Quando se fala em jornalismo colaborativo na internet, a desconfiança é geral, principalmente por parte dos jornalistas e meios de comunicação tradicionais, que o enxergam como uma ameaça, e não como uma boa alternativa ou até solução. Mas não há como esconder que o jornalismo passa por um processo de redefinição quanto às suas possibilidades de coleta, produção e publicação de informação instauradas pelo meio digital.
Bill Kovach e Tom Rosenstiel, autores do livro Os elementos do Jornalismo (2001), apresentam características que comprovam que a prática jornalística passa por ‘um momento de transição’. Eles argumentam que a transformação nos elementos da produção das notícias está diretamente relacionada a mudanças tecnológicas, sociais e econômicas. Para exemplificar, citam os períodos entre 1830 e 1840, que se transformou com o advento do telégrafo (o que possibilitou que as notícias fossem enviadas de maneira rápida e para lugares, até então, inatingíveis); entre 1880 e 1890, com a redução dos preços do papel e a onda de imigração; entre 1920 e 1930, com a rádio (a mensagem jornalística chegava à sua audiência de forma instantânea e utilizando a som); e entre 1950 e 1960, com a Guerra Fria e a televisão (que trouxe a imagem).
Com a criação da internet, das tecnologias móveis e dos cabos, a situação não seria diferente, ainda mais se tratando de um período globalizado e de valorização da informação. A chamada ‘Era da Informação’ culminou com a expansão de meios como a televisão, publicações impressas, sites na própria internet e dispositivos móveis dotados de poderio informacional.
O marco do 11 de Setembro
Instaura-se uma fase em que os processos de produzir, difundir e receber mensagens jornalísticas são afetados diretamente. Características como a da interatividade, a da instantaneidade e a do acesso a fáceis ferramentas para publicações sacramentam a grande possibilidade de a audiência participar ativamente no fluxo de produção jornalística. Ou seja, a internet propiciou os meios necessários para que qualquer cidadão pudesse compartilhar suas notícias com outras pessoas ou comunidades online, o que, de acordo com Shayne Bowman e Chris Willis, autores do livro We Media (2003), cria um ambiente de maior cidadania e democracia.
O maior reflexo desse processo se deu nos atentados de Nova York no dia 11 de setembro de 2001. As cenas dos aviões se chocando com as torres do World Trade Center e com as instalações do Pentágono trouxeram aos norte-americanos – e, por que não, ao mundo – um misto de sensações que envolviam certamente a perplexidade, o medo e a insegurança. A maior potência econômica e política do globo encontrou-se num estado de vulnerabilidade desconhecido pela maioria das gerações de seus cidadãos.
Dan Gillmor, autor do livro We, The Media (2004), explica que a televisão mostrou graficamente o que estava acontecendo e o que os jornalistas foram além, fazendo um trabalho que não foi pelo caminho superficial; pelo contrário, primou pela profundidade dos fatos. ‘Os jornalistas fizeram muitos dos seus melhores trabalhos e me fizeram orgulhoso de ser um deles. (GILLMOR, 2004).’ Mas a cobertura dos veículos de comunicação de massa não satisfez a necessidade de muitas pessoas de expressarem seus sentimentos e de entenderem coletivamente o que se passava realmente naquele momento. Elas eram os principais atores envolvidos e, definitivamente, tinham algo a dizer e mostrar. O resultado dessa inquietação foi quase imediato. Não foi por acaso que Gillmor (2004) disse que algo diferente aconteceu naquela cobertura dos atentados. Uma rede de notícias criada por cidadãos comuns estava se disseminando na internet.
O impacto da cobertura
Notícias que contrastavam com aquelas produzidas pela grande mídia, já que refletiam contextos extremamente pessoais e se complementavam como peças de um grande quebra-cabeça. E essas peças eram formadas por textos que incluíam diferentes narrativas pessoais, galeria de fotos, comentários, fóruns, troca de e-mails, já que os tradicionais sites de notícias não suportaram a grande carga de acessos. Mesmo que as primeiras publicações refletissem indignação quanto ao ocorrido, logo elas se direcionaram para debates e discussões críticas das possíveis origens e conseqüências dos históricos acontecimentos.
A internet acabou sendo o meio de comunicação propício para a busca e produção de informação relativa aos fatos, como outrora foram o rádio e a televisão. E como os tradicionais sites não supriram toda a necessidade por conteúdos, os próprios cidadãos produziram e colocaram para circular seus relatos pessoais, que tinham validade jornalística, já que traziam novos pontos de vistas e contextos até então não abordados pelos grandes veículos. O impacto dessa cobertura foi o aumento significativo da utilização da internet como fonte e circulação de informações jornalísticas.
Estratégias distintas
Infelizmente, a lógica industrial e comercial, impulsionada por valores como objetividade, rentabilidade etc. dos meios de comunicação de massa, subestima o processo criativo de sua audiência ao limitá-los a poucos canais. Até ser publicada, a informação passa por diversos filtros e quase não admite o fator opinativo. No jornalismo colaborativo, o inverso acontece: a participação é irrestrita, o que faz com os colaboradores se sintam parte integrante e importante em todas as etapas do processo comunicacional.
É preciso, então, que as mídias tradicionais explorem esse potencial de forma contundente, para que possa a dar às pessoas a oportunidade de se expressarem, de revelarem seus anseios. A discussão sobre o jornalismo colaborativo é sadia e não pode cessar, pois não se pode esconder o sol com a peneira.
Uma vez, durante a Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética utilizaram estratégias distintas na corrida pela tecnologia. Enquanto os norte-americanos privilegiaram o financiamento público de pesquisas acadêmicas apoiadas na troca e colaboração de informações entre estudantes, cientistas e militares, os soviéticos persistiram no uso secreto e militar de suas linhas de pesquisa. A história mostrou quem estava certo. Que as grandes corporações midiáticas se espelhem no exemplo acima e acreditem no potencial de sua audiência. A própria história não perdoa.
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Estudante do último período de jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG