Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Uma blogueira do barulho

Mais do que um fenômeno político, a blogueira Yoani Sánchez representa um fenômeno cultural e social nestes tempos em que a individualidade ganha projeção sem precedentes, graças às possibilidades de expressão criadas pela tecnologia digital de comunicação e informação. Uma mulher comum, simples, sem traços de carisma pessoal, consegue em sua visita ao Brasil mobilizar a imprensa, provocar manifestações de protesto e ser apresentada ao plenário da Câmara dos Deputados como se fosse uma chefe de Estado.

Lendo-se o que dizem os jornais brasileiros sobre ela, imagina-se que os cubanos são um povo alienado, isolado do mundo e tiranizado por dois velhos decrépitos, os irmãos Castro, e que a blogueira é a única voz livre naquela ilha do Caribe. No entanto, todo o barulho em torno de sua visita segue paralelamente à falta de informações sobre o que a blogueira representa no cenário cultural e político de Cuba.

Yoani não é a única nem a mais relevante voz cubana, em Cuba, a protestar contra as restrições impostas ao país. Ela é apenas a personagem que a imprensa ocidental e organizações políticas inimigas do regime cubano escolheram para personificar suas críticas.

Atuam em Havana e outras cidades pelo menos uma centena de jornalistas, escritores e intelectuais que discutem abertamente a situação criada pelo isolamento do país. Vinte deles produzem a revista Voces (Vozes, em português), uma publicação digital de resistência contra o regime castrista.

Em sua apresentação, os autores qualificam Cuba como “uma nau que soçobra em sua néscia noção de nação” e se declaram empenhados em mostrar sua “desídia ideológica”. Em suas 16 edições, disponíveis na internet, pode-se encontrar textos primorosos, alguns carregando críticas vivas ao governo, todos defendendo a liberdade de expressão.

O escritor Orlando Luis Pardo Lazo, criador da Voces, é considerado um dos mais importante entre os blogueiros dissidentes que se destacam em Cuba. A blogueira pop não é, portanto, a principal representante da dissidência intelectual cubana. É apenas aquela que a imprensa ocidental escolheu como personagem-símbolo em sua campanha ideológica.

Outras vozes

Também se pode observar que muitos dos textos postados pelos integrantes desse movimento não condenam a revolução cubana, mas os caminhos que ela tomou em função do isolamento. A própria Yoani Sanchez afirmou, em uma de suas entrevistas no Brasil, que o problema de Cuba é o embargo imposto pelos Estados Unidos, que é usado pelo governo como justificativa para a política de restrições.

Acontece que, com o advento da internet e mesmo enfrentando dificuldades com a pobreza da tecnologia disponível, essas vozes podem ser ouvidas em qualquer lugar. Essas dificuldades podem ser bem avaliadas por quem acompanhou a evolução da internet no Brasil. Mesmo em plena democracia, e com amplas liberdades, o brasileiro era até há pouco mais de uma década um indigente em termos de tecnologia de comunicação, com a falta de investimentos por parte das operadoras de telecomunicações, e ainda hoje tem que se submeter às limitações da política de importações e ao interesse da indústria eletrônica de esgotar as possibilidade de lucro de modelos obsoletos.

Na quinta-feira (21/2), por exemplo, o Estado de S. Paulo informa que a Apple, que disputa com a brasileira Gradiente a marca iPhone no mercado nacional, está sendo acusada por uma associação civil de enganar os consumidores do Brasil ao vender modelos do iPad 3 como se fossem os novos iPad 4.

Yoani Sanchez é um fenômeno produzido pela manipulação, por parte da imprensa ocidental, da diversidade produzida pelas manifestações individuais nas redes digitais. Vejamos o que diz, por exemplo, um dos artigos publicados pelo cubano Wilfredo Cancio Isla, ex-professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Havana, na edição 15 de Voces:

“A internet e a avalancha de páginas digitais, portais informativos e blogs, favoreceu uma democratização do jornalismo e da informação. E criou também um desafio para as instituições tradicionais, mas ao mesmo tempo gerou uma ilusão de falso profissionalismo.”

Ele acusa a imprensa ocidental, de modo geral, de fazer uma cobertura preconceituosa sobre Cuba e Venezuela e de politizar de maneira nociva o noticiário, baixando a qualidade do jornalismo. Mas também não foge da discussão sobre a falta de acesso a informações em Cuba:

“Estes temas têm relação com a realidade cubana, onde reina há 50 anos um jornalismo de propaganda ideológica, centralizado e instrumentado, alheio a demandas de mercado? Definitivamente sim, porque Cuba deixou de ser a sociedade fechada que foi até a onda da internet e o uso massivo das novas tecnologias.”

Yoani é o barulho que a imprensa brasileira faz, para que outras vozes cubanas não sejam ouvidas.

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