Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma vítima da “cultura tropa de elite”

O cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos da Silva morreu na manhã de domingo (6/11), durante confronto entre policiais do Bope e traficantes na favela de Antares, na zona oeste do Rio.

À tarde já havia imagens disponíveis do tiroteio na favela. O cinegrafista de 46 anos morreu e, trágica e imediatamente, virou uma espécie de autonotícia. Por ele ter recebido o tiro de frente, há chances de ter filmado o atirador que o alvejou. Às 16h49, o portal UOL trazia a chamada na home: “Band divulga vídeo gravado na operação”. Clicando naquele link, você vai parar num vídeo hiper-realista e brutal do tiroteio.

Fazendo o seu papel protocolar, e, diga-se, tardiamente, o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro responsabilizou a TV Bandeirantes pela morte de Gelson.

Duas considerações sobre o triste episódio:

1. Como a Polícia Militar (ou seja, o Estado) permite que um cidadão, embora jornalista, faça parte de uma operação de guerra dessas proporções? Esse cinegrafista deveria estar lá? A reportagem da TV Bandeirantes deveria estar no meio dessa operação? Está claro que o profissional morreu no mínimo por negligência da polícia, já que o colete que vestia não foi suficiente contra um tiro de fuzil. Ponto.

2. Gelson foi vítima de um jornalismo em si mesmo deletério, esse jornalismo que vende a violência em milhões de aparelhos de TV ligados nos botecos e padarias do país no início de todas as noites. A “cultura tropa de elite”.

O Brasil não precisa dessa cultura. Ou será que precisa?

***

[Eduardo Maretti é jornalista]

 

 

Sindicato denuncia falta de segurança

SJPMRJ

Reproduzido do site do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, 6/11/2011; título original “Repórter cinematográfico morre em favela do Rio”, intertítulos do OI

A falta de segurança e estrutura dada aos profissionais em áreas de risco resultou em mais uma morte na cobertura policial em favelas cariocas. No início da manhã deste domingo (6/11), o repórter cinematográfico da TV Bandeirantes Gelson Domingos, de 46 anos, foi atingido com um tiro no peito enquanto fazia imagens de uma operação do Batalhão de Operações Especiais (Bope) na favela de Antares, na Zona Oeste do Rio.

O repórter cinematográfico, que era obrigado a exercer também a função de motorista do veículo da emissora – contrariando todas as normas de segurança em áreas de risco –, avistou um homem correndo com fuzil próximo a um beco. Gelson procurou proteção junto a uma árvore, começou a gravar mas recebeu um tiro no peito – que perfurou o colete à prova de balas. Seu corpo ainda foi levado para a UPA do Cesarão, em Santa Cruz. Na incursão, ele estava acompanhando de um repórter da TV Bandeirantes. Segundo relatos de profissionais que também cobriam a operação, o tiroteio era intenso e as equipes ficaram protegidas atrás de um muro.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJPMRJ) vê com indignação a morte de Gelson Domingos. É mais uma morte que resultou da falta de segurança em coberturas de risco no Rio de Janeiro. Para o Sindicato, este fato expõe a “imediata necessidade de dar continuidade às ações de proteção que foram prioridade após a morte de Tim Lopes e que hoje estão sendo proteladas pelo Sindicato Patronal”.

“Coletes de papel”

“Nós fizemos uma reunião com as empresas para que a segurança dos jornalistas fosse avaliada e sentimos muita resistência na adoção de medidas concretas em conjunto com o Sindicato. As empresas acham que possuem o controle sobre as situações de risco até que algo acontece e prova o contrário”, alerta a presidente do SJPMRJ, Suzana Blass.

Esta reunião, realizada neste ano com o Sindicatos dos Proprietários das Empresas de Radiodifusão e das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas sobre normas de segurança em cobertura em áreas de risco, buscava o cumprimento do estabelecido na cláusula 45 do Acordo Coletivo de Trabalho. Mas não foram tomadas medidas concretas pelas empresas.

Para Suzana, a cobertura da violência só fica mais perigosa com a política de enfrentamento do Estado e a utilização de armas cada vez mais poderosas. “Se não houver uma profunda discussão sobre medidas de segurança vamos continuar vivendo situações inaceitáveis como esta”, diz a presidente do SJPMRJ.

