Normalmente, associamos o autoritarismo a um regime fechado, ‘lei e ordem’, em que impera a censura estrita, o olho vigilante do Estado e o culto à uniformidade.
Nesse sentido, parece impossível que sociedades democráticas liberais possam, paulatinamente, se transformar em versões de sociedades autoritárias. No entanto, é bem possível que a Itália de Silvio Berlusconi nos obrigue a rever tal certeza.
Primeiro-ministro por três vezes (1994-1995, 2001-2006 e 2008 em diante), Berlusconi é mundialmente conhecido pela impressionante lista de processos envolvendo os mais variados crimes.
No governo, fez de tudo para bloquear o poder de investigação do Judiciário, mobilizando a opinião pública contra a ‘república dos juízes’, que estaria impedindo cidadãos comuns de viver e progredir. O que não foi difícil para alguém que detém o maior império midiático da Itália (TVs, jornais, editoras).
Após ganhar eleições através de uma política do medo que criou um ‘inimigo interno’ ao transformar a imigração em problema político e securitário central, ele agora se volta contra o que resta da imprensa fora de seu poder.
Baixa visibilidade
Mas o premiê italiano não quer simplesmente censurar e silenciar. Ele quer criar uma geografia da comunicação onde as opiniões divergentes possam aparecer, mas sempre em espaços de baixa visibilidade.
Como dono da Editora Mondadori, ele gostava de dizer que publicava os autores que mais o criticavam. O detalhe é que poucos leem livros, mas muitos veem o jornal televisivo noturno. Por outro lado, ele não quer impor um regime ‘lei e ordem’, mas criar um poder que desmobiliza toda oposição por parecer, a todo momento, rir de si mesmo, não se levar a sério.
O sorriso maroto de Berlusconi e suas constantes gafes de bufão de Província funcionam como essas piscadelas de olhos que dirigimos a alguém quando procuramos alertá-lo para não crer no que estamos dizendo.
Sua figura pública é a nova imagem de um poder autoritário para o qual a lei é feita para ser ironizada e aplicada apenas quando eu achar conveniente.
Talvez por isso, Saint-Just costumava dizer: ‘Quem brinca quando ocupa o cerne do poder, tende à tirania’.
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Professor no Departamento de Filosofia da USP