Na quarta-feira (10/7), destaque nos jornais para a deliberação da Câmara dos Deputados que, em reunião de líderes, decidiu que a proposta de realizar um plebiscito para promover a reforma do sistema político ainda em 2014 é inviável. A justificativa é a suposta falta de prazo suficiente para aprovar as novas regras antes de outubro, tempo estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral para organizar o processo.
Fica no subtexto, evidentemente, a suspeita de que o Parlamento não quer o plebiscito. Resta saber se terá disposição para promover as mudanças reclamadas pela sociedade por meio de emenda à Constituição, desmentindo a descrença geral no sistema político.
A decisão dos líderes não questiona o prazo estabelecido arbitrariamente pelo TSE, nem leva em conta que estamos diante de uma demanda cuja frustração pode inviabilizar o funcionamento das instituições e, eventualmente, colocar em risco o próprio calendário eleitoral.
Com toda a problemática que representa fazer previsões e futurologia, pode-se inscrever com muita certeza: se não ocorrer uma resposta satisfatória para o desejo de mudança manifestado pelas ruas, poderá não haver eleições em 2014.
Nesses dez dias de recesso após os protestos que paralisaram mais de uma dezena de capitais do país, os grupos de ativistas se reorganizaram em células extremamente complexas, e se tornaram capazes de promover mobilizações ainda mais massivas em menos tempo. A pauta de reivindicações se tornou muito mais simples, objetiva e radical. A questão das tarifas de transporte público foi apenas um ensaio planejado para testar o funcionamento do processo conhecido como flashmob.
Os ativistas querem a reforma do sistema político como forma de encaminhar as soluções para outros problemas do país; nessa reivindicação, verbalizam a opinião de pelo menos 70% da população, e o conchavo de líderes não é a resposta correta. Criar um grupo de trabalho para “analisar a questão” tem sido a maneira mais objetiva de não resolver problemas emergenciais.
Infelizmente para o presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, a frase que usou para resumir a decisão dos líderes pode encurtar também seu futuro político. Uma semana depois da revelação de que ele usou um avião da FAB para ir assistir ao jogo da seleção de futebol no Rio de Janeiro, Alves deveria tomar mais cuidado com os ouvidos do eleitor. “Ele [o plebiscito] já foi enterrado; já teve até a missa de sétimo dia” – foi sua frase irônica, destacada pelos jornais.
Jogo perigoso
A imprensa ainda repercute a pesquisa feita por iniciativa da Transparência Internacional, segundo a qual 81% dos brasileiros consideram os políticos “corruptos” ou “muito corruptos”. Trata-se da percepção mais negativa dos protagonistas da cena política entre 107 países. Portanto, há claramente uma crise de representação que pode conduzir o sistema democrático a um impasse, e essa crise se agrava na medida em que também perdem representatividade outras instituições, como sindicatos e entidades profissionais.
Se o Congresso Nacional agasalha a agenda imposta pelo TSE e adia a proposta de consulta popular para a reforma política, de onde irá tirar a credibilidade necessária para fazer a sociedade aceitar que essa reforma será feita pela tramitação normal dos projetos de emenda constitucional?
Os movimentos autônomos que se pronunciam nas redes sociais e eventualmente ocupam as ruas em várias partes do mundo são imprevisíveis, mas é possível monitorar o estado de tensão que antecede as grandes mobilizações.
Uma nova onda de protestos, nas grandes cidades brasileiras, pode tornar ingovernável boa parte do país. Este o cenário que os jornais deixam perceber ao noticiar, ainda que de maneira pouco crítica, a decisão dos líderes partidários.
Não se espere que a imprensa tradicional encampe incondicionalmente a fala difusa das ruas, mesmo porque a soma das individualidades nas redes digitais não cria necessariamente um corpo social coeso. No entanto, a resposta dos congressistas representa um jogo perigoso.
Ainda que, supostamente, a quebra das instituições democráticas não pareça estar no horizonte da maioria que se manifesta, não se pode ignorar a crescente atividade de grupos reacionários que nada têm a perder com um retrocesso no sistema republicano.
Ironias como a do presidente da Câmara podem se transformar em jogada perigosa, e não apenas para a sua carreira política.