Também neste ano, em maio, a direção do Sindicato dos Jornalistas pediu em Brasília o apoio da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal para a aprovação de leis que possam garantir segurança mais efetiva aos jornalistas que trabalham em áreas de risco. O pedido foi feito durante audiência pública realizada em homenagem ao Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Ao Sindicato das Empresas, foi proposta ainda em 2009 a ideia de criar em cada redação uma Comissão Paritária de Segurança, composta por profissionais do jornalismo, justamente para avaliar as operações em áreas de risco. Porém, este pedido foi constantemente negado sob a alegação de interferência nas redações. “A lógica dos patrões é fazer com que o emprego dos profissionais, como repórteres cinematográficos por exemplo, esteja garantido apenas à medida em que o trabalhador se arrisque cada vez mais em situações como essas”, diz Suzana Blass.

A estrutura dada aos profissionais é pífia já no item mais básico: o colete à prova de balas. O Sindicato dos Jornalistas já havia alertado os veículos e exigiu que o material fosse analisado por especialistas do setor. Um repórter de televisão que estava próximo a Gelson Domingos durante a operação na manhã deste domingo e foi até a UPA acompanhar o corpo, confirma: “Estes coletes são lixo, são de papel”.

“Trata-se de uma tragédia que não podemos deixar que volte a acontecer”, afirma Suzana Blass. O Sindicato dos Jornalistas exige que a TV Bandeirantes auxilie a família da vítima financeiramente.

Contratação irregular

Gelson Domingos era um profissonal com vasta experiência na cobertura policial. Além da Bandeirantes, ele trabalhava também na TV Brasil há cerca de quatro anos. Antes, tinha passado pela Record e pelo SBT. Em 2010, Gelson fez parte da equipe de reportagem da TV Brasil vencedora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com o trabalho “Pistolagem”, sobre assassinatos no Nordeste do Brasil.

“Ele era um cara cascudo, já tinha feito muita matéria de polícia”, lembra a amiga Neise Marçal, repórter da TV Brasil. Ela destaca a experiência e a vontade de Gelson em trazer as melhores imagens, as melhores informações para a redação.

Em nota lançada por volta das 10h30 deste domingo, o Grupo Bandeirantes afirma que “toma todas as precauções para garantir a segurança de seus jornalistas”.

A nota ainda aponta Gelson como “repórter cinematográfico”. É comum, no entanto, a contratação irregular de profissional na função de operador de câmera, com salário menor, para exercer tarefas de repórter cinematográfico. O Sindicato vai apurar em que situação o profissional foi contratado pela empresa.

O enterro de Gelson Domingos será nesta segunda-feira (7/11), no Cemitério do Caju, às 11 horas.

 

VÍDEOS

As últimas imagens

Matéria da Globo News, 6/11/2011

Matéria do Fantástico (postada com comentários pelo canal HannoverBrasil), 6/11/2011

 

 

Cinegrafista é morto por traficantes durante operação policial no Rio

Daniela Amorim e Luciana Nunes Leal

Reproduzido do Estado de S.Paulo, 7/11/2011, intertítulo do OI

Atingido no peito por um tiro de fuzil durante tiroteio entre traficantes e policiais militares, o cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos da Silva, de 46 anos, morreu na manhã de ontem, na Favela de Antares, em Santa Cruz, na zona oeste. A Secretaria de Saúde do Estado informou que “foram feitas tentativas de reanimação, sem sucesso”. Gelson chegou morto à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro, às 7h40.

Em nota, o Grupo Bandeirantes disse que ele vestia colete à prova de balas, no “modelo permitido pelas Forças Armadas, sempre usado por profissionais da Band em situações como esta”. Segundo a PM, a operação, com cem policiais do Batalhão de Choque e do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), tinha o objetivo de “checar informações da área de Inteligência de que líderes do tráfico fortemente armados se reuniam no local”. Um dos PMs que participaram da ação disse que teve dificuldades para socorrer o cinegrafista por causa da intensa troca de tiros, que continuou mesmo após Gelson ser atingido. O cinegrafista teria agonizado 20 minutos antes de ser removido.

