O Fórum de Gerenciamento da Internet (IGF) reune mais de 1.500 participantes no Rio de Janeiro entre segunda e quinta-feira (12 a 15/11) para discutir questões que ainda não preocupam a maioria dos usuários, mas que têm, e terão, grande impacto em suas vidas. Recursos-chave da internet, como a infra-estrutura e o sistema de nomes de domínio, o acesso, a diversidade, a abertura e a segurança serão os pontos em discussão, sob o tema geral de ‘Gerenciamento da Internet para o Desenvolvimento’, com representantes de governo, empresas e da sociedade civil.
O IGF não é uma instância de decisões, mas um encontro de diálogo entre as partes interessadas, sem hierarquia, criado na Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação, que teve sua segunda fase realizada em Tunis, em novembro de 2005. Trata-se, portanto, de uma reunião promovida pela Organização das Nações Unidas. O IGF inaugural, em novembro do ano passado, reuniu 1.350 participantes na Grécia. Os próximos encontros serão na Índia e no Egito.
Os temas são os mesmos neste segundo IGF, mas, por iniciativa brasileira, conseguiu-se acrescentar a infra-estrutura, que permite repor a necessidade de criar instâncias internacionais para adotar decisões que afetam todos os usuários da rede mundial de computadores, como as relacionadas com os nomes de domínios, que identificam os sites, suas áreas temáticas e os países. A administração do sistema de domínios está sob controle da Corporação para a Destinação de Nomes e Números na Internet (Icann, na sigla em inglês), órgão vinculado ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos, em contradição com o caráter internacional da rede.
Desequilíbrios indesejados
É uma questão pendente que muitos governos, especialmente Washington, e órgãos vinculados à internet, não querem discutir, alegando que ‘funciona muito bem como está’, mas, ‘é preciso internacionalizar as decisões para que nenhum governo tenha seu controle’, disse à IPS Carlos Afonso, membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil, que apóia a organização do IGF no Rio de Janeiro. O Icann funciona como ‘corretora monopólica’ de uma espécie de bolsa de nomes e domínios da internet, sob a visão distorcida de que se trata de um órgão ‘técnico’, afirmou Afonso, conhecido como o introdutor da internet no Brasil, por ter impulsionado redes precursoras de comunicação entre computadores.
Porém, as decisões sobre domínios podem ser claramente políticas e não deveriam ser unilaterais, objeto de uma instituição não representativa e dependente de um único governo. Um exemplo foi a tentativa de criar um domínio para sites de pornografia, que seria o ‘.xxx’, rejeitada pela maioria do Conselho do Icann em março deste ano. Foi uma ‘decisão sobre o conteúdo’ da internet que supera a missão do Icann, ressaltou Afonso.
A necessidade de criar mecanismos multilaterais e democráticos para a gestão da internet aparece também nas interconexões internacionais, que passam, sobretudo, por backbones (espinhas dorsais) concentradas nos Estados Unidos e na Europa e em alguns países asiáticos, como Cingapura. A renda gerada por esses fluxos de comunicação fica em mãos dos países ricos. Nesse espaço sem regras, os poderosos, como a Austrália, conseguem negociar acordos bilaterais, mas países pobres, como os africanos, apenas pagam o custo das comunicações e nada recebem, disse Afonso. Esse quadro gera desequilíbrios perversos e faz usuários de áreas pobres pagarem muito mais caro pelos acessos à internet.
Dessa forma, em Manaus um acesso à conexão de banda larga custa 16 vezes mais do que na União Européia, e inclusive os brasileiros que moram em regiões ricas pagam por ela duas ou três vezes mais. Ao problema das interconexões somam-se os cartéis das empresas de telecomunicações e suas políticas de preços que gravam as populações que vivem longe dos centros industriais. Tais desequilíbrios não fazem mais do que aumentar a distância entre pobres e ricos em matéria de tecnologias da informação, lamentou o especialista, que representa a sociedade civil no Comitê Gestor da Internet.
‘Coalizões dinâmicas’
Em sua opinião, falta criar um mecanismo mundial de compensações, que regulamente a composição de preços, buscando reduzir desequilíbrios e não deixar os países que mais precisam de conexões baratas à mercê dos poderes dominantes nas telecomunicações e nos recursos da internet. A internacionalização de mecanismos de gerenciamento é indispensável também para solucionar problemas de segurança, já que a internet não tem fronteiras. No Brasil, por exemplo, avançou-se em um sistema que reduziu os crimes praticados na rede, com dos grupos que invadem sistemas bancários elétricos e desviam fortunas.
Mas agora os criminosos usam servidores de outros países que não possuem sistemas de controle e proteção. As estatísticas de ‘ataques’ registrados pelo Comitê Gestor da Internet indicam que a maioria tem origem em Taiwan, Estados Unidos e Coréia do Sul, destacou Afonso. Ampliar o acesso à internet, que hoje tem cerca de 1 bilhão de usuários, menos de um quinto da população mundial, é um desafio permanente. As políticas públicas para promovê-lo serão discutidas neste segundo IGF.
A diversidade é outro assunto relevante, considerando que a grande maioria do conteúdo da internet está em inglês, e os povos cujas línguas não usam o alfabeto latino enfrentam enormes dificuldades para obter sua plena inclusão na rede. O IGF do Rio de Janeiro terá cinco sessões especiais sobre os temas centrais, seminários, fóruns e reuniões das ‘coalizões dinâmicas’ de interesses específicos. A presidência será compartilhada entre o indiano Nitin Desai, assessor especial para Gerenciamento da Internet do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e o brasileiro Hadil Vianna, diretor de Assuntos Científicos e Tecnológicos da chancelaria.
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Jornalista, correspondente da agência IPS