ou não. Gostaria muito que me fosse mostrado quando açoitei alguém. Gostaria também que a ministra, que é negra, criasse coragem e denunciasse quem a açoitou. Talvez a ministra ache natural que eu pague pelos erros de toda uma sociedade que já havia retornado ao pó quando nasci, mas eu não acho. Seria natural considerar todo e qualquer cidadão alemão culpado pelos crimes do nazismo hitleriano? Absurdo!
Posso ser branco, mas desejo a igualdade e trabalho para promovê-la em qualquer lugar em que esteja. Mas, se o faço, não é para a satisfação desse credor imaginário, mas por uma questão de princípios. É apenas por ver na igualdade um caminho para a paz e a justiça social.
Um débito da nação
Por fim, uma citação não de uma resposta da ministra, mas de uma pergunta da repórter:
‘…a proporção de negros abaixo da linha da pobreza na população brasileira é de 50%, enquanto entre os brancos é de 25%.’
Portanto, mais nos valeria a criação de políticas públicas de inclusão do pobre. Se o Estado se preocupar com a situação de todas as pessoas abaixo da linha da pobreza, já vai proporcionar auxílio para uma quantidade maior de negros do que de brancos, sem a necessidade de segregação.
Essa divisão que privilegia a população negra é em função do suposto débito da nação, sobretudo a população branca, com os negros. Repito, isso não promove ou proporciona a igualdade.
Lutar pela igualdade
O que falta é uma discussão em prol de uma verdadeira igualdade, pois favorecer uma etnia (ou sexo, ou orientação sexual) em detrimento de outra, ou de todas as outras, é apenas a realização, na sociedade, do preconceito. É estranho que se deseje o fim da segregação mas não se compreenda que falar em direitos dos negros, direitos das mulheres, direitos dos homossexuais, é também segregar.
Que se protejam as crianças e os pobres, que realmente precisam de quem os ampare. Que se favoreçam os idosos, que trabalharam por toda a vida em prol da sociedade.
Quanto ao restante, vamos lutar pela igualdade. Vamos trabalhar por uma sociedade mais justa para todos. Vamos abandonar esse amontoado de preconceitos e trabalhar juntos. Ou será que a sociedade se recusará a trabalhar com um branco?
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Bancário e estudante de Comunicação, Brasília, DF