No confronto, foram mortos outros quatro homens que, segundo a PM, eram criminosos que reagiram à chegada dos policiais. Eles não tiveram os nomes divulgados. A PM confirmou a prisão de nove pessoas, mas 16 pessoas e um menor chegaram a ser detidos e levados à Divisão de Homicídios, também na zona oeste, encarregada de investigar o caso. Entre os presos estão o gerente do tráfico local, Renato José Soares, o BBC, e seu braço-direito, Leandro Ferreira de Araújo, o China.

Antes de ser atingido, Gelson fez imagens de um grupo de traficantes armados. O material foi levado para a delegacia, mas liberado para que a Band ampliasse as imagens. A polícia quer comparar os rostos na gravação com os dos homens presos e mortos.

Câmera tombada

Segundo relatos de outros repórteres que participavam da cobertura, em um beco largo, transversal a um valão, eles foram surpreendidos por bandidos escondidos atrás de um poste, do outro lado da rua.

“Estávamos todos do lado direito, protegidos pelo muro, só o cinegrafista e outro policial foram pela esquerda. De repente surgiu o traficante, a 50 metros, atirando na diagonal. Foi quando o Gelson foi atingido”, relatou um policial identificado como cabo Almeida, que participou da operação.

A emissora levou ao ar as últimas imagens registradas pelo cinegrafista, que filmou o momento do disparo que o matou. Nas imagens, um PM se aproxima do local de onde criminosos atiravam e o cinegrafista seguia logo atrás. O policial aparece protegido por uma árvore, abaixa-se repentinamente ao mesmo tempo que um tiro atinge a árvore. Logo depois, a câmera tomba quando o cinegrafista é atingido.

O corpo de Gelson será enterrado hoje [7/11], às 14h, no Memorial do Carmo, no Caju, zona norte.

 

Cabo diz que era o alvo de tiro que matou cinegrafista

Daniela Amorim

Reproduzido da Agência Estado, 6/11/2011

O cabo Gomes, do Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que participou da ação, hoje pela manhã, na favela do Antares, em Santa Cruz, zona oeste do Estado, disse que ele era o alvo do tiro que matou o cinegrafista da TV Bandeirantes Gelson Domingos. “Muito abalado, afirmou: “O tiro que pegou o Gelson era para mim”.

O tiroteio começou cedo, por volta das 6h, quando oito policiais, acompanhados de jornalistas, foram recebidos a tiros. Em determinado momento o grupo se separou. A maioria ficou protegida por um muro. O cabo Gomes atravessou a rua e foi seguido por Gelson, protegidos por uma árvore. Os traficantes dispararam dois tiros de fuzil. O primeiro acertou a árvore e o segundo, o cinegrafista.

Segundo testemunhas, o atendimento a Gelson demorou cerca de 20 minutos, já que o tiroteio continuou com intensidade mesmo depois de o cinegrafista ter sido socorrido. Além de Gelson, morreram outras quatro pessoas que a polícia informa serem traficantes. A Polícia Civil quer analisar as filmagens de Gelson para ver se o grupo de quatro pessoas que ele filmara e que posteriormente fez os disparos é o mesmo que foi morto em seguida.

O Grupo Bandeirantes publicou uma nota em seu site sobre a morte de Gelson Domingos sob o título “Band lamenta morte de cinegrafista no RJ – Repórter cinematográfico foi atingido por um tiro de fuzil na favela Antares, zona oeste da cidade”.

A íntegra da nota é a seguinte:

“O Grupo Bandeirantes lamenta a morte do seu funcionário Gelson Domingos, de 46 anos, na manhã deste domingo. O repórter cinematográfico foi atingido no peito em pleno exercício da sua profissão na cobertura de uma operação da polícia na favela de Antares, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio. Ele chegou a ser socorrido e levado para a Unidade de Pronto Atendimento da região, mas não resistiu.

“O funcionário estava de colete à prova de balas – modelo permitido pelas Forças Armadas, sempre usados por profissionais da Band em situações como esta. Ele foi atingido por um tiro de fuzil, provavelmente disparado por um traficante.

“Gelson Domingos deixa 3 filhos, 2 netos e esposa. Repórter cinematográfico da TV Bandeirantes, ele já trabalhou em outras emissoras como SBT e Record e sempre foi reconhecido pela experiência e cautela no trabalho que exercia. O Grupo Bandeirantes se solidariza com a família e está prestando toda a assistência.”

 

Cinegrafista é morto durante ação policial no Rio

Chico Santos

Reproduzido do Valor Econômico, 7/11/2011

O cinegrafista Gelson Domingos, 46, da TV Bandeirantes, morreu no começo da manhã de ontem depois de ser atingido no tórax por um tiro de fuzil quando filmava uma incursão policial contra traficantes de drogas na favela de Antares, em Santa Cruz, na zona oeste do Rio. O tiro, que teria sido disparado por um traficante, perfurou o colete a prova de balas que o cinegrafista estava usando. Na ação, quatro supostos traficantes foram mortos e oito foram presos.

Domingos foi levado a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) localizada na região, mas já chegou morto ao local. Ele teria filmado o responsável pelo disparo. A fita será utilizada pela Polícia Civil do Rio na investigação do caso. Domingos era casado e tinha três filhos e dois netos. O enterro será hoje no cemitério do Caju, na zona norte da capital.

A Rede Bandeirantes divulgou comunicado lamentando a morte do cinegrafista. A nota diz também que “a Bandeirantes toma todas as precauções para garantir a segurança dos seus jornalistas” nas coberturas diárias no Estado do Rio de Janeiro. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) também divulgou nota lamentando a morte de Domingos.

O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro divulgou comunicado responsabilizando a Bandeirantes pela ocorrência e afirmando que o colete a prova de balas que Domingos usava é apenas “uma maquiagem”, uma vez que não oferece proteção contra tiros de fuzis.

Em agosto de 2005, a jornalista Nadja Haddad, também da Bandeirantes, teve um pulmão perfurado por um tiro quando se preparava para colocar o colete durante uma ação policial no morro Dona Marta, na zona sul do Rio de Janeiro. Nadja Haddad foi operada e se recuperou.

Em novembro de 2008, foi instalada no Dona Marta a primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio, expulsando o tráfico armado da comunidade. Existem atualmente 18 UPPs em favelas da capital fluminense. Em novembro do ano passado, o fotógrafo Paulo Whitaker, da agência de notícias Reuters, foi atingido por um tiro no ombro no Complexo do Alemão (zona norte), desde então ocupado pelo Exército – que deverá ser substituído por uma UPP em 2012.

 

NOTAS OFICIAIS

Secom divulga nota de pesar pelo falecimento do cinegrafista Gelson Domingos

Reproduzido do Blog do Planalto, 6/11/2011

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou hoje (6) nota de pesar pelo falecimento do cinegrafista Gelson Domingos, morto durante a cobertura de operação policial no Rio de Janeiro.

Leia a íntegra da nota:

A Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República – Secom expressa o seu pesar aos familiares, amigos e companheiros de Gelson Domingos, cinegrafista do Grupo Bandeirantes morto por um tiro neste domingo, enquanto fazia a cobertura em uma operação policial no Rio de Janeiro.

O trágico episódio reforça em toda a sociedade o sentimento de gratidão e de solidariedade a todos os profissionais de todas as categorias que, como Gelson, arriscam-se em suas tarefas diárias em prol dos brasileiros.

Secretaria de Comunicação Social

 

Nota da Polícia Militar do Rio de Janeiro

Cerca de 100 policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) e do Batalhão de Choque, sob o comando do 1º tenente Leonardo Novo Oliveira Araújo, com apoio do Batalhão de Ações com Cães, realizaram uma operação na Favela de Antares, em Santa Cruz, no início da manhã deste domingo. O objetivo da ação era checar informações da área de Inteligência do BOPE e do Choque de que líderes do tráfico fortemente armados se reuniam no local.

Informações preliminares do comando da operação revelam que seis marginais foram presos, dentre eles o “gerente” do tráfico local, conhecido como “BBC” e seu braço-direito “China”. No confronto com policiais militares, quatro marginais foram mortos. Há informações ainda sobre a apreensão de drogas e armas. As operações da Polícia Militar continuarão por tempo indeterminado.

O cinegrafista da Rede Bandeirantes, Gelson Domingos da Silva, foi baleado no peito durante uma intensa troca de tiros entre policiais e traficantes na localidade conhecida como rua do Valão.

Socorrido por policiais militares para UPA de Santa Cruz, o cinegrafista não resistiu aos ferimentos.

A Polícia Militar lamenta profundamente a morte do cinegrafista da Rede Bandeirantes, Gelson Domingos da Silva, manifestando a mais sincera solidariedade à família e a todos os profissionais da mídia.